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PGR - Gurgel decide pelo arquivamento das representações contra Antônio Palocci

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu pelo arquivamento das representações contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. As representações foram apresentadas pelo deputado Federal Rubens Bueno e pelos senadores Álvaro Fernandes Dias, Itamar Augusto Cautiero Franco, Demóstenes Lazaro Xavier Torres, Randolph Frederich Rodrigues Alves e Jarbas de Andrade Vasconcelos, solicitando a apuração do crime de tráfico de influência e possível prática de improbidade administrativa.

Da Redação

terça-feira, 7 de junho de 2011

Atualizado às 08:00


Casa Civil

PGR - Gurgel decide pelo arquivamento das representações contra Antônio Palocci

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu pelo arquivamento das representações contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. As representações foram apresentadas pelo deputado Federal Rubens Bueno e pelos senadores Álvaro Fernandes Dias, Itamar Augusto Cautiero Franco, Demóstenes Lazaro Xavier Torres, Randolph Frederich Rodrigues Alves e Jarbas de Andrade Vasconcelos, solicitando a apuração do crime de tráfico de influência e possível prática de improbidade administrativa.

Na manifestação, defende Gurgel que "a lei penal não tipifica como crime a incompatibilidade entre o patrimônio e a renda declarada". Ele explica que tal fato só configura crime quando a origem do dinheiro é ilícita, o que não é possível concluir a partir das informações constantes das representações e daquelas enviadas nos esclarecimentos prestados pelo representado. "As quatro representações não vieram instruídas com qualquer documento. Nenhum elemento que revelasse, ainda que superficialmente a verossimilhança dos fatos relatados", conclui.

Veja abaixo a íntegra da manifestação.

 

_______

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

Processos MPF/PGR 1.00.000.006832/2011-45, 1.00.000.006833/2011-90, 1.00.000.007013/2011-15 e 1.00.000.007016/2011-59

Representantes: Senador Álvaro Fernandes Dias

Senador Itamar Franco

Senador Demóstenes Torres

Senador Randolfo Rodrigues

Senador Jarbas de Andrade Vasconcelos

Deputado Federal Rubens Bueno

Representado: Ministro Antonio Palocci Filho

I

1. Em exame procedimentos administrativos instaurados diante de representações formuladas pelo Deputado Federal Rubens Bueno e pelos Senadores Álvaro Fernandes Dias, Itamar Augusto Cautiero Franco, Demóstenes Lazaro Xavier Torres, Randolph Frederich Rodrigues Alves e Jarbas de Andrade Vasconcelos, noticiando supostos fatos ilícitos de autoria, em tese, do Ministro-Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci Filho.

2. Relatam os representantes, tendo por base notícias publicadas pelo jornal Folha de São Paulo, edições dos dias 15 e 17 de maio último, os seguintes fatos, em síntese:

a) o representado, no período de 2006 a 2010, quando exercia o mandato de Deputado Federal, percebeu renda aproximada de R$ 974.000,00, tendo adquirido no mesmo período, em nome de sua empresa Projeto Administração de Imóveis, dois imóveis no valor total de R$ 7.574.000,00 (sete milhões, quinhentos e setenta e quatro mil reais);

b) a disparidade entre a estrutura empresarial da Projeto e a receita auferida pela empresa seria "incompatível com o que de cotidiano ocorre no mercado de prestação de serviços de consultoria" - a empresa Projeto teria o mesmo patamar de renda das maiores empresas de consultoria do país sem que tivesse estrutura empresarial para o exercício de atividades que justificassem a receita obtida, sendo que o aumento significativo de sua receita ocorreu exatamente no período em que o representado esteve à frente da campanha eleitoral da atual Presidente da República, Dilma Roussef;

c) a disparidade entre o patrimônio e a renda obtidos no período em que o representado exerceu o mandato parlamentar e a sua recusa em declinar quem seriam os seus clientes "permitem supor que tão vultosos pagamentos feitos, a título de consultoria, relacionamse intimamente à influência do ministro Palocci dentro do governo federal";

d) o COAF teria registro, como movimentação suspeita, de operação financeira de compra, pela Projeto, de imóvel de propriedade de uma empresa cujos sócios estariam sob investigação policial;

e) a Projeto teria como clientes empresas que efetuaram doações ao Partido dos Trabalhadores por ocasião das eleições de 2010;

f) a relação entre as empresas Projeto, WTorre e Engevix com o Partido dos Trabalhadores "aponta de forma mais clara para o esquema de tráfico de influência operado pelo Ministro da Casa Civil, Antônio Palocci": a WTorre, que teria contrato com a Projeto, "fechou negócios com os fundos de pensão FUNCEF (Caixa Econômica Federal) e Previ (Banco do Brasil) e coma Petrobras que somam 1,3 bilhão de reais", tendo, no mesmo período feito doações à campanha eleitoral do representado, no valor de R$ 119.000,00, e da Presidente Dilma Roussef, no valor de R$ 2.000.000,00;

g) o representado teria utilizado a estrutura governamental "para obter ganhos desproporcionais em relação à atividade econômica que exerce, acrescentando seu patrimônio sem que para isso haja outra explicação que não o tráfico de influência";

h) o representado apresentou emenda individual ao Orçamento da União, de nº 3599004, de 17 de novembro de 2008, destinando recursos à Fundação Feira do Livro de Ribeirão Preto, que teria como vicepresidente a esposa do seu irmão, Heliana da Silva Palocci.

3. Concluem os representantes afirmando que os fatos noticiados configurariam atos de improbidade administrativa definidos na Lei nº 8.429/92 e crime de tráfico de influência tipificado no art. 332 do Código Penal.

II

4. Registro, de início, que, não competindo ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar atos de improbidade administrativa atribuídos a autoridades com prerrogativa de foro, não detém o Procurador-Geral da República atribuição para a análise das representações sob tal perspectiva, incumbindo-lhe o seu exame exclusivamente no aspecto penal.

5. Assinalo também, que tramita na Procuradoria da República no Distrito Federal inquérito civil instaurado para apurar, sob a ótica da improbidade administrativa, os mesmos fatos noticiados pelos representantes.

III

6. O fato central atribuído ao representado consiste na suposta incompatibilidade entre o seu patrimônio e a renda auferida como parlamentar. Dizem os representantes que, durante o período compreendido entre 2006 e 2010, o representado teve evolução patrimonial "que não pode ser justificada pelos ganhos que auferiu com o exercício de mandato parlamentar como Deputado Federal".

7. A evolução patrimonial apontada como suspeita estaria consubstanciada na aquisição de dois imóveis na cidade de São Paulo, no valor total de R$ 7.482.000,00 (sete milhões, quatrocentos e oitenta e dois mil reais), pela empresa Projeto Consultoria Financeira e Econômica Ltda.1, da qual o representado era sócio majoritário.

8. Partindo da consideração de que o representado2 não teria renda para a aquisição dos imóveis, concluem os representantes que a receita auferida pela empresa Projeto e a consequente aquisição dos imóveis, seriam fruto de atividade ilícita do representado, que teria usado da função para promover interesses de clientes de sua empresa perante a administração pública.

9. Para justificar a conclusão, dizem os representantes que a Projeto Consultoria Financeira e Econômica Ltda., que seria uma empresa de pequeno porte, obteve no ano de 2010 receita equivalente à das grandes empresas de consultoria do país, o que por si só constitui indício de que o representado valeu-se da função pública para intermediar interesses de terceiros perante a administração pública, conduta que configuraria o crime de tráfico de influência.

10. Os fatos, entretanto, tais como descritos nas representações, não configuram infração penal.

11. Com todas as vênias devidas, ao contrário do que asseveram os representantes, a lei penal não tipifica como crime a incompatibilidade entre o patrimônio e a renda declarada. Trata-se de fato que, em tese, poderá configurar ato de improbidade administrativa, definido no art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92 (adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução patrimonial ou à renda do agente público).

12. Em nosso ordenamento jurídico, a existência de patrimônio incompatível com a renda somente adquire relevância penal quando tenha origem ilícita, porque havido pela prática de crime, contra a administração pública - peculato, corrupção, concussão - ou de outra natureza - tráfico de drogas, crime contra o sistema financeiro, estelionato -, revelando o acréscimo patrimonial a ação de inserir no mercado formal recursos oriundos da conduta delituosa - lavagem de dinheiro.

13. No presente caso, examinadas as representações, com toda a atenção que a alta qualificação dos seus autores e a gravidade do seu conteúdo impõem, e as matérias jornalísticas bem como as informações e os esclarecimentos prestados pelo representado, acompanhados de documentos, não é possível concluir pela presença de indício idôneo de que a renda havida pelo representado como parlamentar, ou por intermédio da Projeto, adveio da prática de delitos nem que tenha usado do mandato de Deputado Federal para beneficiar eventuais clientes de sua empresa perante a administração pública.

14. As quatro representações não vieram instruídas com qualquer documento. Nenhum elemento que revelasse, ainda, que superficialmente, a verossimilhança dos fatos relatados.

15. Os representantes transcreveram a íntegra de duas matérias veiculadas pela Folha de São Paulo, que não contêm, entretanto, a indicação de um fato específico, identificável no tempo e no espaço, de onde se possa extrair elementos da eventual prática de uma infração penal.

16. A mera afirmação, articulada de forma genérica e desacompanhada de qualquer elemento indiciário, de que o representado adquiriu bens em valor superior à renda que auferiu como parlamentar, não enseja evidentemente a instauração de inquérito. A uma, porque, como visto acima, o fato isoladamente considerado não constitui crime - o que seria suficiente para impedir a realização de atos investigatórios -, e, a duas, também porque não permite a especificação de eventuais diligências que pudessem ser requeridas ao órgão judicial.

17. A investigação de fatos que envolvem transações imobiliárias e receitas ilícitas não prescinde da realização de diligências que naturalmente constrangem a privacidade do investigado e de terceiros com quem tenha mantido relações financeiras, tais como quebras de sigilo bancário e fiscal.

18. É claro que a garantia constitucional da privacidade não constitui direito absoluto. Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal:

"(...)

2. O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto,, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade." (AI 655298, Rel.: Min. EROS GRAU, DJ de 27.9.2007)

"(...)

VI. - O entendimento desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de não possuir caráter absoluto a garantia dos sigilos bancário e fiscal, sendo facultado ao juiz decidir acerca da conveniência da sua quebra em caso de interesse público relevante e suspeita razoável de infração penal. Precedentes." (AI 541265, Rel.: Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 4.11.2005)

19. No entanto, o deferimento de diligências dessa natureza somente legitima-se diante da existência de indícios concretos da prática de crime que autorize a sua realização, de modo a impedir que a quebra de sigilo seja usada como instrumento de devassa indiscriminada na esfera de intimidade do cidadão:

"(...)

- A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa - quando ausente a hipótese configuradora de causa provável - revela-se incompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. Não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado - não obstante a ausência de quaisquer indícios concretos - o poder de vasculhar registros sigilosos alheios, em ordem a viabilizar, mediante a ilícita utilização do procedimento de devassa indiscriminada (que nem mesmo o Judiciário pode ordenar), o acesso a dado supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório, em função dos elementos informativos que viessem a ser eventualmente descobertos. (....)" (MS nº 23851/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 21.6.2002)

20. As representações ora em análise e as matérias jornalísticas a que se referem não contêm, reitere-se, a descrição de um único fato que constitua causa idônea e hábil a autorizar o requerimento de quebra de sigilo do representado, de sua empresa e de eventuais clientes.

21. Quando de sua indicação para o cargo de Ministro- Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o representado informou à Comissão de Ética da Presidência da República a sua situação patrimonial, com a relação detalhada de todos os seus bens, as rendas que auferiu nos últimos doze meses e as atividades que exerceu no mesmo período, mencionando inclusive a participação societária na Projeto.

22. Especificamente quanto à empresa Projeto, os documentos que instruem as manifestações do representado são suficientes para um juízo seguro sobre a improcedência, tal como articuladas, das acusações formuladas pelos representantes de práticas criminosas decorrentes da sua atuação como sócio administrador da empresa. Não há sequer indício da prática do crime de sonegação fiscal3.

23. A empresa foi constituída em julho de 2006 com a denominação Projeto - Consultoria, Planejamento e Eventos Ltda., figurando o representado como o seu administrador. O objeto social era a prestação dos seguintes serviços: a) consultoria empresarial e planejamento estratégico de negócios; b) planejamento e elaboração de orçamentos financeiros; c) planejamento, organização e realização de eventos, palestras e seminários. Até dezembro de 2010, quando foi extinta, foram feitas 5 (cinco) alterações contratuais.

24. A primeira, em novembro de 2006, para modificar a denominação social da empresa, que passou a ser Projeto - Consultoria Financeira e Econômica Ltda. e o objeto social: consultoria empresarial e planejamento estratégico de negócios, consultoria financeira e econômica e planejamento, organização e realização de palestras e seminários. Nessa mesma alteração foi admitido o sócio Lucas Martins Novaes e retirou-se Margareth Rose Silva Palocci.

25. A segunda, em outubro de 2007, alterou o endereço e o objeto social da empresa, que passou a ser: a) consultoria empresarial e planejamento estratégico de negócios; b) consultoria financeira e econômica e, c) planejamento, organização e realização de palestras e seminários.

26. A terceira, em outubro de 2009, alterou o endereço da empresa e aumentou o capital social.

27. A quarta, em junho de 2010, aprovou as contas do administrador, aumentou o capital social e registrou a renúncia do sócio Antonio Palocci ao cargo de administrador da sociedade, que passou a ser gerida pelo sócio Celso dos Santos Fonseca.

28. Por último, a quinta, em dezembro de 2010, extinguiu a Projeto - Consultoria Financeira e Econômica Ltda. e criou a Projeto - Administração de Imóveis Ltda.

29. A Constituição Federal, em seu art. 54, inciso II, "a", proíbe aos Deputados e Senadores, desde a posse, "ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada".

30. Segundo o que consta dos documentos apresentados pelo representado, especificamente as Declarações de Informações Econômico Fiscais, a empresa Projeto, da qual o representado foi sócio administrador desde a sua constituição, em julho de 2006, até a 4ª alteração contratual, em junho de 2010, não celebrou contrato com pessoa jurídica de direito público nem gozou de favores decorrentes de contratos dessa natureza, o que afasta eventual suspeita de que o representado agiu ilicitamente ao manter-se na administração da Projeto durante o período em que exerceu o mandato parlamentar.

31. Tem-se nos autos dos procedimentos administrativos as informações fiscais relativas ao imposto de renda da Projeto desde a sua constituição, em 2006, até a sua extinção, em dezembro de 2010, com a identificação das receitas obtidas em cada ano, os valores pagos por cada cliente e a comprovação dos impostos pagos.

32. Como afirmado pelo representado, inclusive aos diversos meios de comunicação, no mês de dezembro de 2010, a Projeto - Consultoria Financeira e Econômica Ltda. encerrou as suas atividades e extinguiu os contratos em curso, recebendo naquele mês, por força da extinção dos contratos, receita anômala, em valor significativamente superior à receita obtida nos meses anteriores, do que decorreu o pagamento, a título de imposto de renda e demais impostos e contribuições devidos, de valor bem superior ao que havia sido pago pela empresa nos meses anteriores. Registro que os valores declarados aproximam-se dos que foram afirmados pelos representantes como sendo a renda auferida pela empresa Projeto no ano de 2010.

33. Instruem também as manifestações do representado declarações do COAF e da Polícia Federal, o primeiro atestando que não enviou à Polícia Federal registro de operação financeira suspeita relacionada ao representado ou à Projeto, e a segunda esclarecendo que não solicitou ao COAF informação sobre a empresa Projeto ou sobre o Ministro Antonio Palocci e que não tem inquérito ou investigação criminal instaurada sobre a empresa Projeto ou sobre o Ministro Antonio Palocci.

34. Não há igualmente indício idôneo da prática do crime de tráfico de influência, que, segundo os representantes, decorreria necessariamente do fato de clientes da empresa Projeto terem celebrado contratos com entidades que integram a administração indireta e fundos de pensão.

35. A circunstância isolada, dissociada de outros elementos indicativos de eventual ação ilícita do representado, de clientes da empresa Projeto terem celebrado contratos com a Petrobras ou com fundos de pensão - como afirmado pelos representantes - , não constitui indício suficiente de que esses contratos foram celebrados com a intervenção do representado.

36. Ressalte-se que, salvo em relação à empresa WTorre, não há nas representações a indicação de um único contrato celebrado pelos clientes da Projeto com órgãos da administração direta e indireta, de que se pudesse inferir uma eventual intervenção ilícita do representado.

37. Quanto à empresa WTorre, os representantes apontam como fato específico, que revelaria a existência do crime de tráfico de influência, a suposta relação entre as empresas Projeto, WTorre, Engevix e o Partido dos Trabalhadores.

38. Pelo que se extrai do relato, a WTorre seria cliente da Projeto e, nos anos de 2009 e 2010, realizou negócios envolvendo vultosos valores com a FUNCEF, a Previ e a Petrobras, consistente na aquisição de imóveis - Complexo WTorre Nações Unidas e Centro Empresarial Senado - e na construção de um dique seco no estaleiro Rio Grande no litoral do Rio Grande do Sul. Há referência também ao repasse da WTorre à Engevix de centenas de milhões de reais em ações do estaleiro Rio Grande.

39. Em decorrência desses negócios, que, de acordo com os representantes, teriam sido intermediados pelo representado e que seria "o elo final dessa engenhosa cadeia de transferência financeira", a WTorre teria feito doações da ordem de 3,4 milhões de reais ao Partido dos Trabalhadores.

40. O relato, entretanto, além de não demonstrar em que medida os negócios da WTorre com os fundos de pensão e a Petrobras teriam relação com o repasse de ações da WTorre à Engevix e qual a relação dessas transações comerciais e societárias com as doações eleitorais da WTorre ao Partido dos Trabalhadores, não traz um único fato idôneo no sentido de que os contratos e negócios da WTorre foram intermediados pelo representado, nem que as doações eleitorais representaram uma espécie de pagamento ou de compensação por eventual patrocínio do representado aos interesses da WTorre. Nada, absolutamente nada, há nesse sentido.

41. Aliás, como pode ser facilmente verificado no sítio do Tribunal Superior Eleitoral, as doações eleitorais da WTorre foram declaradas à Justiça Eleitoral e beneficiaram não somente o Partido dos Trabalhadores mas também o PT do B, o PMDB e o PSDB.

42. Em suma, as conjecturas feitas pelos representantes, embora importantes, não encontram apoio em um único fato.

43. Além da ausência de indício idôneo da existência da afirmada ação do representado perante os órgãos públicos para beneficiar os clientes da Projeto, tem-se que os fatos, do modo como descritos nas representações, não se enquadram, sequer em tese, no crime de tráfico de influência.

44. Analisando o tipo em causa, afirma Rui Stoco o seguinte:

"Pune a lei a obtenção da vantagem em troca de ilusória intervenção do delinquente junto a funcionário, para conseguir o objetivo de quem a dá. Atua o sujeito ativo como corretor da pseudo corrupção. De um lado, ele frauda o adquirente, de outro desprestigia a Administração o inculcado "vendedor" do ato ou providência. Há destarte comportamento fraudulento. Em regra, existirá, como no estelionato, uso de ardis ou artifícios, mas sendo suficiente a simples mentira, a afirmação do sujeito ativo. (...)

O elemento material do crime, na modalidade do caput do art. 332, consiste em fazer supor ou persuadir, ou não desmentir a suposição de que goza, junto ao funcionário, de prestígio (decorrente de amizade, parentesco, camaradagem política etc) capaz de influenciá-la no sentido dos desejos do interessado, ou, na modalidade do parágrafo único, em fazer crer na venalidade do funcionário e, em consequência, seja num, seja noutro caso, obter a vantagem ou promessa de vantagem."4

45. No mesmo sentido, Júlio Fabrini Mirabete: "As condutas típicas são: solicitar, ou seja, pedir, procurar, buscar; exigir, que significa mandar, reclamar, impor; cobrar, que é pedir pagamento; e obter, receber, conseguir, adquirir vantagem ou promessa de vantagem, sob o pretexto de influência junto a funcionário público. Há a fraude contra o comprador de influência, que pode ocorrer mediante uso de artifício, ardil ou qualquer outro meio influente, inclusive a simples mentira. É preciso, para a configuração do crime, que o agente alardeie prestígio, atribuindo-se influência sobre o funcionário público.
É a venditio fumi dos romanos, ou seja, a "venda da fumaça" que ilude
o "comprador"."5.

46. O tipo compõe-se, portanto, dos seguintes elementos: a) a ação de solicitar, exigir, cobrar e obter vantagem indevida; b) a promessa de influir sobre funcionário público; c) a fraude contra a pessoa que promete ou paga a vantagem indevida.

47. Esses elementos não se fazem presentes no caso. Não há indicação de que o representado teria solicitado, exigido, cobrado ou obtido vantagem indevida valendo-se de algum artifício, ardil ou mentira para fazer crer, aos clientes da sua empresa, que teria influência com servidores públicos para obter os negócios ou contratos que pretendiam. A mera afirmação genérica de que a Projeto não teria estrutura empresarial para a receita que auferiu no ano de 2010 não é suficiente para justificar a conclusão de que a receita foi havida por meio de atos ilícitos do representado, consistentes em "solicitar, exigir, cobrar ou obter" vantagens para os clientes da empresa.

48. Por último, a questão da emenda parlamentar nº 3599004, de 17 de novembro de 2008, de autoria do representado, que dirigiu recursos da União à Fundação Feira do Livro de Ribeirão Preto.

49. Os representantes invocam a vedação contida no art. 36, § 3º, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 11.768/2008) - que proíbe a destinação de recursos a entidade privada que tenha como dirigente parente em linha reta, por afinidade, até o segundo grau, do agente político de Poder - para afirmar que o fato tipifica o crime de prevaricação.

50. O delito de prevaricação tem como elemento constitutivo a ação do agente de "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressade lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".

51. A questão que se põe é saber se a circunstância de a cunhada do representado, parente por afinidade, ser vice-presidente da Fundação Feira do Livro de Ribeirão Preto configuraria o especial fim de agir que integra o tipo da prevaricação.

52. Entendo que não. O fato de a cunhada do representado ser dirigente da Fundação, quando muito, poderia ensejar investigação, em sede própria, por ato de improbidade. O dolo específico somente estaria configurado se presente alguma situação que revelasse que a destinação dos recursos à Fundação Feira do Livro foi movida pelo interesse do representado de beneficiar-se ou de beneficiar a um terceiro, que, no caso, não pode ser a própria Fundação.

53. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que, "para a configuração do crime de prevaricação é necessário que fique demonstrado que o agente agiu por interesse ou sentimento pessoal". A prática do ato em descumprimento à lei, por si só, não tipifica a prevaricação.

54. Ademais, não há indicação - e sequer foi ventilado pelos representantes - , de que os recursos destinados à Fundação Feira do Livro de Ribeirão Preto foram aplicados em finalidade diversa da prevista ou que houve desvio dos recursos, o que afasta a ocorrência de outros crimes contra a administração pública.

IV

55. Portanto, com a mesma firmeza com que sustentei oralmente, no plenário do Supremo Tribunal Federal, a acusação contra o representado na PET 3.898, entendo que os elementos trazidos pelas representações dos eminentes parlamentares e mesmo pelas matérias jornalísticas são absolutamente insuficientes para um juízo de reprovação no campo penal, ainda que em momento de prelibação.

56. A enorme repercussão do caso, que tem estado nas primeiras páginas dos grandes jornais há semanas, em razão da notória importância do representado no cenário político nacional, talvez recomendasse, como caminho mais simpático para o Ministério Público que, a despeito da insuficiência absoluta de indícios, promovesse a continuidade da investigação, porque "procurando, vai achar", porque "certamente há algo de errado" e outras trivialidades.

57. A Constituição e as graves responsabilidades da instituição e do seu cargo não autorizam, porém, o Procurador-Geral da República a ceder a tais bordões. Como destaquei em meu discurso de posse, reiterando compromisso assumido perante o Senado, o Ministério Público, a despeito de não se afastar do exato cumprimento do dever de apurar desmandos e desvios na conduta dos agentes públicos, não se prestará a servir de instrumento do enfraquecimento institucional de qualquer dos poderes, por todos os motivos indesejável para a democracia e, por isso mesmo, contrário aos mais altos interesses da sociedade brasileira.

58. A instauração de inquérito tem por pressuposto a existência de indícios da ocorrência de um crime. Cuida-se de exigência decorrente do próprio conceito de investigação criminal e da finalidade a que se propõe o inquérito.

59. Bruno Calabrich, em estudo sobre o tema, definiu investigação criminal como a "sequência de atos preliminares direta ou indiretamente voltados à produção e à colheita de elementos de convicção e de outras informações relevantes acerca da materialidade e autoria de um fato criminoso"6.

60. Em tese, a atividade persecutória do Estado somente justifica-se diante da notícia de um fato penalmente relevante. A investigação tem por objetivo exatamente o conhecimento desse fato para efeito de comprovar a sua materialidade e colher indícios de autoria.

61. Não existindo indícios de que o fato noticiado configure infração penal, é dever Ministério Público recusar a instauração do procedimento investigatório ou arquivar o procedimento já instaurado, fazendo-o fundamentadamente.

62. Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete, "o inquérito não deve ser instaurado, entretanto, na hipótese já mencionada do fato atípico, (...) e quando não forem fornecidos os elementos indispensáveis para se proceder às investigações"7.

63. É também o que afirma Romeu Pires de Campos Barros: "Sem o conhecimento de indícios de um fato criminoso não se inicia o processo. Indispensável é pelo menos ter a "suspeita" da existência do fato, este representa o pressuposto material do início duma investigação, ou seja, o mínimo exigido à materialidade do objeto eventual do processo"8.

64. Justifica-se, nesses casos, a recusa na instauração do procedimento investigatório ou o arquivamento do que foi instaurado na convicção de que o inquérito, sem que exista crime, em tese, a ser apurado, constitui violação ao estado de dignidade do investigado, causando-lhe graves lesões em seu patrimônio moral.

65. Não é por outra razão que a Lei nº 11.719/2008, ao alterar a redação do art. 395 do Código de Processo Penal, fez incluir a falta de justa causa para o exercício da ação penal entre as causas de rejeição liminar da denúncia ou da queixa, erigindo-a ao patamar de uma quarta condição ao exercício do direito de ação, ao lado da legitimidade, do interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido.

66. Afirma Eugênio Pacelli que "o Código de Processo Penal permite à autoridade policial a recusa de instauração de inquérito quando o requerimento do ofendido ou seu representante não apresentar conjunto indiciário mínimo à abertura das investigações, ou quando o fato não ostentar contorno de criminalidade, isto é, faltar a ele quaisquer dos elementos constitutivos do crime"9. Por óbvio, esse entendimento também aplica-se ao Ministério Público naqueles casos em que, tratando-se de autoridade com prerrogativa de foro, a investigação é instaurada por sua iniciativa exclusiva.

67. Por isto, continua Pacelli, "não se pode perder de vista que o primeiro cuidado do órgão a que se destina a notitia criminis é verificar se o fato atribuído a alguém está descrito como crime em alguma norma do direito legislado, ou seja, se existe um modelo legal para tal conduta. Assim, a tipicidade da conduta é a primeira preocupação para movimentação de qualquer dos órgãos persecutórios. (...) se o fato narrado como notitia criminis não é típico, não existe aquela relevância que justifique a atuação do órgão persecutório."10.

68. Referindo-se à doutrina de Jiménez de Asúa sobre o valor jurídico da tipicidade penal, ensina Frederico Marques que "a ausência de fato típico torna inadmissível a persecução penal contra o autor de uma conduta que possa ser tida como ilícita ou antijurídica. Notitia criminis é notícia da ocorrência de acontecimento enquadrável numa das figuras típicas com que a lei define e estrutura as infrações penais. (...) Vê-se, pois, que o problema da adequação típica é de grande relevância no processo penal. O enquadramento de um fato ou acontecimento na descrição legal de norma incriminadora está presente em todos os momentos da persecutio criminis, justificando e graduando a potestas coercendi e a potestas cognoscendi dos diversos órgãos do procedimento penal."11.

69. E adverte o renomado processualista: "A suspeita de crime, ou opinio delicti, base e fundamento da acusação, consiste sobretudo na possibilidade de existência de crime decorrente da prática presumível de fato típico.12"

70. O Supremo Tribunal Federal, muito embora restrinja as hipóteses de admissibilidade do habeas corpus impetrado com o objetivo de trancar o inquérito policial ou a ação penal, tem afirmado, sem divergência de relevo, a impossibilidade de instauração do inquérito ou o ajuizamento de ação penal em "situações que se reportem a conduta não-constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou ainda, se inocorrentes indícios mínimos da autoria"13.

71. E assim tem feito partindo da premissa de que o fato criminoso é o fundamento de toda e qualquer investigação criminal, não admitindo a ordem jurídica investigações que tenham por objeto fatos que não encontrem correspondência em algum tipo penal.

72. A Constituição Federal, ao erigir a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro, vedou a adoção pelo Estado de qualquer medida que direta ou indiretamente viole o status dignitatis do indivíduo. Inclui-se nessa vedação a instauração de inquéritos ou o ajuizamento de ações penais sem que se tenha a necessária justa causa.

73. Nas palavras sempre precisas do Ministro Celso de Mello, "a imputação penal - que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador - deve apoiar-se em base empírica idônea, que justifique a instauração da "persecutio criminis"14.

74. Por isto, "a mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicidade da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade humana"15.

75. O conceito de justa causa encerra noção que engloba, além da existência de suporte probatório mínimo apto a justificar a demanda penal, a tipicidade do fato, que deve corresponder a um tipo legalmente definido.

76. Em suma, a despeito da possibilidade de investigar-se condutas ilícitas a partir de representações, é imprescindível que a notícia aponte a existência de elementos, ainda que mínimos, da prática de algum crime.

77. Na ausência desses elementos e na impossibilidade de extrair-se da representação dados capazes de ensejar a realização de atos investigatórios para a apuração do fato, a instauração de inquérito representa inegável afronta aos princípios que norteiam a atividade persecutória do Estado, por absoluta ausência de justa causa.

78. Ressalto, mais uma vez, que o Ministério Público Federal, tendo presentes os mesmos fatos que motivaram as representações ora analisadas, instaurou inquérito civil para apurar eventuais atos de improbidade de autoria do representado.

V

79. Ante o exposto, determino o arquivamento dos procedimentos administrativos em causa, ressalvado o que dispõe o art. 18 do Código de Processo Penal.

Brasília, 6 de junho de 2011

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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1 Extinta em dezembro de 2010.

2 Constatação feita com base exclusivamente na matéria veiculada pela Folha de São Paulo no dia 15 de maio de 2011.

3 De qualquer modo, diante da certidão negativa emitida pela Receita Federal, é irrelevante, neste momento, a indagação sobre a existência de sonegação fiscal pois, a teor da Súmula Vinculante nº 24, do Supremo Tribunal Federal, "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".

4 Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Revista dos Tribunais, Volume 2, Parte Especial, 7ª edição, pág. 4016/4017).

5 Código Penal Interpretado, Jurídica Atlas, 7ª edição, pág. 1905.

6 Investigação Criminal pelo Ministério Público, fundamentos e limites constitucionais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 54

7 Processo Penal, Editora Jurídico Atlas, 2000, 1ª edição, pág. 84.

8 Sistema do Processo Penal Brasileiro, Editora Forense, Vol. I, pág. 248/249

9 Curso de Processo Penal, Lumen Juris Editora, 2010, 13ª edição, pág. 62.

10 Romeu Pires de Campos Barros, ob. cit. pág. 253.

11 Elementos de Direito Penal, Editora Bookseller, Vol. I, 1997, pág. 130.

12 José Frederico Marques, ob. cit., pág. 130.

13 HC nº 87310/SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 17.11.2006.

14 Inq. 1978/PR, Pleno, DJ de 17.8.2007.

15 HC nº 82969/PR, Segunda Turma, DJ de 17.10.2003.

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