TJ/RS nega responsabilização de mãe por evasão escolar da filha
A 8ª câmara Cível do TJ/RS negou provimento à ação do MP que buscava punir mãe por omissão em relação à evasão escolar da filha. Para os desembargadores, o Estado deve primeiro demonstrar ter cumprido sua parte na proteção integral à criança e ao adolescente, incluindo ela e sua família em rede de proteção.
Da Redação
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Atualizado às 09:03
Educação
TJ/RS nega responsabilização de mãe por evasão escolar da filha
A 8ª câmara Cível do TJ/RS negou provimento à ação do MP que buscava punir mãe por omissão em relação à evasão escolar da filha. Para os desembargadores, o Estado deve primeiro demonstrar ter cumprido sua parte na proteção integral à criança e ao adolescente, incluindo ela e sua família em rede de proteção.
No 1º grau, a juíza Tânia Cristina Dresch Buttinger, da comarca de Flores da Cunha/RS, já havia indeferido o pedido do MP de condenar a mãe à prestação de pena pecuniária. No recurso ao TJ, o MP alegou que a mãe da menina descumpriu seus deveres inerentes ao poder familiar (art. 249 do ECA), bem como desrespeitou as medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar. Referiu ainda que o irmão da menina também não frequenta a escola e não concluiu o ensino fundamental, demonstrando que não se trata de um problema específico em relação à filha.
Apelação
Para o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, relator da ação, "ante a ausência de comprovação de que o Estado tenha cumprido com sua política de proteção integral, soa absurdo que agora compareça perante aquela unidade familiar apenas para dar uma aparência de cumprimento formal, fazendo recair sobre a cabeça dessas pessoas os "rigores da lei", com aplicação de uma penalidade pecuniária que nenhum sentido ou eficácia possui (mesmo porque certamente jamais será paga...), e que somente contribuiria, sem dúvida (se houvesse o pagamento), para agravar ainda mais sua situação de penúria."
Na avaliação do desembargador, nos casos de infrequencia escolar de adolescente, somente é admissível a punição dos pais quando a inicial da ação demonstrar que o Estado fez sua parte na política de proteção integral à criança e ao adolescente. Ressaltou que a mera notificação do Conselho Tutelar, sem investigação criteriosa do contexto social da família, não é suficiente.
Sobre as condições do ocorrido, o desembargador salientou que a mãe da menina, à época dos fatos, trabalhava na plantação e colheita de morangos e, por isso, saía de casa pela manhã, ficando a cargo dos filhos o desempenho das atividades escolares. Enfatizou que a mulher é pessoa muito simples, com baixa instrução. Ainda, lembrou que a menor afirmou ao próprio MP não estar se adaptando à escola, pois era zombada pelos colegas em razão das roupas que usava. O magistrado apontou que, mesmo com essas informações, MP e Conselho Tutelar não buscaram cumprir o seu dever, incluindo a família em na rede de proteção estatal.
Assim, negou provimento à apelação interposta pelo MP. Os desembargadores Alzir Felipe Schmitz e Ricardo Moreira Lins Pastl acompanharam o voto do relator.
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Processo : Apelação Cível 70040774499
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APELAÇÃO CÍVEL. ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. INFREQUENCIA ESCOLAR. MULTA.
Ante a ausência de comprovação de que o Estado tenha cumprido com sua política de proteção integral, soa absurdo que agora compareça perante aquela unidade familiar apenas para dar uma aparência de cumprimento formal, fazendo recair sobre a cabeça dessas pessoas os "rigores da lei", com aplicação de uma penalidade pecuniária que nenhum sentido ou eficácia possui (mesmo porque certamente jamais será paga...), e que somente contribuiria, sem dúvida (se houvesse o pagamento), para agravar ainda mais sua situação de penúria. Ademais, há prova de que a adolescente encontra-se devidamente matriculada e frequentanto escola em Município diverso.
NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ E DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL.
Porto Alegre, 12 de maio de 2011.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator.
RELATÓRIO
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)
Cuida-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra sentença que julgou improcedente representação por infração administrativa contemplada no art. 249 da Lei 8.069/90, proposta contra MARIA SIRLEI R.D..
Sustenta em suas razões que (1) a apelada incidiu nas penalidades insculpidas no art. 249, do ECA, assim como descumpriu as medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar e Ministério Público, de forma dolosa; (2) a prova dos autos ampara integralmente a representação, evidenciando a evasão escolar de Sandrine, assim como a falta injustificada da genitora em matricular a filha; (3) tanto a apelada como a filha confirmaram os fatos narrados pela Escola e pelo Conselho Tutelar; (4) a apelada refere que tem outro filho que não freqüenta a escola e não concluiu o ensino fundamental, evidenciando que não se trata de um problema específico em relação à filha Sandrine; (5) tal comportamento denota omissão da genitora e flagrante descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar; (6) o fato de trabalhar fora não é motivo para eximi-la da responsabilidade para com a menor; (7) a reforma da sentença é medida que se impõe, como forma de evitar a reiteração da conduta negligente da apelada. Pugna pelo provimento do recurso.
O prazo para oferecer contrarrazões transcorreu in albis (fl. 117).
O Ministério Público manifestou-se pelo provimento do recurso.
Vieram os autos conclusos, restando atendidas as disposições dos arts. 549, 551 e 552 do CPC, pela adoção do procedimento informatizado do sistema Themis2G.
É o relatório.
VOTOS
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)
Como já tive oportunidade de manifestar, no caso da infração prevista no art. 249 do ECA, em se tratando infreqüência escolar de adolescente, como no caso em exame, para que se admita a procedimento punitivo contra os pais, é imperioso que a inicial demonstre que o Estado fez a sua parte na política de proteção integral à criança e ao adolescente. A mera notificação expedida pelo Conselho Tutelar, sem investigação criteriosa do contexto social da família, não é suficiente para indicar que o Estado e a sociedade se desincumbiram do seu papel.
Nesse sentido, aliás, já tive ocasião de me pronunciar, em caso similar, quando do julgamento, dentre outras, da AC nº 70010087625 (7ª Ccível, j. em 22.12.2004), oportunidade em que constou da ementa:
ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA.
No caso da infração prevista no art. 249 do ECA, em se tratando infreqüência escolar de adolescente, para que se admita a procedimento punitivo contra os pais, é imperioso que a inicial demonstre que o Estado fez a sua parte na política de proteção integral à criança e ao adolescente. A mera notificação expedida pelo Conselho Tutelar, sem investigação criteriosa do contexto social da família, não é suficiente para indicar que o Estado e a sociedade se desincumbiram do seu papel.
DE OFÍCIO, EXTINGUIRAM O PROCESSO, RESTANDO PREJUDICADO O APELO.
Pelo que verifica, a apelada, genitora de Sandrine, à época exercia atividade remunerada, junto à plantação e colheita de morangos e por isso necessitava ausentar-se de casa muito cedo pela manhã, ficado a cargos dos filhos o desempenho das atividades escolares. Registra-se ainda, tratar-se de pessoa extremamente simples, com baixíssima instrução (fls. 79/82).
Ademais, Sandrine não se encontrava adaptada à Escola de Ensino Fundamental Francisco Zilli, por motivos que ela mesma referiu quando do termo de apresentação junto ao Ministério Público (fl. 19/21): (...) Narra a menor que deixou de frequentar a escola porque é 'zombada' pelos colegas, que ficam rindo dela. Que falam das 'roupas' que ela usa. Acrescenta que não faz nenhum amigo nesse Município.
Mesmo ante tais informações, não se desincumbiu o agente ministerial assim como o Conselho Tutelar do mister que lhes competia, qual seja, incluir a adolescente Sandrine e sua família na rede de proteção estatal.
Diante dessa triste realidade, soa absurdo que o Estado, que não cumpre adequadamente com seus misteres, compareça perante aquela unidade familiar apenas para dar uma aparência de cumprimento formal, fazendo recair sobre a cabeça dessas pessoas os "rigores da lei", com aplicação de uma penalidade pecuniária que nenhum sentido ou eficácia possui (mesmo porque certamente jamais será paga...), e que contribuirá, sem dúvida (se houvesse o pagamento), para agravar ainda mais sua situação de penúria.
Como bem destacou a em. magistrada Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, em caso idêntico, julgado neste Colegiado:
(...) não se pode fechar os olhos à realidade social. Exigir que pais miseráveis dêem aos filhos perspectivas que eles próprios não tiveram chega às raias do idílio. RECURSO PROVIDO." (AP. CÍVEL nº 70005265988, de Cachoeira do Sul. Oitava Câmara Cível do TJRS. ReI. Dra. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos. Julgada em 28-11-2002).
Neste mesmo sentido, tem sido o posicionamento majoritário desta Corte:
APELAÇÃO CIVEL. ECA. REPRESENTAÇÃO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. DESCUMPRIMENTO DE DEVER INERENTE AO PODER FAMILIAR. INFREQUENCIA ESCOLAR. A imposição da penalidade prevista no art. 249 do ECA exige demonstração da negligência dolosa ou culposa por parte dos genitores. Inexistindo prova efetiva do descumprimento do dever inerente ao poder familiar, deve ser julgada improcedente a representação. Possibilidade de aplicação, de ofício, de medida de proteção, a fim de orientar o adolescente e a família acerca da importância da frequência escolar. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E APLICARAM, DE OFÍCIO, MEDIDA DE PROTEÇÃO. (Apelação Cível Nº 70038319620, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 15/12/2010).
Sinalo, por fim, que sobrevieram aos autos informações oriundas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Tiradentes dando conta de que Sandrine estava matriculada e freqüentando regularmente a 6ª série, desde fevereiro de 2010 (fl. 83).
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL
Acompanho o eminente Relator, consideradas as particularidades do caso em exame.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - Presidente - Apelação Cível nº 70040774499, Comarca de Flores da Cunha: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: TANIA CRISTINA DRESCH BUTTINGER
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