TJ/SP condena fabricante de bicicletas a indenizar vítima de acidente
A 8ª câmara de Direito Privado do TJ/SP nega recurso proposto pela Caloi Norte e mantém decisão da 7ª vara Cível de Osasco/SP para condenar a empresa a pagar indenização por danos morais à família de uma criança que teve o dedo decepado ao sofrer um acidente com sua bicicleta.
Da Redação
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Atualizado às 08:35
Danos morais
TJ/SP condena fabricante de bicicletas a indenizar vítima de acidente
A 8ª câmara de Direito Privado do TJ/SP nega recurso proposto pela Caloi Norte e mantém decisão da 7ª vara Cível de Osasco/SP para condenar a empresa a pagar indenização por danos morais à família de uma criança que teve o dedo decepado ao sofrer um acidente com sua bicicleta.
O caso
Em dezembro de 2002, a criança, na época com 5 anos, andava com o modelo Caloi Eliana A16 quando perdeu o equilíbrio e caiu com o dedo mínimo da mão esquerda dentro do cano do guidão, decepando-o. A família da criança, em ação na 7ª vara Cível, conseguiu indenização no valor de R$ 25 mil.
Em recurso na 8ª câmara, a Caloi alegou que não poderia ser responsabilizada, pois não foi demonstrado eventual defeito de fabricação; que a manopla se danificou provavelmente em razão de muitos 'tombos' e consequente atrito com o solo, paredes e outras superfícies do gênero. Ainda, afirmou que houve falta de cuidados por parte dos pais da criança para a manutenção do produto.
Voto
Em análise na câmara, o desembargador Luiz Ambra, relator, afirmou que "a tentativa da ré em responsabilizar os genitores pelo resultado do acidente e o infeliz incidente em decorrência da má conservação do produto e negligência na substituição dos acessórios, não vinga; aliás, beira à zombaria." Para ele, por se tratar de um produto destinado ao uso de crianças, o fabricante deveria ter cuidado redobrado e não poderia conceber um projeto que, ainda que remotamente, pudesse causar eventual lesão ao usuário.
"Se a própria fabricante sustenta que o seu produto possui vida útil de sete a dez anos e de cinco anos para a manopla - a bicicleta da autora tinha somente um ano e oito meses de uso - como poderia o mesmo não resistir aos inúmeros 'tombos' e 'encostadas' em superfícies ásperas? De se observar que a bicicleta tem como público alvo crianças de 5 a 8 anos de idade; logo, pressupõe-se a utilização de material próprio e de grande resistência para suportar o fim a que se destina, sabido que nessa idade não há o cuidado que se pretende e nem a destreza de piloto de Fórmula 1", ressaltou o relator.
Com base no CDC (clique aqui), os desembargadores da 8ª câmara entenderam que a demanda se funda na alegação de dano provocado por produto impróprio, "o que tornava plenamente justificada a aplicação da lei consumerista, a qual distingue a responsabilidade pelo fato do produto (art. 12), que é o dano causado pelo produto defeituoso, da que decorre do vício do produto (art. 18), que é a imperfeição que o torna impróprio ao uso." Dessa forma, o fabricante deve zelar pela confiabilidade do produto, o que interfere também no seu dever de prestar informações precisas sobre o uso adequado, sobre os riscos de manipulação indevida e, em último caso, indenizar aqueles que sofrem danos por conta de imperfeições estatisticamente previsíveis e inevitáveis.
Assim, a 8ª câmara negou provimento ao recurso da Caloi, condenando-a a pagar importância de R$ 25 mil à família. O julgamento teve votação unânime e também contou com a participação dos desembargadores Salles Rossi e Theodureto Camargo.
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Processo : 9058525-12.2006.8.26.0000 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n2 9058525-12.2006.8.26.0000, da Comarca de Osasco, em que é apelante CALOI NORTE S A sendo apelados C.F.F.G.S. e A.F.S.
ACORDAM, em 8a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto.do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente sem voto), SALLES ROSSI E THEODURETO CAMARGO.
São Paulo, 13 de julho de 2011.
LUIZ AMBRA
RELATOR
VOTO N° 10804
APELAÇÃO CÍVEL N° 9058525-12.2006.8.26.0000 (466.280-4/0-00) OSASCO
APELANTE: CALOI NORTE S. A.
APELADA: (MENOR REPRESENTADA POR SUA MÃE)
DANO MORAL - Responsabilidade civil - Menor que ao cair com a bicicleta se segurava com o dedo mínimo dentro do cano do guidão - Amputação traumática da falange distai do 5o dedo da mão esquerda implicando em deformidade parcial e permanente - Vítima submetida à cirurgia para regularização de coto - Sessão semanal de terapia ocupacional no Hospital das Clínicas - Ausência de prova de inexistência de defeito do produto - Crianças com faixa etária entre cinco e oito anos de idade como público alvo da bicicleta lançada no mercado - Obrigatoriedade de o fabricante eliminar as chances de risco de lesão e de acidentes com seqüelas na utilização de seu produto - Falha e negligência no projeto da bicicleta que não previu a possibilidade de conseqüência desastrosa em razão da pouca idade de seus usuários - Defeito do produto caracterizado - Incidência do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor e art. 927, § único, do Código Civil - Dever de indenizar configurado - Responsabilização objetiva da ré - Sentença mantida - Recurso improvido.
Trata-se de apelação contra sentença de parcial procedência (a fls. 166/171), em ação de indenização por danos morais e materiais, para condenar a ré ao pagamento da importância de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), a título de danos morais e estéticos, a ser corrigida desde a data do evento e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação. Afastou o pleito de ressarcimento por danos materiais posto que submetida a tratamento em hospitais públicos, conforme se infere da própria inicial e dos documentos que a instruíram. Nas razões de irresignação se sustentando o descabimento do decisum pelos fundamentos então expendidos (fls. 174/193).
Recebido o apelo a fl. 197, com preparo anotado a fls. 194/196, a fls. 204/213 veio a ser contra-arrazoado.
Parecer ministerial pelo improvimento do apelo (fls. 220/222). Laudo pericial acostado a fls. 114/116.
É o relatório.
Extrai-se da narrativa que os pais da menor, nascida aos 02/12/96 e à época com quase 05 (cinco) anos de idade (fl. 12), adquiriram a bicicleta modelo Caloi Eliana A16, cor rosa, em 04/04/01 (fl. 13). Todavia, em 18/12/02, estava em pé segurando o guidão de sua bicicleta, mas perdeu o equilíbrio e caiu com o dedo mínimo de sua mão esquerda dentro do cano do guidão; evento este que decepou metade de seu dedo por amputação traumática do 5o QDE - F. Distai, conforme o relatório médico acostado a fl. 14. Socorrida no Hospital Municipal, foi imediatamente submetida à cirurgia para regularização de coto.
Permaneceu internada por três dias e recebeu alta hospitalar em 20/12/02. Em decorrência do acidente e de seu resultado danoso, comparece semanalmente à sessão de terapia ocupacional no Hospital das Clínicas de São Paulo desde 21/01/03 (fl. 17).
A ré, em breve síntese, sustenta não ter sido demonstrado eventual defeito de fabricação; que a manopla se danificou provavelmente em razão de muitos "tombos" e conseqüente atrito com o solo (asfalto ou cimento), paredes (com cimento) e outras superfícies do gênero; inexistência de defeito, de culpa, e de nexo de causalidade; que as fotos carreadas aos autos deixam transparecer a falta de cuidados dos responsáveis pela manutenção do produto; que é reconhecida em seu ramo de atividade pela qualidade e tecnicismo aprimorados, com certificação ISO, sempre de acordo com as normas legais (fls. 37/66).
No depoimento da testemunha arrolada pela ré, diz o engenheiro, que a vida útil da bicicleta é de 07 a 10 anos; que a manopla é uma peça de reposição e desde que utilizada de forma regular, possui vida útil de 05 anos; por ocasião da visita do depoente à residência da autora foi constatado que a bicicleta permanecia no tempo e encostada em parede de superfície áspera (fls. 138/139).
Nesse aspecto, indaga-se: qual seria o parâmetro adotado para se considerar a utilização de forma regular sugerida para se usufruir do produto por toda a vida útil de cinco anos sem a necessidade de reposição da manopla? Qual seria a forma regular e adequada a ser empregada por crianças de cinco a oito anos? A manopla de uma bicicleta mantida no tempo e encostada em parede de superfície áspera tem a vida útil drasticamente reduzida e não dura um ano e meio? Pois bem. A conclusão do laudo técnico do IMESC de fls. 114/116, atesta a amputação de falange distai de 5o dedo da mão esquerda, que necessitou de cirurgia local e seguimento ambulatorial por 30 dias; coto de amputação com bom coxim de apoio; flexor profundo e superficial presentes e funcionantes; demais dados dentro da normalidade; existência de prejuízo estético motivado pela cicatriz e pela ausência de parte do dedo; existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano; comprometimento patrimonial físico do dedo mínimo esquerdo em 4%; quanto doloris durante o tempo de incapacidade temporária qualificável como médio (em escala de 1 a 5 seria de 3); amputação implicando em deformidade parcial e permanente.
A tentativa da ré em responsabilizar os genitores pelo resultado do acidente e o infeliz incidente em decorrência da má conservação do produto e negligência na substituição dos acessórios, não vinga; aliás, beira à zombaria.
Ora, se a própria fabricante sustenta que o seu produto possui vida útil de sete a dez anos e de cinco anos para a manopla - a bicicleta da autora tinha somente uma ano e oito meses de uso - , como poderia o mesmo não resistir aos inúmeros "tombos" e "encostadas" em superfícies ásperas? De se observar que a bicicleta tem como público alvo crianças de 05 a 08 anos de idade; logo, pressupõe-se a utilização de material próprio e de grande resistência para suportar o fim a que se destina, sabido que nessa idade não há o cuidado que se pretende e nem a destreza de piloto de Fórmula 1; tampouco aquele aventado discernimento que a ré insiste em imputar à vítima, no caso, a falta dele e de bom senso também.
Porém, presume-se, mais lucrativo é montar o produto com material pouco resistente e colocar peças de reposição à venda, assim como os inúmeros acessórios existentes e disponíveis no mercado como dito, os quais, segundo sustenta, cada um deles a aumentar o grau de proteção; contudo, tal reparo foi negligenciado pelos genitores, haja vista a bicicleta vistoriada sequer possuir 'protetor de corrente' (?).
No entanto, e ao contrário da tese esposada pela ré, justamente por tratar-se de produto destinado a crianças nessa faixa etária é que o cuidado do fabricante teria que ser redobrado, a não se permitir o planejamento de projeto ou design que viabilize, ainda que remotamente, eventual ocorrência de lesão ao usuário. O planejamento deve se voltar, além do enfatizado tecnicismo aprimorado ISO, primordialmente à segurança e proteção das crianças contra eventuais acidentes capazes de causar-lhes seqüelas incapacitantes ou lesões deformantes como o aqui vivenciado.
E, como bem anotado pelo i. magistrado sentenciante:
a simples vedação do buraco existente noguidão ou a colocação de peça soldada no seu interior em formato de "x" (já adotado por algumas empresas concorrentes) seria suficiente para que o lamentável incidente aqui narrado não ocorresse. Tal providência fartamente observada em produtos análogos, deveria ter sido adotada pela ré há muito tempo, já que se regozija de possuir certificação internacional de qualidade (padrão "ISO"), além de disputar mercado consumidor no exterior (77. 168).
Nesse sentido, a doutrina sustenta que o fabricante é o responsável em casos dessa espécie. Depreende-se do Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto, 5a edição, Forense Universitária, 1997, se extrai:
"Quando alude ao fornecedor, o Código pretende alcançar todos os partícipes do ciclo produtivo-distributivo, vale dizer, todos aqueles que desenvolvem as atividades descritas no art. 3o do CDC. Em matéria de responsabilidade por danos, no entanto, o art. 12 discrimina alguns fornecedores, responsabilizando somente o fabricante, o produtor, o construtor, bem como o importador, excluindo, portanto, em primeira intenção, a figura do comerciante. O comerciante, como veremos infra, somente será responsabilizado em via secundária, isto é, se o fabricante, produtor, construtor ou importador não puderem ser identificados (cf. art. 13)..." (pág. 144 de ZELMO DENARI).
Vale lembrar ainda que o Código de Defesa do Consumidor protege tanto aqueles que receberam o produto ou serviço para consumo próprio como, ainda, aqueles que foram afetados pelas práticas comerciais abusivas (art. 29) ou pelo fato do produto ou serviço (art. 17). Aqui, a demanda se funda, justamente, na alegação de dano provocado por produto impróprio, o que tornava plenamente justificada a aplicação da lei consumerista, a qual distingue a responsabilidade pelo fato do produto (art. 12), que é o dano causado pelo produto defeituoso, da que decorre do vício do produto (art. 18), que é a imperfeição que o torna impróprio ao uso.
Não por outro motivo, aliás, é que a insigne professora Cláudia Lima Marques lembra que não se pode confundir o regime legal do fato do produto com a disciplina acerca do vício do produto. Confira-se:
"Mister, portanto, diferenciar a disciplina do vício por inadequação do novo regime da responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço, que está regulado no art. 12 ssdo CDC, que pode ser chamado de regime dos vícios por insegurança. Este último é um regime extracontratual com fundamento na responsabilidade objetiva, visando reparar os danos extracontratuais ou à saúde sofridos pelo consumidor, enquanto que nos vícios por inadequação a responsabilidade, no que se refere à reparação, concentra-se no objeto da relação contratual (produto ou serviço)." (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 5a ed., 788).
Quanto ao ônus da prova, insistentemente enfatizado pela ré, permite-se transcrever trechos dos fundamentos utilizados por esta relatoria nos julgamentos da Apelação Cível n° 410.370.4/7-00/São Paulo, bem como dos Embargos Infringentes n° 994.07.090367-9/50000, da Comarca de Santo André; "verbis":
"A inversão do ônus da prova em hipóteses que tais, a rigor, não representa novidade nenhuma; o Código do Consumidor, aliás, sendo expresso em que, não devendo o produto colocado no mercado (artigo 8o) acarretar "riscos à saúde ou segurança dos consumidores", quando tal ocorrer - e o risco vier a se traduzir em efetivo prejuízo, como aqui - a responsabilização do fabricante será objetiva, a teor de seu artigo 12. Admitida a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6o, VIII.
O problema da inversão do ônus da prova, na realidade, nada mais representa, na realidade, senão uma aplicação prática do sistema de presunções de que se vale o ordenamento jurídico, tanto civil como penal, em determinadas hipóteses. Exemplos existem inúmeros.
Em matéria penal, presume-se furtador aquele em cujo poder venha a ser encontrada a res furtiva, logo após a sua subtração. Deverá, para se forrar aos efeitos de tal presunção - que é meio de prova indireta, induvidosamente -, demonstrar o modo pelo qual tenha chegado a suas mãos, explicar de quem a recebeu e como. A propósito, de longa data, precedentes nesse sentido.
A jurisprudência, com efeito, parte do pressuposto de que (JUTACRIM 92/248) a apreensão da res furtiva em poder do acusado enseja, induvidosamente, inversão do ônus da prova. Do que decorre, para a defesa, a obrigação de "demonstrar uma convincente versão acusatória de tal circunstância". Até porque a res não terá chegado a suas mãos voando, ou através de um milagre divino, bem se vê.
Tem-se, nessa mesma linha, que "em tema de delito patrimonial, a apreensão da coisa subtraída em poder do réu gera a presunção de sua responsabilidade e, invertendo o ônus da prova, impõe- Ihe justificativa inequívoca. A justificativa dúbia e inverossímil transmuda a presunção em certeza e autoriza, por isso mesmo, o desate condenatório" (JUTACRIM 66/410).
Quer dizer, conforme o caso, até mesmo no Crime se admite condenação com base em simples presunção.
Se até em matéria penal isso ocorre, no Cível não haveria que ser diferente. Aqui, ao lado das presunções legais (derivam da lei, admitindo ou não prova em contrário - quando júris tantum ou júris et de jure), existem as chamadas presunções hominis; fruto do raciocínio humano, da observação do que ordinariamente acontece.
Situação a que o Código de Processo Civil também faz remissão, no artigo 335. Isto é, "das regras da experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece".
Num exemplo simples, presume-se haver agido com culpa o motorista, num acidente de trânsito, que venha a bater por trás.
Porque como regra, em situações dessa ordem, não terá guardado a necessária distância de segurança do automotor que o preceda, como determina o Código Nacional de Trânsito. Para se safar, deverá demonstrar (pois aí os papéis se alteram, toda presunção inverte o ônus da prova) a ocorrência de manobra anormal por quem estivesse à sua frente - parar ex abrupto na pista de alta velocidade, por exemplo.
Já se decidiu, nessa linha, que "quem abalroa um veículo pela traseira age normalmente com culpa" ("Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça", ed. Lex, vol. 15/135); havendo, em conseqüência, que provar - invertem-se os papéis - a existência de circunstância suscetível de elidir tal culpabilidade.
Confiram-se, nesse sentido, acórdãos na "Revista" sob exame, vols. 18/140, 16/191, 13/81, 19/166, 42/106.
É que, dentro da normalidade que preside à edição das regras de trânsito, a colisão pela traseira representa fato anormal.
Ora, "para que se exculpe o motorista, um acontecimento anormal de trânsito há que ser explicado por uma causa excepcional. Não demonstrada esta, é inevitável o decreto condenatório" ("Julgados dos Tribunais de Alçada" 12/201).
Segue-se, nessa linha, que "demonstrado pelo autor o fato anormal, cabe ao réu demonstrar a inexistência de culpa de sua parte" (Rev. Jurísp. Trib. Just. 18/92). Válido o princípio no Cível como no Crime, em caso similar ("induz culpa do motorista o fato de o veículo descrever trajeto anormal, inteiramente injustificado por seu condutor") precedente em JUTACRIM 69/298.
Com a perda de controle sem motivo aparente, pela mesma razão de ser, o mesmo princípio há que ser aplicado; trata-se de fator presuntivo de culpa. Ao condutor cumprindo alegar e provar o tal fato anormal antes mencionado. É de jurisprudência defluir a culpa das só circunstâncias do acidente, em hipóteses que tais: "demonstra imperícia o motorista que, pilotando veículo em bom estado de funcionamento, deixa o automotor fugir-lhe ao controle" (JUTACRIM 31/316). Vale dizer (JUTACRIM 43/366, rei. Cunha Camargo): "age com patente imperícia o motorista que, ante situação comum de tráfego urbano, atrapalha-se e perde o domínio da direção e velocidade do veículo, dando causa a evento danoso".
No mesmo sentido, ainda, JUTACRIM 35/222, rei. Dínio Garcia: "evidente a culpa de quem, em face de corriqueiro problema de trânsito, perde o domínio da máquina e atinge transeunte, que se postara à margem do leito carroçável".
A contrario sensu, demonstrada a causa do fato anormal; aqui, a amputação de parte do dedo mínimo, a presunção passa a pender contra a outra parte. No caso, contra o fabricante da bicicleta. Já que ele próprio não afastou o presumido defeito de fabricação, como seu viu.
Embora a ré apelante busque desviar o foco da discussão para a responsabilidade civil e distribuição dos ônus probatórios ordinários, é evidente que o presente caso trata de responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto (art. 12 e ss. do Código de Defesa do Consumidor), situação excepcional para a qual o ordenamento jurídico prevê um tratamento diferenciado e mais favorável à parte hipossuficiente, no caso, a autora.
A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto tem seu fundamento no artigo 17 da Lei que equipara a consumidores todas as vítimas de acidentes envolvendo produtos defeituosos, revelando-se clara a intenção da lei de responsabilizar especialmente a figura do fabricante pelos defeitos de "projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos".
A razão que fundamenta a distinção é óbvia. O fabricante deve zelar pela confiabilidade do seu produto, o que interfere não apenas no seu processo produtivo, mas também no seu dever de prestar informações precisas sobre o uso adequado, sobre os riscos de manipulação indevida e, em último caso, indenizar aqueles que sofrem danos por conta de imperfeições estatisticamente previsíveis e inevitáveis. É isto o que a doutrina tem chamado de risco da atividade. O risco de dano a direitos de terceiros inerente e inevitável quando da perseguição de uma atividade empresarial. Tal risco deve ser contabilizado e embutido no custo da atividade, não repassado a terceiros, como pretende a ré.
Ademais, dentre os benefícios que o ordenamento jurídico concede aos consumidores ou aqueles que lhes são equiparados encontram-se a inversão do ônus probatório (art. 6o, inciso VIII) e a responsabilização dos fornecedores independentemente da culpa (art. 12).
Disso decorre que não era ônus da autora a demonstração da existência de um defeito no produto, bastando-lhes tãosomente demonstrar a ocorrência de um dano e alegar sua vinculação com um defeito em um produto da ré.
Desta forma, o evento não pode ser de forma alguma relacionado ao manuseio indevido por parte da autora. Deve-se notar, todavia, que a responsabilidade primária pelo evento é do fabricante, inexistindo disposição no artigo 12 que vincule diretamente o usuário ou consumidor."
Confira-se ainda o artigo 14 daquele diploma, lei 8078/90: "o consumidor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".
Acrescenta o § 1o, que "o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
II) o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam".
Portanto, o decreto de procedência era mesmo de rigor. Cabendo observar que, no Código Civil novo, há regra a bem se amoldar a tais disposições. Qual a de seu artigo 927, § único; segundo ela, "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
Por fim, no tocante à fixação do dano moral, observo que o valor da indenização deve ser arbitrado levando-se em conta a dúplice função ressarcitória e dissuasória da indenização, já assentada pela jurisprudência. Por um lado, olha-se para a pessoa da vítima, que deve ser reparada pela ofensa sofrida. Não se deve premiá-la ao ponto de causar-lhe um enriquecimento sem causa, porém também não se deve desprezar o seu sofrimento estabelecendo um reparo em quantia irrisória.
Por outro, olha-se para a pessoa do responsável pela ocorrência do evento ilícito e busca-se, com a sanção, desestimular a reiteração do comportamento tido como ilícito, bem como expressar o grau de reprovação de sua conduta.
A propósito, ensina Sérgio Cavalieri Filho:
"O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar."(Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 2a edição, p. 79).
Dano moral não possui conteúdo econômico, insista-se, em nota de rodapé Aguiar Dias traz à colação acórdão de 1942, do eminente Amílcar de Castro quando desembargador em Minas Gerais. Deferindo reparação, mas assinalando o óbvio (pg. 779): "com o ressarcimento do dano moral não se pretende refazer o patrimônio, que continua íntegro, mas dar à pessoa lesada uma satisfação, que lhe é devida, pela sensação dolorosa que sofreu" (Jurisprudência do Tribunal de Apelação, Imprensa Nacional, vol. 13/249, j . em 19.10.42).
Invoca o magistério de Mayne, no Direito Inglês, ali a matéria sempre apresentou evolução maior. Para esse jurista {apuo Aguiar Dias, ob. cit., pg. 790) "toda e qualquer lesão importa um dano, ainda que patrimonialmente não corresponda à moeda mais insignificante". Daí a distinção, ali feita, entre "substancial damages" (danos de natureza material, substancial) e "nominal damages" - apenas nominais, isto é, morais. Daí não haver como fazer prova quantitativa daquilo que se mostra insuscetível de ser mensurado.
O decreto de parcial procedência, tudo sopesado, pelo meu voto fica mantido. Nego provimento à irresignação recursal.
Luiz Ambra
Relator
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