Brincadeira no Dia da Mentira pode acabar no Tribunal
Em 2009, o que seria uma brincadeira de 1º de abril gerou um processo de reparação de danos (004.09.108348-9), na 4ª vara Cível do Foro Regional IV - Lapa.
Da Redação
quinta-feira, 31 de março de 2011
Atualizado em 30 de março de 2011 12:35
1º de abril
Brincadeira no Dia da Mentira pode acabar no Tribunal
Em 2009, o que seria uma brincadeira de 1º de abril gerou um processo de reparação de danos (004.09.108348-9 - clique aqui), na 4ª vara Cível do Foro Regional IV - Lapa.
Na ocasião, o advogado Adriano Ricardo Damato Rocha de Souza criou uma ata falsa de audiência e enviou para alguns amigos.
A falsa ata relatava que durante a audiência de conciliação o advogado da parte passou a intervir de forma violenta e agressiva, proferindo palavras "indignas" e ofensas ao magistrado que comandava a audiência. Este decretou voz de prisão ao patrono do autor por desacato. Ao ver que o seu advogado havia partido para a briga, o autor, desesperado com a situação, se jogou pela janela. Detalhe : a audiência acontecia no 2° andar do foro Regional de Lapa/SP.
Ata falsa
Ata verdadeira
A audiência realmente aconteceu, mas o que foi relatado nela não.
Repúdio
O e-mail com a falsa audiência se propagou, assim como o nome do advogado da parte, dr. Day Neves Bezerra Júnior. Ao tomar conhecimento do vírus cibernético que corria na internet, dr. Day divulgou em seu blog pessoal uma nota de repúdio ao ato.
NOTA DE REPÚDIO
Dia 1º de Abril de 2009 fui vítima de divulgação de uma Ata de Audiência adulterada, via e-mail, aos escritórios de advocacia, colegas advogados, Juízes, entre outros, brincadeira completamente absurda e de muito mau gosto.
Referida ata adulterada narra que, durante suposta audiência, desacatei Juiz, desferi socos em policial que meu cliente se jogou pela janela do segundo andar...Ademais consta ainda nesta Ata de Audiência FALSA o nome das partes e dos advogados, verdadeiros.
Indignado e perplexo com o conteúdo, em nome da verdade, venho expressar publicamente o meu repúdio a essas informações, informando que realizei, no dia 23 de Março de 2009, às 9:30h, no Foro Regional IV - Lapa - a audiência de tentativa de conciliação, referente ao processo cujas partes referem-se na "brincadeira".
Porém, na ocasião, transcorreu tudo conforme a legislação vigente, sendo que as partes e os advogados trataram-se com urbanidade e respeito.
A Ata de Audiência adulterada é infundada, irresponsável e caluniosa, contendo excessos inaceitáveis e caracterizadores das condutas de difamação e de injúria.contra este advogado que subscreve, tipificada no Código Penal, nos arts. 138 e 139, sendo que a divulgação da ata, sabendo ser seu conteúdo falso, também constitui fato típico, previsto no art. 138, § 1º do referido dispositivo legal.
Devido à gravidade do conteúdo desta pauta, causadores de danos à imagem do advogado e seu cliente, serão adotadas medidas administrativas e judiciais cabíveis, de forma a trazer a público e ao universo jurídico a verdade dos fatos.
Como advogado, militante, Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas do Advogado da 96ª Subsecção- OAB - Lapa, não permitirei atos levianos de desmoralização e continuarei cumprindo minha missão de assegurar aos meus clientes e aos colegas advogados, inclusive, a proteção e restauração de seus direitos, realizando a justiça e preservando os bons costumes.
Caso recebam esse e-mail, não repassem e alertem as pessoas que se trata de um documento falso.
Day Neves Bezerra Júnior
Advogado - OAB/SP 187.108
Retratação
Na época do ocorrido, dr. Adriano explicou que procurando por vestígios de divulgação na internet encontrou a nota de repúdio do dr. Day Neves postada em seu blog particular.
Afim de desfazer o mal entendido, o advogado entrou em contato com a principal parte envolvida para se retratar, sendo recebido pelo próprio dr. Day Neves Bezerra Júnior e seu filho.
Eles dirigiram-se a 96ª subseção da Lapa para conversar com a presidente dra. Helena Maria Diniz e lá foi formalizada a retratação, expondo toda a verdade sobre o fatídico incidente e explicando o motivo de sua rápida expansão.
Processo
Sentindo-se lesado com o fato, dr. Day entrou com uma ação de reparação de danos (004.09.108348-9), na 4ª vara Cível do Foro Regional IV - Lapa, na qual alegava que a "ata adulterada se mostra irresponsável, caluniosa e caracterizadora das condutas de difamação e injúria, sendo ainda, ardilosa, maquiavélica e inconseqüente a maneira com que a imagem do advogado requerente foi exposta".
E ainda que "tratando-se o autor de pessoa de consuta honesta e reputação ilibada, viu maculada sua honra ao ser acusado injustamente da prática de crime, vivenciando momentos de evidente vexame e constrangimento e acabou sofrendo abalos psicológicos indeléveis".
O autor da brincadeira defendeu-se dizendo que "se dispôs a publicar por sua conta, uma nota no jornal da OAB para que o caso ficasse esclarecido perante a comunidade jurídica". Citou também que a retratação foi publicada nos "maiores jornais jurídicos do país", "não restando quaisquer resquícios que possam desabonar o autor".
Sentença
Na decisão, o juiz Carlos Roberto de Souza diz que "nos dias de hoje, não há como negar que mesmo "brincadeiras" veiculadas pela internet geram consequências e assumem proporções não esperadas pelos seus autores, inclusive, porque, circulando no mundo virtual, os e-mails acabam sendo repercutidos, copiados, encaminhados, arquivados pelos internautas, etc".
Disse ainda que, embora o requerido tenha tentado de todas as formas reparar seu erro, a situação foi amenizada, mas não pode ficar sem a reprovação do tal ato "que arranhou a tranquilidade pessoal do ator".
Segundo decisão datada de 13 de janeiro de 2010, o juiz julgou a ação procedente e condenou o requerido ao pagamento de indenização ao autor da ação, no valor de cinco mil reais corrigidos.
Confira abaixo a sentença na íntegra.
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FORO REGIONAL IV - LAPA
4ª VARA CÍVEL
RUA CLEMENTE ÁLVARES Nº 120, São Paulo-SP - CEP 05074-050
004.09.108348-9 - lauda 1
SENTENÇA
Processo nº: 004.09.108348-9
Requerente: Day Neves Bezerra Júnior
Requerido: Adriano Ricardo Damato Rocha de Souza
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Carlos Roberto de Souza
Vistos.
Em apertada síntese o requerente alega ser advogado militante sem qualquer mácula em seu prontuário profissional junto à Ordem dos Advogados do Brasil e que atuando em processo para o qual foi contratado participou de uma audiência conciliatória que transcorreu normalmente, sendo designada audiência de instrução e julgamento para 05 de outubro de 2009.
A Audiência ocorreu em 23.03.2009 e no dia 02 de abril de 2009, o filho do Autor (Day nevez Bezerra neto) encaminhou E-Mail com a pergunta: Pai, isso mesmo aconteceu ? Anexou uma ata falsa recebida em seu correio eletrônico, de colegas de trabalho e de origem até então desconhecida.
O Requerente recebeu tal notícia com pesar e brutal dose de repulsa de autoria desconhecida até aquele momento. No falso documento constou que o requerente desacatou o juiz, desferiu socos num policial e que seu cliente se jogou pela janela do segundo andar, constando na ata falsificada os nomes das partes e de seus advogados.
A ata adulterada se mostra irresponsável, caluniosa e caracterizadora das condutas de difamação e injúria, sendo ainda, ardilosa, maquiavélica e inconseqüente a maneira com que a imagem do advogado requerente foi exposta.
No dia 07 de abril o primeiro requerido compareceu espontaneamente no escritório do Autor apresentando uma carta de retratação e de cujo teor o autor tomou ciência sem concordar com a atitude do réu que foi encaminhado à uma reunião perante a OAB local, representada pela sua Presidente Dra Helena Maria Diniz.
A OAB local determinou a expedição de uma nota de esclarecimento cujo conteúdo está encartado à inicial.
Foi instaurado Inquérito Policial perante o Delegado de Polícia do 7º DP.
Tratando-se o autor de pessoa de consuta honesta e reputação ilibada, viu maculada sua honra ao ser acusado injustamente da prática de crime, vivenciando momentos de evidente vexame e constrangimento e acabou sofrendo abalos psicológicos indeléveis.
Alega que o primeiro requerido agiu com ausência de dignidade e decoro e lesou o patrimônio moral do autor.
Aduz que a segunda requerida responde solidariamente em razão de ato de seu preposto, nos termos da Súmula 341 do STF e que a culpa emerge da má escolha do preposto pela segunda requerida.
Requer a procedência da ação para condenar os requeridos solidariamente a indenizar o autor em razão dos danos morais a serem fixados entre 18 até 60 salários mínimos.
Foi afastada do pólo passivo a ITAUCARD (FLS.49/50).
O requerido contestou tempestivamente confirmando o fato da alteração da ata de audiência com o fito de fazer uma brincadeira voltada contra seus antigos colegas de escritório e que dezoito minutos após enviar a cópia adulterada da ata para seus colegas, informou que tudo não passava de uma brincadeira, porém, o conteúdo foi repassado para outras pessoas virtualmente, sem o conhecimento e sem a colaboração do requerido.
No dia 06 de abril o autor tomou conhecimento de que sua brincadeira havia assumido proporções inesperadas e que por sua criação estava circulando por vários escritórios de São Paulo.
Com o propósito de reparar todo e qualquer possível dano ao autor, o contestante procurou de forma incessante reverter a situação.
Houve retratação, foi feita uma nota oficial pela OAB local (Lapa). O requerido se dispôs a publicar por sua conta, uma nota no jornal da OAB para que o caso ficasse esclarecido perante a comunidade jurídica, inclusive, a retratação foi publicada nos maiores jornais jurídicos do país, tais como, Migalhas, JusBrasil e Consultor jurídico, não restando quaisquer resquícios que possam desabonar o Autor.
Alega que houve esforço conjunto para uma solução amigável e que os litigantes quase chegaram a um acordo.
Aduz que a brincadeira não pode configurar abalo à honra e que tudo não passou de brincadeira de 1º de abril.
Enfatiza que o autor distorceu os fatos e omitiu que aceitou a proposta de acordo feita pelo Dr. Carlos Correa, MM. Juiz do JEC Lapa.
Alega a carência de ação por falta do interesse de agir.
Requereu a extinção do feito ante a carência de ação ou no mérito, a improcedência do pedido.
Tentativa de conciliação infrutífera (fls.93).
Réplica (fls.157/168) repudiando os termos da contestação.
É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR.
Julgo antecipadamente o feito nos termos do artigo 330, I do CPC, já que nos autos está o suficiente para a prolação da sentença de mérito.
A preliminar de carência de ação se funde com o mérito.
Não há muito a discorrer a respeito da ocorrência do fato descrito na inicial, pois tal descrição é endossada pela contestação e o requerido alega, inclusive que tentou de todos os modos, desfazer os efeitos e conseqüências da "brincadeira".
De um lado está o A., advogado de reputação ilibada e que orgulha, por certo, a classe laboriosa dos advogados que atuam na Lapa. De outro lado, o novel advogado, iniciando sua carreira e que acabou amargando conseqüências não previstas quando da realização de uma infeliz brincadeira.
De início, vale salientar que o nome grafado no documento adulterado (fls.19) é NEY e não DAY. Tal circunstância, por si só, não afasta a caracterização das ofensas, pois existem elementos indicadores por excelência (n. do Registro na OAB/SP 187.108/SP e o sobrenome que acaba sendo integrante do nome do autor).
Nos dias de hoje, não há como negar que mesmo "brincadeiras" veiculadas pela Internet geram conseqüências e assumem proporções não esperadas pelos seus autores, inclusive, porque, circulando no mundo virtual, os e-mails acabam sendo repercutidos, copiados, encaminhados, arquivados pelos internautas, etc.
Mas é verdade que o requerido tentou de todas as formas, reparar o seu erro e até acabou contribuindo para que a situação fosse amenizada, mas não pode ficar sem a reprovação desse seu ato impensado e que arranhou a tranqüilidade pessoal do Autor.
O dano moral, in casu, constituiu-se em lesão à integridade psíquica do autor, que é, o direito a não sofrer violações em aspectos de sua personalidade, aí incluídos a proteção intimidade, a honra, vida privada. Violado esse direito à integridade psíquica restou configurado o dano moral, independentemente da existência de dor ou sofrimento.
A reparação moral tem dupla função, ou seja, é compensatória e punitiva. O aspecto da compensação deve ser analisado sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. Já a finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita.
Não será o valor da reparação que influirá para o alcance da finalidade maior do direito e da justiça. A indenização, seja ela em cifra maior ou menor, proporcionará certa satisfação ao ofendido, nunca terá a função de remunerar a honra e a boa fama do autor, aliás, predicados de valor inestimável. Por sua vez, para o ofensor, ela representará um desestímulo à repetição de atos semelhantes.
Atento à necessidade de estabelecer uma indenização que revele 004.09.108348-9 - proporcionalidade e razoabilidade, quantifico o dano moral em R$ 5.000,00.
ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE a ação para condenar o requerido ao pagamento de indenização ao autor, no valor de R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS) corrigido monetariamente pela Tabela prática do E. Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do ajuizamento da ação e juros de mora contados da citação.
Arcará o requerido com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação.
P.R.I.
São Paulo, 13 de janeiro de 2010.
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