Concessionária terá que indenizar viúva do cantor Claudinho, da dupla Claudinho e Buchecha
O juiz Daniel Toscano, da 6ª vara Cível de São José dos Campos/SP, condenou a concessionária da rodovia Presidente Dutra S/A - NovaDutra S/A - a pagar indenização à ex-companheira de Cláudio Rodrigues de Mattos, cantor popularmente conhecido como Claudinho, da dupla Claudinho e Buchecha.
Da Redação
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Atualizado em 20 de abril de 2011 11:21
Indenização
Justiça paulista condena concessionária a indenizar viúva do cantor Claudinho, da dupla Claudinho e Buchecha
O juiz Daniel Toscano, da 6ª vara Cível de São José dos Campos/SP, condenou a concessionária da rodovia Presidente Dutra S/A - NovaDutra S/A - a pagar indenização à ex-companheira de Cláudio Rodrigues de Mattos, cantor popularmente conhecido como Claudinho, da dupla Claudinho e Buchecha.
O cantor faleceu vítima de um acidente de trânsito na rodovia, em 13/7/02. A esposa Vanessa entrou com ação contra a concessionária alegando que o acidente aconteceu em virtude de irregularidades na rodovia (existência de mureta no acostamento e de uma árvore a apenas dois metros do referido obstáculo, sem qualquer tipo de proteção) e que a morte prematura do companheiro trouxe a ela danos materiais e morais.
Vanessa requereu como dano material o ressarcimento do valor do conserto do veículo e o pagamento de pensão. No âmbito moral, pleiteou a compensação pecuniária, alegando ser inegável o abalo psíquico causado pela morte do companheiro, pai de sua filha.
A concessionária apresentou defesa alegando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo, que dirigia em alta velocidade, dormiu ao volante e fez uso inadequado do acostamento.
O juiz Daniel Toscano entendeu que, pelos danos decorrentes da simples perda da direção, é responsável o condutor. Mas, pelos danos provenientes da ausência de proteção à árvore na pista, da destruição total do automóvel e do óbito do companheiro da autora, responde unicamente a empresa. "Se somos obrigados a pagar pedágios semelhantes aos cobrados em países desenvolvidos, que sejamos contemplados, em contrapartida, com rodovias de países desenvolvidos. Consignando ainda que a ré administra a rodovia há mais de uma década, tendo tempo suficiente para erigir as obras protetivas", afirmou.
O magistrado deu parcial provimento ao pedido, condenando a concessionária ao pagamento de R$ 13.460,39 pelos danos causados ao veículo; pensão mensal de R$ 2.051,23 até a autora completar setenta anos, sendo que o pagamento deverá ser feito mediante inclusão da autora na folha de pagamento da concessionária; e R$ 500 mil pelo dano moral sofrido.
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Processo : 0219339-74.2003.8.26.0577 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da sentença.
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Processo nº: 0219339-74.2003.8.26.0577
Requerente: VANESSA ALVES FERREIRA
Requerido: CONCESSIONARIA DA RODOVIA PRESIDENTE DUTRA S/A TAMBEM CONHECIDA CO
VANESSA ALVES FERREIRA ajuizou a presente ação contra CONCESSIONÁRIA DA RODOVIA PRESIDENTE DUTRA S/A NOVADUTRA S/A, aduzindo, em síntese, que: a) foi companheira de Cláudio Rodrigues de Mattos, cantor popular conhecido como "Claudinho"; b) seu companheiro faleceu em 13 de julho de 2003, vítima de acidente de trânsito na rodovia administrada pela ré; c) o óbito somente ocorreu em virtude de irregularidades havidas na rodovia (existência de mureta ou meio-fio no bordo do acostamento e de uma árvore a apenas dois metros do referido obstáculo, sem qualquer tipo de proteção); d) a ré tem responsabilidade objetiva pelo evento danoso, nos termos dos arts. 14 do Código de Defesa do Consumidor e 37, § 6°, da Constituição Federal; d) a morte prematura do companheiro trouxe-lhe danos materiais e morais, que especifica. Pretende a respectiva reparação, acrescida de consectários legais. Acostou documentos (fls. 25/202).
A ré foi citada e apresentou contestação (fls. 242/283), também acompanhada de prova documental (fls. 284/699). Arguiu, em preliminar, a ilegitimidade ativa da autora, por não haver prova de sua união estável com o falecido. No mérito, sustentou, em resumo, que: a) a versão do acidente descrita na inicial não é verdadeira; b) o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à hipótese; c) o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo, que conduzia em alta velocidade, dormiu ao volante e fez uso inadequado do acostamento; d) o Programa de Exploração da Rodovia (PER) não estabelece o dever de construir defensas metálicas e retirar as árvores no trecho do acidente; e) os danos não têm a extensão alegada pela autora.
Houve réplica, refutando os termos da contestação e reiterando os termos da inicial (fls. 602/726).
Sobreveio despacho saneador, sem análise expressa da alegação de ilegitimidade ativa ad causam (fls. 753). Contra a decisão foram interpostos agravo de instrumento (pela autora, fls. 774/790) e retido (pela ré, fls. 792/799). Realizaram-se audiências de tentativa de conciliação (fls. 980/981 e 1010/1011). Na última, fixaram-se os pontos controvertidos e deferiu-se a produção de prova pericial.
Durante a instrução foram inquiridas testemunhas (fls. 1063/1064, 1101/1102, 1140/1148, 1610/1611, 1895/1899 e 1911/1912). O laudo pericial foi acostado (fls. 1373/1599). As partes e seus assistentes técnicos sobre ele se manifestaram, juntando novos documentos (fls. 1629/1694). O perito prestou esclarecimentos (fls. 1712/1790), sobrevindo novas manifestações das partes e seus assistentes (fls. 1815/1847, 1855/1859). Ao final, ambas apresentaram memoriais (fls. 1987/2034 e 2039/2071). A ré postulou a realização de nova perícia, por discordar do resultado da anterior.
É o relatório do essencial. Passo a fundamentar e a decidir.
Indefiro a realização de nova perícia. O trabalho elaborado pelo experto, jungido às impugnações dos assistentes técnicos das partes e aos esclarecimentos que sobrevieram são suficientes para a formação da convicção. O fato de a ré discordar das conclusões do perito não torna imprescindível a realização de nova perícia. A discordância será objeto de análise nesta sentença.
A preliminar de ilegitimidade de parte ativa também há de ser afastada. A vasta prova testemunhal (fls. 1063/1064, 1895/1896, 1911/1912) e documental (fls. 892/911) produzida nos autos não deixa dúvidas de que a autora era, de fato, a companheira da vítima ao tempo do óbito. E essa prova poderia (como o foi) ser produzida aqui, não se exigindo o ajuizamento de ação anterior para o reconhecimento da união estável. A única conseqüência da ausência da demanda anterior é que o reconhecimento produz efeitos apenas neste processo, não vinculando terceiros.
No mérito, o pedido inicial procede em parte.
Os arts. 186 e 927 do Código Civil estabelecem os requisitos para a existência da responsabilidade civil. Preceitua o art. 186, "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Reza o art. 927 que "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
A doutrina, com base nestes dispositivos legais, preconiza que a responsabilidade civil exige, via de regra, a presença de quatro elementos essenciais, a saber: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo de causalidade e dano.
Cuidando-se, porém, de relação de consumo ou de prestação de serviço público, seja pelo próprio Poder Público ou por pessoa jurídica de direito privado contratada para tanto, não há necessidade de prova da culpa, que é presumida. Diz-se, então, que a responsabilidade é objetiva, a teor do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor e 37, § 6°, da Constituição Federal.
No presente caso, está-se diante da chamada responsabilidade objetiva. A ré é pessoa jurídica de direito privado que administra a rodovia, mediante concessão. Presta, pois, um serviço público. E aquele que o recebe, o condutor ou passageiro, consiste no destinatário final do serviço, o consumidor. Logo, não há necessidade de indagações acerca de culpa.
A questão relativa à incidência do Código de Defesa do Consumidor à hipótese chega a ser irrelevante. Mesmo sem a aplicação deste diploma legal a responsabilidade continuaria de natureza objetiva, por se cuidar de serviço público. De qualquer modo, eventual controvérsia que poderia existir foi sepultada há tempos pela jurisprudência do E Superior Tribunal de Justiça, consoante ilustram os seguintes julgados:
"CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA. ACIDENTE COM VEÍCULO EM RAZÃO DE ANIMAL MORTO NA PISTA. RELAÇÃO DE CONSUMO. 1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranqüilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Recurso especial não conhecido." (REsp 467.883/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 01/09/2003 p. 281).
"CIVIL E PROCESSUAL. ACIDENTE. RODOVIA. ANIMAIS NA PISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. SEGURANÇA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. I - De acordo com os precedentes do STJ, as concessionárias de serviços rodoviários estão subordinadas à legislação consumerista. II - A presença de animais na pista coloca em risco a segurança dos usuários da rodovia, respondendo as concessionárias pelo defeito na prestação do serviço que lhes é outorgado pelo Poder Público concedente. III - Recurso especial conhecido e provido." (Resp. 687.799/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, j. 15/10/2009, DJe 30/11/2009).
"RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE EM ESTRADA. ANIMAL NA PISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. Conforme jurisprudência desta Terceira Turma, as concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários, estão subordinadas à legislação consumerista. Portanto, respondem, objetivamente, por qualquer defeito na prestação do serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos, respondendo, inclusive, pelos acidentes provocados pela presença de animais na pista. Recurso especial provido." (Resp. 647.710/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, j. 20/06/2006, DJ 30/06/2006 p. 216).
Estabelecidas as balizas sobre as quais deve ser examinada a responsabilidade civil no caso (independentemente de prova de culpa), passa-se à análise da efetiva existência dos demais pressupostos do dever de indenizar, atendo-se à discussão travada nos autos.
Há de se averiguar, por primeiro, acerca do nexo de causalidade entre o comportamento da ré e o acidente de trânsito descrito na inicial. Trata-se, à evidência, do ponto mais controvertido do litígio, aquele que gerou maior debate.
Pelo que se comprovou ao longo do processo, o acidente, em linhas gerais, observou a seguinte dinâmica: o motorista conduzia o veículo, perdeu a direção e saiu da pista, chocando-se contra uma árvore que estava bem próxima do acostamento.
Impossível não considerar que o fato gerador do acidente foi a perda do controle do veículo pelo condutor. E tal circunstância, analisada isoladamente, constitui fato de terceiro, que teria, em princípio, o condão de eximir a ré de qualquer responsabilidade. Mas a questão não é tão simples quanto aparenta.
Alegou-se que o motivo da perda de controle do veículo foi a existência de defeito na pista. O leito carroçável apresentaria sulcos longitudinais ("trilhos de rodas") e baixa declividade transversal, em desacordo com normas técnicas que regulam a matéria. E essa falha teria permitido o acúmulo de água que, por sua vez, teria ocasionado aquaplanagem (ou hidroplanagem) do veículo, conduzindo-o para fora da pista. Portanto, o fato de terceiro teria origem no defeito do serviço da ré não seria, portanto, um legítimo fato de terceiro.
Além disso, haveria outra omissão condenável da administradora da rodovia: a colisão se deu contra um obstáculo fixo às margens da rodovia, não isolado por qualquer tipo de proteção. A existência deste obstáculo violaria, igualmente, normas técnicas que regulam a matéria e teria contribuído para o substancial agravamento do acidente.
Destarte, estar-se-ia diante da chamada causalidade múltipla ou concausas sucessivas. E causas (ou concausas) decorrentes de omissão, a chamada faute do service do direito francês. Ambas hipóteses que mais geram discussão a respeito do nexo de causalidade, tanto na doutrina como na jurisprudência.
No tocante aos defeitos existentes no leito carroçável, a prova produzida se mostrou inconclusiva. O laudo pericial apontou as falhas, mas não pôde vinculá-las, com segurança, à perda de controle do veículo. Existe a possibilidade, não desprezível, de que o condutor tenha, de fato, adormecido ao volante. E tal possibilidade é salientada, em contradição ao laudo pericial, por idôneos argumentos levantados pelos assistentes técnicos da ré.
Pelo que se viu, o fenômeno da aquaplanagem depende da convergência de diversos fatores. Deve haver chuva forte, o veículo tem de estar em alta velocidade, os pneus devem estar gastos e, por fim, a pista deve conter o defeito. Se em relação aos defeitos, sobre os quais há elementos para constatação, a conclusão se mostrou duvidosa, o que se dirá dos demais fatores...
Já quanto à chuva a prova é incerta. O experto asseverou, com base no depoimento do condutor colhido no inquérito policial, que chovia muito na ocasião. Mas este não é o único elemento relevante existente nos autos. Por exemplo, Claucirlei Jovêncio de Souza, o cantor "Buchecha", que fazia dupla com a vítima, afirmou em juízo que chegou ao local logo após o acidente e na ocasião caia uma "leve garoa" e a pista estava "levemente molhada" (fls. 1.989). Em programa televisivo (fls. 1.655), ele ainda acenou com a probabilidade de que o condutor tenha realmente adormecido ao volante.
Não se pôde constatar a velocidade do veículo, por falta de elementos (o laudo pericial do IC deixou escapar tal dado). Mas o laudo pericial elaborado pelo experto judicial conclui que os danos adviriam na mesma proporção ainda que o veículo estivesse dentro dos limites de velocidade permitido (fls. 1.459).
Os pneus não foram objeto de exame, muito embora não tenha o perito do IC constatado nenhuma irregularidade digna de nota, levando a crer que inexistia qualquer anomalia.
Enfim, há dúvida razoável sobre o motivo da perda de controle. E diante da dúvida, não se pode atribuir o fato à demandada assim como não se pôde atribuí-lo ao condutor (ele foi absolvido no âmbito penal). Saliente-se que o nexo de causalidade, ao contrário da culpa, não pode ser presumido. A responsabilidade objetiva não chega a tanto. Deve haver prova cabal do defeito no serviço.
De outro lado, a existência de obstáculo fixo às margens da rodovia, uma árvore a cerca de dois metros do acostamento, sem qualquer proteção, permite o reconhecimento do liame de causalidade. A causa preponderante do acidente foi a perda de controle do veículo. Contudo, a manutenção do obstáculo, naquelas condições, ingressou na linha de causação do resultado lesivo, contribuindo para sua ocorrência.
De acordo com o laudo pericial, se a árvore não estivesse ali plantada, ou se houvesse sua adequada proteção, por defensas ou barreiras de segurança, o acidente certamente não teria resultado na morte da vítima. O veículo "seria mantido no acostamento até parar, com mínimo dano material e sem vítimas" (fls. 1.458). Dessa conclusão não se esquiva. Conforme constatou o perito, o ângulo de incidência do veículo sobre o meio-fio do acostamento foi suave, ao passo que as defensas são projetadas para suportar choques de veículos com ângulo de até 25° (fls. 1.469). Além disso, a pista no local é ligeiramente ascendente, com pequena declividade para o acostamento, de maneira que a velocidade seria reduzida aos poucos (fls. 1.458).
O ordenamento jurídico brasileiro adotou, segundo doutrina majoritária, a teoria dos danos diretos e imediatos (também denominada teoria da relação causal imediata ou da necessariedade da causa), por força do disposto no art. 403 do Código Civil, segundo o qual "Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual".
Resulta daí que "O agente primeiro responderia tão-só pelos danos que se prendessem ao seu ato por um vínculo de necessariedade. Pelos danos conseqüentes das causas estranhas responderiam os respectivos agentes. No clássico exemplo do acidentado que, ao ser conduzido em uma ambulância para o hospital, vem a falecer em virtude de tremenda colisão da ambulância com um outro veículo, responderia o autor do dano primeiro da vítima, o responsável pelo seu ferimento, apenas pelos prejuízos de tais ferimentos oriundos. Pelos danos da morte dessa mesma vítima em decorrência do abalroamento da ambulância, na qual era transportada ao hospital, com o outro veículo, responderia o motorista da ambulância ou do carro abalroador, ou ambos. Mas o agente do primeiro evento não responderia por todos os danos, isto é, pelos ferimentos e pela morte" (Responsabilidade Civil, Carlos Roberto Gonçalves, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 523/524, apud Wilson Melo da Silva, Responsabilidade sem culpa e socialização do risco, Belo Horizonte, Ed. Bernardo Álvares, 1962, p. 40).
Aplicada referida teoria ao presente caso, chega-se à conclusão de que pelos danos decorrentes da simples perda da direção é responsável o condutor (seria a ré, caso houvesse prova contundente da falha do serviço). Estes danos, repita-se, consistiriam nos danos de natureza leve causados ao veículo e, quiçá, alguma lesão diminuta sofrida pelos seus ocupantes. Mas pelos danos imediatamente provenientes da ausência de proteção ao objeto fixo (árvore) existente no bordo da pista, vale dizer, tanto a destruição total do automóvel como o óbito do companheiro da autora, responde unicamente a ré.
Existem, pois, duas causas a considerar, ocorridas em momentos distintos: a perda da direção, causada pela aquaplanagem ou pela sonolência do condutor, que teria causado danos e lesões de pequena monta, caso houvesse a proteção; e existe a colisão na árvore próxima ao acostamento, que agravou substancialmente o acidente e resultou na destruição total do veículo e no óbito do passageiro.
De se salientar que, nos termos do art. 942 do Código Civil, "Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação". Destarte, mesmo que houvesse confusão acerca da gravidade do comportamento da ré, tendo ela contribuído para o acidente, por sua omissão, responde pela reparação, em solidariedade com o outro causador.
Em suma, reconhece-se que a ré deu causa ao óbito da vítima, por omissão, ao permitir a existência de obstáculo fixo (uma árvore) em local próximo ao acostamento, ou ao deixar de erigir obras de proteção no local em apreço. Releva saber, agora, se essa omissão, juridicamente relevante, configura ato ilícito.
Antes de ingressar nesse tema, porém, mister se faz pontuar que no presente caso a omissão, tal qual a ação, prescinde da prova de culpa para a existência da responsabilidade civil. Malgrado o matéria tenha suscitado alguma divergência na doutrina, a questão também foi pacificada há tempos, inclusive pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verbis:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. FALTA DE SINALIZAÇÃO. ART. 37, § 6º, CF/88. NEXO CAUSAL. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Existência de nexo causal entre a omissão da autarquia e acidente que causou morte do marido e filhos da autora. Precedentes. 2. Incidência da Súmula STF 279 para afastar a alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade objetiva do Estado. 3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 4. Agravo regimental improvido". (AI n° 693628, AgR/SP, 2ª T., Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 01/12/2009).
Retornando à questão da ilicitude da omissão, desponta evidente que omissão da ré revela-se ilícita. A Lei n° 8.987/98 dispõe em seu art. 6º que "Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. - § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas" (grifo nosso).
Já a Lei n° 8.078/90 estabelece, em seu art. 20, que "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código" (grifo nosso).
Fácil é denotar, portanto, ser obrigação da concessionária a prestação de um serviço seguro. E por segurança deve-se entender aquele serviço que não gera riscos desnecessários ao consumidor, riscos que, conhecidos de todos, podem ser evitados ou atenuados.
Ora, existem normas técnicas (ABNT NBR6971:1999) que estabelecem a obrigatoriedade de proteção de objetos fixos e taludes íngremes e elevados às margens da rodovia (laudo pericial, fls. 1.460/1.461), Há publicações dando conta do especial agravamento de acidentes causados pela ausência de proteção a referidos locais (fls. 821/825). Logo, era de conhecimento notório e até mesmo previsível que, em havendo um acidente no local, sua gravidade seria exacerbada, culminando até mesmo com a morte de usuários. Mesmo assim, a ré admitiu que o obstáculo permanecesse. Deve, agora, responder pela omissão juridicamente relevante.
O contrato firmado entre a ré e o Poder Público prevê que o sistema de gestão deverá observar as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT (laudo pericial, fls. 329, 366, 385, 390/391 e 492/493). E nem poderia deixar de assim ser, pois a contraprestação chega a ser diminuta diante do recebimento de vultosos valores recolhidos pelos pedágios. Se somos obrigados a pagar pedágios semelhantes aos cobrados em países desenvolvidos, que sejamos contemplados, em contrapartida, com rodovias de países desenvolvidos. Consignando ainda que a ré administra a rodovia há mais de uma década, tendo tempo suficiente para erigir as obras protetivas.
Contudo, mesmo que não houvesse a previsão no contrato, não estaria afastado o dever de indenizar. A lei exige que o serviço seja seguro ao usuário. O contrato nunca teria o condão de sobrepor-se à lei. Pelo princípio da relatividade dos contratos, o ajuste só tem validade para as partes que o firmaram.
Não se deve descurar, ademais, que se o serviço fosse prestado diretamente pelo Poder Público, a falta de segurança, exigida pela lei, ensejaria a responsabilidade civil do Estado decorrente omissão. Logo, se o serviço público é concedido a entidade privada, os mesmos deveres do Poder Público deslocam-se à entidade, notadamente o de prestá-lo com segurança, de maneira que persiste a responsabilidade pelo dano.
Entender-se o contrário levaria a situações absurdas. Chegar-se-ia ao ponto de a administração direta eximir-se de responsabilidade que lhe era originária mediante o expediente quiçá até escuso de delegar o serviço a terceiro. Esse certamente não é o espírito da norma insculpida no art. 37, § 6°, da Constituição Federal, que estabeleceu a responsabilidade objetiva do serviço público, não importa quem o preste.
Registre-se: não se afirma aqui que a ausência de previsão contratual de colocação de proteção não tenha efeitos. Só não tem efeitos perante o usuário. Para a entidade prestadora, poderá surgir a possibilidade de cobrar a administração direta, em regresso, com base nas disposições do contrato.
Presente a falha do serviço, por omissão, e a ilicitude do comportamento, resta discorrer sobre a extensão dos danos (porque incontroverso que danos existiram).
No âmbito material, foram pleiteados o ressarcimento do valor do conserto do veículo e o pensionamento da autora, até a data em que o falecido completaria oitenta anos. Ambas as verbas comportam indenização, mas não na forma pretendida.
No tocante ao valor do veículo, a autora apresentou orçamento do reparo (fls. 117/124). Todavia, inegável que o automóvel sofreu perda total pela gravidade dos danos sofridos. Logo, a indenização deve considerar o valor de um veículo semelhante ao tempo do acidente. Nada melhor, para tanto, do que se utilizar das tabelas de periódicos especializados. De acordo com aquela juntada pela ré (fls. 698/699), o veículo da vítima, ao tempo do sinistro, estava avaliado em R$ 13.460,39. É este o valor a ser considerado.
No que pertine ao pensionamento, há de se ater ao valor dos rendimentos percebidos pela vítima antes do acidente. A prova desses rendimentos deve ser cabal, não podendo ser resultado de conjeturas ou suposições. Foram ouvidas diversas testemunhas que falaram sobre o bom ou mau momento profissional do falecido àquela época. Mas nenhum elemento sobrepõe-se à declaração para fins de imposto de renda. Esse documento tem caráter oficial e proveio de informes da própria vítima antes do falecimento. Conforme a declaração juntada (fls. 1.108/1.109), os rendimentos do falecido, no ano do óbito, foram de R$ 13.232,21, resultando numa renda mensal de R$ 2.051,23 nos últimos seis meses antes do passamento. É o valor que se adota.
Da renda mensal há de ser abatido 1/3, pois é razoável e justo supor que este montante seria despendido com o próprio sustento do falecido, não se destinando, portanto, a seus dependentes. Nesse sentido:
"ACIDENTE DE VEÍCULO. REPARAÇÃO DE DANOS. PENSÃO MENSAL FALECIDO QUE DESEMPENHAVA FUNÇÃO COMO AUTÔNOMO. ESTIMATIVA DE GANHOS DE TRABALHADOR FORNECIDO POR SINDICATO. AUSÊNCIA DE QUALQUER OUTRA PROVA CAPAZ DE CONFIRMAR A ESTIMATIVA. ADOÇÃO DE UM SALÁRIO MÍNIMO, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO PELOS AUTORES DO ARTIGO 333, INCISO I, DO CPC. RECURSO NESTA PARTE PROVIDO. (...) Nesse passo, melhor se afigura a adoção de 2/3 do salário mínimo, visto que é entendimento pacífico que um terço do valor ganho pela vítima seria gasto com sua própria mantença, não se destinando, pois, a seus dependentes. (...) Note-se que é entendimento pacífico que um terço do valor ganho pela vítima seria gasto com sua própria mantença, não se destinando, pois, a seus dependentes" (TJSP - Apelação 990100283707 - Rei. Des. Adilson de Araújo - 31a Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 14/09/2010).
"APELAÇÃO - INDENIZATORIA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ÓBITO DE CÔNJUGE DANOS MATERIAIS - REPAROS DO VEÍCULO Culpa concorrente da vítima, que não tomou as precauções para sinalizar o local - Redução do dever de indenizar em 50% - Limitação do reembolso de reparos mecânicos às despesas decorrentes da colisão - DANOS MATERIAIS - PENSÃO - Redução do valor da pensão mensal a 2/3 do rendimento da vítima Orientação jurisprudencial no sentido de que 1/3 do rendimento é despendido em gastos pessoais - Aplicabilidade no caso - Cessa o dever de pensionato caso a viúva venha a contrair novas núpcias ou a estabelecer união estável DANOS MORAIS - Ocorrência incontestável Majoração do valor - 100 salários mínimos ora vigentes - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Redução - Fixados em 10% do valor da condenação - Apelos parcialmente providos" (TJSP, 27ª Câmara de Direito Privado, Apelação n° 992.07.063922-0, Rel. Hugo Crepaldi, j. 23 de novembro de 2010).
O termo ad quem do pensionamento é a data em que o falecido completaria 70,7 anos, se a tanto sobreviver a autora. Essa é a expectativa de vida para o brasileiro do sexo masculino residente na região sudeste, segundo informações prestadas pelo IBGE, publicada em 2010, com dados referentes ao ano de 2009 (vide o site pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_estados_do_Brasil_por_expectativa_de_vida).
A obrigação não cessará automaticamente caso a autora contraia novas núpcias ou venha a estabelecer nova união estável. Conforme jurisprudência anotada por Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, em Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor (2010, 42ª edição, nota 6 ao artigo 791, p. 553), "A pensão prestada à viúva pelos danos materiais decorrentes da morte de seu marido não termina em face da remaridação, tanto porque o casamento não constitui nenhuma garantia da cessação das necessidades da viúva alimentanda, quanto porque o prevalecimento da tese oposta importa na criação de obstáculo para que a viúva venha a contrair novas núpcias, contrariando o interesse social que estimula que as relações entre homem e mulher sejam estabilizadas com o vínculo matrimonial (STJ-4a T.; REsp 100.927, rei. Min. César Rocha, j . 26.10 01, DJU 15.10.01)." No mesmo diapasão:
"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO - PENSÃO À COMPANHEIRA E AO FILHO DA VÍTIMA: LIMITE TEMPORAL - DENUNCIAÇÃO DA LIDE. 1 A denunciação da lide, em ação de responsabilidade civil do servidor público causador do dano, não é obrigatória senão para o litisdenunciado que, quando chamado, não pode recusar-se2. Harmoniza-se com a celeridade processual, e não impede o exercício do direito de regresso a não aceitação da litisdenunciação. 3. Mulher e filho mantidos pela vítima têm direito à indenização sob a forma de alimentos, como estabeleceu o acórdão, em quantitativo que esta Corte não pode dimensionar por óbice da Súmula 07/STJ. 4. A pensão fixada para a companheira da vítima não pode ser condicionada à manutenção da sua situação de mulher sozinha, dado o seu caráter indenizatório (precedentes do STJ). 5. A pensão fixada para o filho tem como termo final a sua idade de 24 (vinte e quatro) anos e não a vida provável da vítima, fixada em 65 (sessenta e cinco) anos. 6. Recurso especial conhecido pela alínea "c" e parcialmente provido" (REsp 392.240/DF, Rei. Mm. ELIANA CALMON, 2a T., j 4.6.02, DJ 19 8 02, p. 159).
Cuidando-se a ré de empresa de grande porte e idônea, o pagamento da pensão se dará mediante inclusão da autora em sua folha de pagamento.
No âmbito moral, pleiteou-se compensação pecuniária, mas se deixou ao arbítrio do julgar a fixação. A existência do direito indenizatório é inequívoca. Inegável o abalo psíquico causado à autora pela morte de companheiro, pai de sua filha. O prejuízo existe in re ipsa, independente de comprovação.
A fixação da compensação pecuniária deve considerar os critérios normalmente utilizados pela jurisprudência. No caso, há de se ater à natureza, extensão e intensidade da ofensa sofrida, com abalo das atividades cotidianas (grau elevado, por se tratar de morte de companheiro e pai de sua filha); às condições pessoais da autora e repercussão do dano na vida particular dela (grau elevado, pela mesma razão anterior); capacidade econômica do ofensor e disparidade econômica entre as partes (grau elevado, consignando que a ré tem rendimentos expressivos); grau de culpabilidade (elevado, diante da existência de outros acidentes gerados pela mesma falha do serviço); histórico anterior de ocorrências assemelhadas (razoável); eventual contribuição da vítima para o evento (nenhuma). Diante de tais circunstâncias, entendo justo e razoável o valor compensatório de R$ 500.000,00, que, de resto, está dentro dos limites da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para hipóteses de morte de marido ou companheiro.
De todo o valor indenizatório há de ser descontada eventual indenização proveniente de seguro obrigatório (DPVAT).
Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para condenar a ré a pagar à autora as seguintes verbas:
a) R$ 13.460,39, a título de ressarcimento pelos danos causados ao veículo, atualizados monetariamente, pela tabela prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, e acrescidos de juros de mora legais (0,5% antes do advento do novo Código Civil, e 1% após) a partir da confecção da tabela acostada a fls. 698/699;
b) pensão mensal de R$ R$ 2.051,23, atualizada monetariamente a partir da data do acidente, pelo índice oficial supra, devendo as prestações atrasadas receber, além da atualização, juros de mora legais (na forma supra). O pagamento deverá ser feito mediante inclusão da autora na folha de pagamento da ré. A obrigação cessará na data em que a vítima completaria 70,7 anos; e
c) R$ 500.000,00 a título de compensação pecuniária pelo dano moral sofrido, atualizado monetariamente a partir da presente data e acrescidos de juros de mora contados do acidente (na forma supra).
Dos valores condenatórios deve ser abatida eventual indenização decorrente de seguro obrigatório (DPVAT).
Pela sucumbência quase integral, arcará a ré sozinha com as custas e despesas processuais, incluindo honorários dos advogados da autora, que fixo em 10% do valor da condenação, entendida esta como o somatório de todas as verbas supra mais doze pensões vincendas. CUSTAS DE PREPARO R$ 15.338,07,PORTE DE REMESSA E RETORNO R$ 25,00, POR VOLUME.
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