Justiça mineira absolve acusado de furtar alças de caixões em cemitério de Três Corações
O juiz de Direito José Fernando Ribeiro Carvalho Pinto, da 1ª vara Crime de Três Corações/MG, absolveu, com base no princípio da insignificância, um acusado de tentar furtar alças de bronze de caixões no cemitério local.
Da Redação
terça-feira, 12 de abril de 2011
Atualizado às 09:34
Princípio da insignificância
Justiça mineira absolve acusado de furtar alças de caixões em cemitério de Três Corações
O juiz de Direito José Fernando Ribeiro Carvalho Pinto, da 1ª vara Criminal de Três Corações/MG, absolveu, com base no princípio da insignificância, um acusado de tentar furtar alças de bronze de caixões no cemitério local.
O valor dos objetos foi estimado em R$ 5,46, consistentes em 12 alças de caixões. O magistrado salientou que o montante dos bens furtados representa 1,31% do salário mínimo da época - R$ 415,00 - sendo assim, um valor considerado insignificante.
O juiz elencou parâmetros já definidos pelo STF que devem ser considerados para a aplicação do princípio de insignificância: "a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) a nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada".
"Diante da mínima ofensividade da conduta do agente, da nenhuma periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da inexistência de lesão jurídica provocada, é possível na espécie aplicação do princípio da insignificância, reconhecendo-se a atipicidade da ação", ressaltou Carvalho Pinto.
Como consta na decisão: "a admissão da ocorrência do crime de bagatela reflete o entendimento moderno de que o direito penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, lesão não só no sentido econômico, mas também em função de aspectos sociais".
Confira abaixo a íntegra da decisão.
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Autos nº 0693,08.071127-0
VISTO
I- RELATÓRIO
JOSÉ RODRIGO BORGES, brasileiro, solteiro, filho de José Manoel Borges e Maria Aparecida Silva Borges, nascido em 21 de março de 1982, natural de Campanha MG, residente na Rua Chico Lima, 418, Bairro Vila Lima em Três Corações MG, foi denunciado pelo Ministério Público Estadual como incurso nas sanções do art. 155, caput, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal Brasileiro, porque no dia 21.02.2008, por volta das 14h, nesta Comarca de Três Corações, tentou subtrair objetos do Cemitério local, sendo surpreendido retirando diversas alças de bronze de caixões no cemitério e guardando-as em um saco plástico. Surpreendido por funcionários do local que o abordaram, a Polícia Militar foi chamada e o prendeu em flagrante delito.
Auto de Prisão em Flagrante Delito (ff. 05/08), auto de apreensão (f. 16), avaliação (f. 17)
Foi-lhe concedida liberdade provisória (f. 39).
A denúncia de ff. 02/03 foi oferecida em 14/04/2008 e recebida por este Juízo em 29/05/2008, conforme despacho de f.47.
O acusado foi devidamente citado (f. 52), sobrevindo defesa prévia - rito processual vigente à época - (ff. 53/56) pela Defensoria Pública, arrolando as mesmas testemunhas da Acusação.
Audiência de instrução e julgamento realizada no dia 17/05/2010 (f.74), sendo ouvidas 4 (quatro) testemunhas comuns à Acusação e Defesa, além do interrogatório do acusado.
Encerrada a instrução do processo, as partes não requereram diligências, apenas prazo para oferta de alegações finais sob a forma de memoriais.
O Ministério Público apresentou memoriais às ff. 80/82, ao fundamento de que restaram devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitiva, requereu procedência da denúncia, com a consequente condenação do acusado nas penas impostas pelo art. 155, caput, c/c art. 14, inciso II, do CP
A Defesa, a seu turno, através de Defensora Nomeada ao denunciado, porquanto inexistente, naquela oportunidade, Defensor Público na Comarca, bateu-se, em memoriais apresentados às ff. 84/88, pela absolvição do réu, invocando o princípio da insignificância e, alternativamente, a concessão do benefício do sursis (suspensão condicional da pena).
É O RELATÓRIO. DECIDO.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Consigno, de início, a inexistência de qualquer nulidade processual cognoscível de ofício ou arguída pelo Ministério Público e Defesa.
Inexiste causa que enseje a extinção da punibilidade, estando o feito apto a julgamento, razão pela qual inicio a análise das provas formadas no presente processo.
A materialidade restou devidamente comprovada através do Boletim de Ocorrência (ff. 12/13); Auto de Apreensão (f. 16); Auto de Avaliação Indireta (f. 17), apontando, esse último, que o montante da "res furtiva" - doze alças de bronze - perfazem R$ 5,46 (cinco reais e quarenta e seis centavos).
A autoria também restou comprovada nos autos, diante da confissão do acusado e depoimentos testemunhais.
O acusado confirmou sua presença no local, data e hora mencionados na denúncia, assim como as declarações prestadas em fase policial. Afirmou também ser verdadeira a denuncia produzida contra ele (f. 75).
"(...) são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; o declarante havia bebido umas pingas boas, uma meia garrafa, e nem sabe o que fez no dia dos fatos; o declarante recorda-se apenas que foi para o lado do cemitério; quando preso, o declarante até sonhou que defuntos estavam pegando seu pé; na época dos fatos, o declarante estava desempregado (...)"
Compõem o conjunto probatório os depoimentos prestados pela testemunha Monterani Teixeira Bento (f. 76), Policial Militar, Jarbas Magalhães (f. 77) Policial Militar, Celso Silvério (f. 78), servidor público e Azarias Teodoro (f. 79), servidor público.
Enfrento a alegação defensiva de aplicação do princípio da insignificância. De fato, o valor total dos objetos foi estimado em R$ 5,46 (cinco reais e quarenta e seis centavos), consistentes em 12 (doze) alças de caixões. O salário mínimo à época era de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais); ou seja, o valor total dos bens representa 1,31% do salário mínimo, sendo, assim um valor considerado insignificante.
O reconhecimento do princípio da bagatela ou da insignificância exige profunda análise do desvalor da conduta e do dano para se apurar a relevância penal de cada fato, a fim de que o Estado interfira na medida justa para a proteção do bem jurídico.
Para a aplicação do princípio da insignificância devem ser considerados os parâmetros já definidos pelo Supremo Tribunal Federal: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) a nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. (HC nºs 84.412 87.687, Rel. Min. Celso de Mello).
Em sendo assim, diante da mínima ofensividade da conduta do agente, da nenhuma periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da inexistência de lesão jurídica provocada, é possível na espécie aplicação do princípio da insignificância, reconhecendo-se a atipicidade da ação.
A admissão da ocorrência do crime de bagatela reflete o entendimento moderno de que o direito penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, lesão não só no sentido econômico, mas também em função de aspectos sociais.
Sobre o tema, veja-se entendimento de Júlio Fabrini Mirabetti:
A tipicidade é excluída, segundo o direito moderno, pelo princípio da insignificância (ou da bagatela) que exclui do tipo, em princípio, os danos de pouca importância, irrelevantes para o direito penal. (Código Penal Interpretado, Editora Atlas, 1999, pag. 131).
Neste sentido, cito o seguinte julgado:
PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFCÂNCIA . INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da
intervenção mínima. 2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. [...] (STJ. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, HC 130578 / MG, j. 15.04.2010). Fonte: www.stj.jus.br, acesso em 09.03.2011, sem negrito no original.
Do e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais extraio:
EMENTA: APELAÇÃO - FURTO SIMPLES - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - ABSOLVIÇÃO. O mínimo valor do resultado obtido autoriza o magistrado a absolver o réu, quando a conduta do agente não gerou prejuízo para o lesado, nem foi cometida com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Recurso provido. Proc. nº 1.0024.08.980471-0/001(1), Relator Des. Fortuna Grion, j. 10.03.2009. Fonte: www.tjmg.jus.br, acesso em 09.03.2011 (sem negrito no original)
Na hipótese em exame, embora a conduta do acusado - furto tentado - se amolde em tese à tipicidade formal, que é a perfeita subsunção da ação à norma incriminadora, não há como reconhecer a tipicidade material que consiste na relevância penal da conduta e resultado.
Tendo os bens objetos do delito sido infimamente avaliados, mostra-se desnecessária a intervenção penal.
III - CONCLUSÃO
ANTE O EXPOSTO, e por tudo que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, diante da aplicação do princípio da insignificância e absolvo JOSÉ RODRIGO BORGES, com fulcro no artigo 386, III, do CPP da imputação do
cometimento do delito previsto no artigo 155, caput, c.c artigo 14, II, ambos do CP.
Nos termos do Decreto Estadual nº. 42.718, de 03.07.02, fixo os honorários advocatícios a serem pagos pelo estado ao Defensor Dativo nomeado por este juízo à f.74, em R$1.000,00 (mil reais). Expeça-se a competente certidão.
Custas pelo Estado.
Intimem-se o Defensor e, pessoalmente, o acusado e o Ministério Público.
PRI,
Três Corações MG, 09 de Março de 2011
José Fernando Ribeiro Carvalho Pinto
Juiz de Direito Substituto
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