TJ/RJ condena Flamengo e Nestlé a pagar indenização por promoção mal organizada
O Clube de Regatas do Flamengo e a Nestlé Brasil terão que pagar R$ 1 mil de indenização por dano moral a E.P.. Ele conta que comprou oito latas de Neston para participar de uma promoção na qual se trocava embalagens do produto por ingressos para uma partida de futebol.
Da Redação
terça-feira, 26 de abril de 2011
Atualizado às 08:48
Danos morais
TJ/RJ - Flamengo e Nestlé são condenados a pagar indenização por promoção mal organizada
O Clube de Regatas do Flamengo e a Nestlé Brasil terão que pagar R$ 1 mil de indenização por dano moral a E.P.. Ele conta que comprou oito latas de Neston para participar de uma promoção na qual se trocava embalagens do produto por ingressos para uma partida de futebol.
O problema é que, ao chegar ao local de troca dos bilhetes, o tumulto era tão grande que, apesar de ter ficado horas na fila, o autor da ação não conseguiu pegar seu ingresso para o jogo do Flamento X Atlético-PR. A decisão é do desembargador Custódio Tostes, da 1ª câmara Cível do TJ/RJ.
Para o desembargador que negou seguimento aos recursos, mantendo a sentença da primeira instância, "é indubitável que a promoção veiculada na imprensa levou vários torcedores aos locais de troca, ocorrendo tumultos, não sendo proporcionado aos consumidores condições dignas para usufruir da oferta".
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Processo : 0011486-87.2008.8.19.0004
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Cível nº 0011486-87.2008.8.19.0004
4ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo
Apelante 1: E.G.P.
Apelante 2: CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO
Apelado 1: OS MESMOS
Apelado 2: NESTLÉ BRASIL LTDA
Relator: DES. CUSTODIO TOSTES
DECISÃO MONOCRÁTICA
CONSUMIDOR. PROPAGANDA QUE VINCULA A TROCA DE EMBALAGENS DE PRODUTOS NESTON POR INGRESSO PARA UMA PARTIDA DE FUTEBOL. PROMOÇÃO VEICULADA NA IMPRENSA. PRESENÇA DE GRANDE QUANTIDADE DE TORCEDORES NOS LOCAIS DE TROCA, OCORRENDO TUMULTO. AUTOR QUE TROUXE A SUA FOTO ESTAMPADA EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DO ILÍCITO, NEXO CAUSAL E DO DANO. DANO MORAL. APLICAÇÃO DA LÓGICA DO RAZOÁVEL. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.
RELATÓRIO
A hipótese dos autos versa sobre pedido de indenização por danos morais, formulado pelo autor, em virtude do fato do serviço.
A sentença julgou procedente em parte o pedido, condenando os réus, de forma solidária, a pagar indenização por danos morais, fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), além das custas e honorários advocatícios de 10 % (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Apelou autor, sustentando, em síntese, que o valor fixado a título de danos morais foi fixado aquém do razoável, devendo ser majorado.
O primeiro réu apelou, alegando a inexistência de nexo causal entre os supostos prejuízos e a referida intervenção do apelado.
O autor e o primeiro réu apresentaram as contrarrazões, contrariando os termos dos recursos.
É o relatório.
Passo a decidir, na forma do art. 557 do CPC.
A pretensão deduzida em Juízo decorre da propaganda que vinculou a troca de embalagens de produtos Neston por ingresso para uma partida de futebol. O autor, em sua inicial, afirmou que, em virtude da promoção comprou 08 (oito) latas do produto Neston, para assistir ao jogo do Flamento X Atlético-PR, não conseguindo obter o ingresso, apesar de ter ficado horas na fila.
Não há dúvida de que a presente matéria versa sobre relação de consumo, porém, deve ser dado realce a alguns pontos nodais pertinentes ao tema.
O legislador, ao cria a lei consumeirista, teve como escopo fomentar as relações de consumo, que até então se submetiam a normas que não acompanhavam adequadamente os princípios imanentes da Constituição Federal de 1988.
Diante de tal evolução, criou-se a possibilidade da inversão do ônus da prova, em virtude da averiguação do preenchimento dos requisitos legais e a critério do juiz, além da responsabilidade objetiva.
Tratando-se de relação de consumo, não é necessário demonstrar a culpa para assegurar o direito do consumidor à indenização, contudo, em decorrência de eventual vício ou fato do serviço, outros requisitos deverão ser analisados.
Neste diapasão, mesmo se por ventura haja a inversão do ônus da prova, o consumidor, para ter êxito em sua pretensão, deverá demonstrar a existência do fato e que deste decorreu o dano alegado, ou seja, o nexo causal, sendo este o ensinamento que Apelação Cível nº 0011486-87.2008.8.19.0004 prospera na melhor doutrina, como se observa no Manual de Direito do Consumidor, de autoria de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Leonardo Roscoe Bessa, Ed. Revistas dos Tribunais, pág. 123, in verbis:
"A alteração da sistemática da responsabilização, retirando-se o requisito de prova da culpa, não implica dizer que a vítima nada tenha de provar. Ao contrário, cabe-lhe comprovar o dano e o nexo de causalidade entre este e o produto ou serviço. Lembre-se, contudo, que em relação a estes elementos o juiz pode inverter o ônus da prova quando 'for verossímil a alegação' ou quando o consumidor for 'hipossuficiente', sempre de acordo com 'as regras ordinárias de experiência' ( art. 6º, VIII). Recorde-se, por último, que o consumidor não necessita provar o defeito (art. 12, § 3º, II)."
Na hipótese, observa-se que o autor afirmou que dormiu na fila do Maracanã com o fim de participar da promoção, juntando, inclusive, jornal de grande circulação, com a sua foto estampada (fls. 16).
Por sua vez, o réu, em sua contestação, limitou-se a alegar a ausência de responsabilidade pelo evento, deixando de repudiar a prova autoral, o que leva a presunção da veracidade do ilícito afirmado.
É indubitável que a promoção veiculada na imprensa levou vários torcedores aos locais de troca, ocorrendo tumultos, não sendo proporcionado aos consumidores condições dignas para usufruir da oferta.
Da leitura das razões recursais, observa-se que o segundo apelante alicerça as suas razões de modo comparativo, afirmando a normalidade da situação adversa pela qual passaram os consumidores, na tentativa de ser furtar ao dever de indenizar.
Não é crível que o réu, diante da sua condição de empreendedor, se contente em realizar promoções, expondo os torcedores de futebol à situação constrangedora, conforme se verifica nos jornais que circularam à época.
O fato da existência de outros eventos pretéritos com as mesmas características de desorganização, não legitima a desordem, pois estamos em um estado de direito, em um país democrático, devendo todos somar esforços na busca da melhoria das relações humanas.
Portanto, veiculada a oferta através dos meios de comunicação, influenciou o réu na vontade dos torcedores, conduzindo-os aos locais de troca, não podendo de eximir da responsabilidade pela desorganização do evento.
O nosso Tribunal vem cuidando do tema, como se observa na ementa abaixo transcrita:
EMPRESA COMERCIAL AQUISICAO GRATUITA DE INGRESSOS DE JOGOS DE FUTEBOL PROMOÇÃO FRUSTRACAO DE EXPECTATIVA VIOLACAO DO PRINCIPIO DA BOA FE OBJETIVA INDENIZACAO POR DANOS MORAIS RELAÇÃO DE CONSUMO. OFERTA. VINCULAÇÃO. DANO MORAL.1-O ordenamento positivo ressalta a importância do princípio da boa fé na relação de consumo e considera a informação publicitária, na medida em que exerce influência diretora na vontade do consumidor em celebrá-lo, como parte integrante do negócio jurídico e, como conseqüência, impõe ao fornecedor a responsabilidade pela sua oferta.2-Nesse âmbito, ao organizar e divulgar promoção para aquisição gratuita de ingressos de jogos de futebol, o fornecedor cria situação que exerce influência diretora na conduta de boa fé do consumidor e obriga-se à sua oferta, respondendo pelos danos experimentados em razão da expectativa frustrada. 0018015-38.2007.8.19.0205 (2009.001.25906)- APELACAO - 1ª Ementa DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA - Julgamento: 09/06/2009 - QUINTA CAMARA CIVEL
Quanto aos danos morais, incorporou-se este ao sistema jurídico, com o propósito de amenizar a dor e sofrimento daquele que, em virtude de um ato ilícito, passou por um dissabor que extrapolou a normalidade cotidiana.
O Prof. Sérgio Cavalieri ensina que o fato gerador do dano moral está contido no próprio fato, bastando a sua comprovação, para que se consolide o dever de indenizar, como se observa na transcrição abaixo, do trecho do Livro Programa de Responsabilidade Civil, 4ª Ed. Editora Malheiros, pág. 102:
"... o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou Apelação Cível nº 0011486-87.2008.8.19.0004 facti, que decorre das regras de experiência comum..."
Na mesma Obra, pág. 108, o Prof. Sérgio Cavalieri afirma que o valor a ser fixado para indenização deverá estar em consonância com o princípio da lógica do razoável, como se verifica in verbis:
"... o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstancias mais que se fizerem presentes...".
Não há dúvida de que o princípio em comento busca um critério de equilíbrio entre as condições das partes, com o escopo de satisfazer a pretensão da vítima, evitando o enriquecimento sem causa.
Assim, tendo em vista que ficou demonstrado o ilícito, o nexo causal e o dano, cabe afirmar que o valor arbitrado a título de danos morais atendeu a lógica do razoável, não merecendo reparo a sentença.
Pelo exposto, NEGO SEGUIMENTO LIMINARMENTE AOS RECURSOS.
Rio de Janeiro, 7 de abril de 2011.
CUSTODIO DE BARROS TOSTES
Desembargador Relator