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TJ/SC - Perda de comanda não justifica cobrança abusiva por bar e sócio a cliente

A 2ª Câmara de Direito Civil do TJ determinou que Paulo Roberto Arenhart e Cachaçaria da Ilha pagassem indenização a Josiane Ferreira da Silva por danos morais, em R$ 4 mil e R$ 8 mil, respectivamente. A decisão confirma sentença da comarca da capital e reconhece a nulidade do cheque emitido pela cliente para que pudesse sair do estabelecimento.

Da Redação

terça-feira, 22 de março de 2011

Atualizado às 15:00


Danos morais

TJ/SC - Perda de comanda não justifica cobrança abusiva por bar e sócio a cliente

A 2ª câmara de Direito Civil do TJ determinou que Paulo Roberto Arenhart e Cachaçaria da Ilha pagassem indenização a Josiane Ferreira da Silva por danos morais, em R$ 4 mil e R$ 8 mil, respectivamente. Josiane ajuizou ação após incidente ocorrido em junho de 2000, quando esteve no bar com amigas.

No bar, ela recebeu um cartão de consumação, para anotação dos seus gastos no local. Afirmou que o consumo foi registrado em apenas uma das comandas. No caixa, percebeu a perda da comanda e comunicou o fato ao funcionário, que exigiu o pagamento da taxa de extravio, no valor de R$ 100. Após procura, o cartão foi encontrado, com a marcação de consumo em R$ 16, valor que ela se dispôs a pagar. Porém, o caixa continuou a exigir o valor anterior, e só permitiu a saída de Josiane após esta emitir um cheque no valor da taxa referida.

A autora deixou um cheque, porém sustou-o depois. Afirmou que, ao tomar conhecimento da sustação e do fato de ela ser funcionária de um banco privado, Arenhart, que é sócio do bar e jornalista, procurou-a na agência, ofendeu-a diante de colegas de trabalho e acusou-a de "estelionatária", além de publicar uma nota em jornal referindo-se ao fato. Com isso, a autora precisou justificar-se à gerência regional e quase perdeu o emprego.

Tanto na contestação quanto na apelação, Arenhart e a Cachaçaria argumentaram que a taxa de extravio de comanda era devida, fato de que Josiane tinha conhecimento ao adentrar no local. Sobre a nota em jornal, garantiram que não foi encomendada pelo jornalista, o qual apenas comentou o fato com um colunista, sem intenção de denegrir a imagem da autora.

O relator, desembargador Nelson Schaefer Martins, porém, entendeu que os danos morais ficaram caracterizados, já que a cobrança da perda foi mantida mesmo após a localização do cartão. Ele reconheceu, ainda, que o cheque foi corretamente sustado, pois emitido mediante coação.

"O abalo moral é evidente e são presumíveis os reflexos nocivos derivados das atitudes tomadas pela empresa demandada e por seu sócio-gerente", concluiu Schaefer Martins. A decisão confirma sentença da comarca da capital e reconhece a nulidade do cheque emitido pela cliente para que pudesse sair do estabelecimento.

  • Processo : Apelação Cível 2004.009141-9 - clique aqui.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

___________

Apelação Cível n. 2004.009141-9, da Capital

Relator: Des. Nelson Schaefer Martins

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO E NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO. FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA DEMANDADA QUE AGIRAM COM DESPREPARO AO LIDAR COM SITUAÇÃO CORRIQUEIRA EM SE TRATANDO DE ESTABELECIMENTO QUE ATUA NA ÁREA DE ENTRETENIMENTO. EXTRAVIO DE CARTÃO DE CONSUMAÇÃO QUE FOI POSTERIORMENTE ENCONTRADO PELA PRÓPRIA DEMANDADA. TENTATIVA DA AUTORA DE EFETUAR APENAS O PAGAMENTO DA QUANTIA CONTIDA NA FICHA DE CONTROLE. INFLEXIBILIDADE DOS PREPOSTOS DA RÉ QUE EXIGIRAM O PAGAMENTO DA TAXA PELO EXTRAVIO DO CARTÃO DE CONSUMO. ACERVO PROBATÓRIO A INDICAR A EXISTÊNCIA DE COAÇÃO POR PARTE DOS FUNCIONÁRIOS DA DEMANDADA SOBRE A AUTORA PARA EMISSÃO DE CHEQUE NO VALOR DE CEM REAIS PARA QUE PUDESSE SAIR DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. TÍTULO DE CRÉDITO SUSTADO. SÓCIO GERENTE DA RÉ QUE FOI ATÉ O LOCAL DE TRABALHO DA DEMANDANTE, AGÊNCIA BANCÁRIA, E A INSULTOU, CHAMANDO-A DE ESTELIONATÁRIA EM FRENTE AOS CLIENTES E A COLEGAS DE TRABALHO. COBRANÇA VEXATÓRIA EM LOCAL DE TRABALHO. ILICITUDE DA CONDUTA DO SÓCIO GERENTE DA DEMANDADA, QUE EXPÔS A AUTORA À SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO DISSABOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ART. 5º, INCS. V E X. CÓDIGO CIVIL DE 1916 ARTS. 159 E 1521. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ARTS. 6º, 42 E 51. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. DANOS MORAIS. CRITÉRIOS RAZOÁVEIS PARA SUA DETERMINAÇÃO. QUANTUM FIXADO PELA SENTENÇA QUE SE MOSTRA EQÜITATIVO E RAZOÁVEL NO CASO CONCRETO E ENCONTRA-SE EM PROPORCIONALIDADE COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO E A GRAVIDADE DO DANO SOFRIDO. AÇÃO MONITÓRIA AJUIZADA PELA DEMANDADA. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO MEDIANTE COAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DA RÉ. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. CORREÇÃO MONETARIA, DE OFÍCIO, A PARTIR DA DATA DA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.009141-9, da comarca da Capital (5ª Vara Cível), em que são apelantes Cachaçaria da Ilha Ltda - ME e outro, e apelada Josiane Ferreira da Silva:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, de ofício, fixar o termo inicial da correção monetária a partir da data da sentença, ressalvado o entendimento pessoal do Exmo. Sr. Des. Ricardo Roesler que entendia que os juros de mora também deveriam ser contados a partir da data da sentença. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Cachaçaria da Ilha - ME e Paulo Roberto Arenhart contra a sentença da lavra do Juiz de Direito Dr. Saul Steil, da 5ª Vara Cível da comarca da Capital, que, em "ação de indenização por perdas e danos morais, materiais e a imagem cumulada com ação de desconstituição e nulidade de título de crédito", i) declarou a nulidade do cheque n. 679688 de emissão da autora contra o Banco Mercantil Finasa S/A; ii) condenou Paulo Roberto Arenhart e Cachaçaria da Ilha Ltda. - ME ao pagamento de indenizações a título de danos morais correspondentes a R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 8.000,00 (oito mil reais) respectivamente, ambas acrescidas de juros de mora e de correção monetária a partir da citação, bem como ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil; iii) julgou improcedente a ação monitória autuada em apenso; iv) manteve a liminar concedida na ação preparatória de busca e apreensão; v) autorizou o saque do valor caucionado de R$ 120,00 (cento e vinte reais - fl. 22 da ação de busca e apreensão).

Os apelantes suscitaram a preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam" de Paulo Roberto Arenhart e, no mérito, alegaram que: a) os danos morais não estariam configurados no caso concreto em virtude da culpa exclusiva da apelada, que teria dado causa ao evento; b) a ação monitória deveria prosseguir. Foram apresentadas contrarrazões (fl. 299/312) e os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.

O Exmo. Sr. Des. Mazoni Ferreira, em decisão monocrática de fls. 320/324, retirou o processo de pauta e deu parcial provimento ao recurso dos apelantes para minorar os danos morais para R$ 2.000,00, julgar improcedente o pedido de desconstituição de título e procedente o pedido monitório, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil (fls. 320/324).

A autora opôs embargos declaratórios (fls. 327/337) que foram acolhidos em parte pelo relator originário, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil (fls. 339/242). Contra esta decisão ambas partes opuseram agravo sequencial (fls. 345/366 e 398/404).

No exercício do juízo de retratação facultado pelo art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil, as decisões monocráticas de fls. 320/324 e 339/342 foram reconsideradas por este signatário para permitir o seguimento ao recurso de apelação com posterior apreciação pelo órgão colegiado (fls. 407/410).

VOTO

1. Das peculiaridades do caso concreto

Josiane Ferreira da Silva propôs ação de indenização por danos materiais e morais c/c nulidade e desconstituição de título em face de Cachaçaria da Ilha Ltda. - ME e Paulo Roberto Arenhart.

A autora alegou que, em 30.06.2000, esteve no estabelecimento comercial demandado e que, ao chegar, foi-lhe entregue um cartão de consumação, em que deveriam ser anotados todos os gastos da autora no local. Afirmou que, por estar em companhia de colegas, anotou os produtos consumidos apenas em uma das comandas.

Ao dirigir-se ao caixa para efetuar o pagamento, a autora noticiou ter percebido que seu cartão de consumação havia sido extraviado dentro do estabelecimento requerido. A comanda fora posteriormente encontrada e nela havia uma marcação de consumo de R$ 16,00 (dezesseis reais).

A demandante afirmou que o estabelecimento não aceitou que ela quitasse o débito constante em seu cartão de consumação. O estabelecimento teria exigido, então, que a autora pagasse a quantia de R$ 100,00 (cem reais) para que pudesse deixar o recinto, taxa cobrada em caso de perda da referida ficha.

A autora emitiu o cheque n. 679688, do Banco Mercantil Finasa S/A, no valor de R$ 100,00 (cem reais), a fim de que os funcionários do estabelecimento requerido permitissem que ela deixasse o local. A demandante sustou o cheque por ter julgado indevida a cobrança da taxa pelo extravio do cartão de consumação.

A demandante informou que o demandado Paulo Roberto Arenhart, ao tomar conhecimento de que ela era funcionária do Banco Mercantil Finasa S/A, procurou a agência bancária em que a autora trabalhava e a insultou, chamando-a de "estelionatária" em frente aos clientes e a colegas de trabalho.

Em 19.07.2000, fora publicada uma nota no Jornal A Notícia, na coluna do jornalista Raul Sartori, cujo título era "Jeitinho" e mencionava que:

"funcionária do Banco Mercantil Finasa, de Florianópolis, paga suas contas nas casas noturnas da cidade e depois usa das facilidades do seu empregador para sustar os cheques. Pior: o banco diz que não pode fazer nada e recomenda aos credores que procurem a justiça". (fl. 38)

A autora afirmou também que o sócio do estabelecimento demandado (Paulo) seria jornalista e teria se aproveitado de sua condição profissional para fazer veicular a nota transcrita, o que teria violado sua honra e sua imagem.

Em contestação, os demandados afirmaram que a cobrança da taxa de extravio do cartão de consumação, no valor de R$ 100,00 (cem reais), seria devida, pois a demandante, ao ingressar no estabelecimento requerido, anuiu com a possibilidade de cobrança da taxa em caso de perda da ficha supracitada.

Alegaram, ainda, que a nota veiculada no Jornal A Notícia não fora encomendada pelo réu pessoa física, mas que este, por estar indignado com o acontecimento, comentou o fato com seu amigo Raul Sartori, que realizou apenas o seu trabalho jornalístico, sem a intenção de denegrir a imagem da requerente, sobretudo porque o nome desta nem sequer foi mencionado no texto.

A sentença de fls. 240/248 condenou os demandados Cachaçaria da Ilha Ltda. - ME e Paulo Roberto Arenhart ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) e R$ 4.000,00 (quatro mil reais) respectivamente, a título de danos morais.

2. Da caracterização do abalo moral

A Constituição da República preceitua:

Art. 5º. [...]

V - É assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem. [...]

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O Código Civil de 1916 estabelecia:

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano

Art. 1521. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522);

No caso concreto, restou comprovado o abalo moral suportado pela autora, pois os representantes da demandada cercearam o seu direito de liberdade ao exigir o pagamento de multa no valor de R$ 100,00 (cem reais) pelo extravio do cartão de consumo, mesmo após a sua localização e a confirmação de que os gastos eram de pequeno valor.

A exigência do pagamento para que a autora pudesse sair do estabelecimento mostrou-se abusiva e arbitrária. A alegação da empresa Cachaçaria da Ilha de que se poderia cogitar da hipótese de que o cartão de consumação extraviado pela autora pudesse ter sido utilizado de forma ilegal por outro cliente, não serve de justificativa para as atitudes adotadas pelos seus prepostos. A empresa demandada deveria encontrar outras alternativas com o intuito de oferecer maior proteção aos direitos e segurança aos interesses de seus clientes.

Verifica-se que a autora procurou de todas as maneiras resolver a situação inclusive com a oferta do valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) para quitar o débito e sair do estabelecimento, o que não foi aceito. A propósito transcreve-se o depoimento da testemunha Carlos Eduardo Santiago:

[...] A requerente teve que ficar esperando por algum tempo, até que os funcionários da ré tentassem resolver o seu problema. Pelo que sabe, a autora e suas amigas tinham marcado tudo o que haviam consumido em um único cartão, que não era aquele que havia sido entregue à primeira. Depois de algum tempo, e levando em conta que os cartões de consumo tinham um determinado número, conseguiu apurar qual era o cartão que havia sido distribuído à requerente.

Descobriram, ainda, que o referido cartão já havia sido entregue no caixa do estabelecimento e que nele estava anotado despesas de pequeno valor. Diante de tal fato, a autora se propôs a pagar o valor anotado no seu cartão. No entanto, os funcionários da ré se recusaram a aceitar tal proposta. O depoente chegou a interferir, dizendo que a autora não deveria ser tratada daquela forma. Em seguida, chegaram três garçons do local e ficaram parados perto da autora, de forma ostensiva, talvez com o objetivo de forçá-la a pagar a quantia pretendida pelo estabelecimento. Um dos referidos garçons também chegou a proferir "gracinhas" à requerente. Em virtude de não ter sido aceita a proposta inicialmente realizada, a autora disse que pagaria R$ 50,00 pela perda de seu cartão. Contudo, tal proposta igualmente não foi aceita e a requerente teve que pagar a quantia de R$ 100,00 para ser liberada. O depoente, que não conhecia a autora até então, ficou inconformado com o que havia acontecido e entregou um cartão contendo seus gastos pessoais para a requerente e disse que se houvesse necessidade, poderia ser procurado para prestar esclarecimentos sobre os fatos. O depoente, ao pagar a sua conta no referido estabelecimento, disse para funcionários que o local era bom, mas que, em razão do mau atendimento e da falta de respeito com a clientela, não mais retornaria [...] (fls. 191/192).

Registre-se que o cartão de consumação imposto pela ré aos seus clientes deve conter todas as informações necessárias para a sua correta utilização. A taxa cobrada pela demandada seria pelo extravio do cartão. No entanto, apesar do cartão de consumação ter sido encontrado, ainda assim, a demandada insistiu na cobrança da referida taxa, o que viola os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor.

Os artigos do Código de Defesa do Consumidor dispõem:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

[...]

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Após todos os transtornos enfrentados pela apelada, esta sustou o cheque n. 679688, do Banco Mercantil Finasa S/A, no valor de R$ 100,00 (cem reais), por considerar indevida a cobrança da taxa pelo extravio do cartão de consumação.

O demandado Paulo Roberto Arenhart, sócio da empresa também demandada, procurou a agência bancária em que a autora trabalhava e chamou-a de "estelionatária" em frente de clientes e dos colegas de trabalho (fl. 137).

Se não bastasse, no dia 19.07.2000, foi publicada uma nota no Jornal A Notícia, na coluna do jornalista Raul Sartori, cujo título era "Jeitinho" :

"funcionária do Banco Mercantil Finasa, de Florianópolis, paga suas contas nas casas noturnas da cidade e depois usa das facilidades do seu empregador para sustar os cheques. Pior: o banco diz que não pode fazer nada e recomenda aos credores que procurem a justiça". (fl. 38)

Colhe-se do depoimento de Roberto Machado Santiago:

[...] Que estava no mesanino da agência bancária onde a autora trabalha tendo se dirigido ao térreo ao escutar alguém falar muito alto o nome da autora e de que esta seria estelionatária, não se recordando as palavras que forma ditas [...] que o depoente precisou defender a autora em razão da matéria veiculada o jornal local senão a autora teria ido para rua; que tal defesa foi aceita; que a autora era uma ótima funcionária, sendo a melhor que eles tinham, nunca se tendo ouvido falar nada sobre a mesma; que a autora trabalha lá uns 6 anos; que em face da notícia do jornal ficou muito chato para a autora pois ela é bastante conhecida da área de financiamento e muitas pessoas ligaram para a autora para saber o que ocorrera; que ao ler a matéria um diretor de Joinville contactou com a agência do depoente sendo identificado a autora como sendo a pessoa do fato, ocasião em que a notícia correu entre o banco; que a situação gerou constrangimento para a autora, destacando o depoente que esta estava de férias e voltou um pouco diferente, isto é, com medo, agitada, receio de demissão, mas em poucos dias tudo se acalmou [...] que a agência da época contava com 21 funcionários; que não escutou o sujeito identificar-se mas viu que ele portava o mesmo para cobrar. [...] que escutou tal sujeito afirmar que a autora era estelionatária em tom alto para todos ouvirem; que o fato ocorreu por volta do meio dia; que nesse horário muitos funcionários saem para almoçar, ficando uns 04 funcionários na parte de baixo da agência contando com o depoente; que na parte de cima havia mais um funcionário; que em tal horário não havia fila bancária e no máximo um ou dois clientes; que o fato do sujeito foi anterior da notícia veiculada no jornal; que Célia é supervisora de atendimento; que lembra que foram usadas outras expressões pelo sujeito maculando a imagem da autora, contudo o depoente não se recorda dos termos. (fl. 137).

A testemunha Christiani da Glória Nascimento declarou:

[...] Que a declarante trabalha no mesmo local de serviço da autora. Que mais tarde a declarante leu um jornal de circulação local, uma nota sobre os fatos e confere com aquela mencionada às fls. 38. Segundo a declarante, o Diretor regional do Banco, sediado na Cidade de Joinville, tomou conhecimento da nota através de um cliente. Em função disto o gerente do banco teve que fazer um informação a Matriz do mesmo. [...] Que a declarante tomou conhecimento quando um funcionário da ré se dirigiu ao Gerente do Banco sacado, local onde trabalha a autora e ao ouvir pessoas falando alto na gerência, a declarante foi até o hall da escada onde ouviu que se tratavam de comentários sobre a autora. Que a declarante não atentou para os detalhes da conversa entre o funcionário da ré e o gerente do Banco, mas como foi ventilado o nome da autora, ao retornar para seu posto de serviço os demais funcionários perguntam o que estava acontecendo com a autora; Quando a declarante veio até o hall da escada haviam clientes no Banco. [...] Que face a rotatividade de gerentes existem brincadeiras nos seguintes termos: "sim, vocês saem, fazem gastos e não querem pagar a conta"; Inclusive para vir a esta audiência, a declarante teve que dar explicações ao gerente e dizer o que vinha fazer. (fls. 160/161).

Acrescentam-se como parte das razões de decidir, os argumentos lançados na sentença de 1º grau:

[...] É inegável que houve extravio do cartão, situação que deveria ter sido solucionada sem maiores alarde através de pesquisa para averiguação se a comanda havia passado pelo caixa, no entanto, foi imposto de forma negligente, arbitrária e ilícita a autora e suas amigas a punição de ficar esperando o encerramento do movimento diário, para só então fazer o levantamento condicionado a emissão do cheque indenizatório para liberá-las. [...]

Impende observar que a vergonha, sofrimento e angústia infligida a autora naquela noite não são passíveis de reconstituição material, contudo, pelas provas juntadas aos autos é fácil de identificar a falta de auto controle do representante da ré e sua conduta prepotente em situações que tenha sua discordância, conforme demonstrada na agência bancária; prescindida pela posição tomada ao veicular nota no jornal, com o intuito de intimidar e desmoralizar a autora. [...]

Como se depreende das provas testemunhais e documentais acima transcritas, os prepostos da ré agiram com negligência para resolver a situação, demonstrando total falta de preparo exigido para exercer a atividade, restando evidenciado que a situação em questão, a autora sofreu humilhação, angústia e insegurança em virtude da arbitrariedade e desconsideração total protagonizado pelos agentes da requerida.

O nexo causal está materializado pelo binômio conduta do agente (representante da requerida) e o dano causado (ofensa moral). (fls. 243/244 e 246)

Dessa maneira, está caracterizado o dever de indenizar a autora por parte dos demandados.

A respeito do tema, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu:

1) Recurso Inominado n. 1002926475, DE PORTO ALEGRE,

TERCEIRA TURMA RECURSAL CÍVEL, REL. DR. JERSON MOACIR GUBERT, J. 27.01.2011:

DANOS MORAIS. COBRANÇA VEXATÓRIA. LOCAL DE TRABALHO. ILICITUDE DA CONDUTA DA RÉ, QUE EXPÔS A AUTORA À SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO DISSABOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM MANTIDO. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE.

1. Evidente o abalo moral sofrido pela autora diante da situação narrada, porquanto a cobrança realizada deu-se em seu ambiente de trabalho, em frente a colegas, com fortes indícios de que foi assim realizada com intuito de constrangimento.

2. Dever de indenizar reconhecido. Quantum indenizatório que não comporta redução, por adequado ao caso concreto.

RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.

2) Apelação Cível n. 70039601083, DE PAROBÉ, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, REL. DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, J. 29.12.2010: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. COBRANÇA VEXATÓRIA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Comprovada a ilicitude do ato praticado pelos prepostos da ré, que dirigiram-se até a residência dos autores e os coagiram a pagar o débito ou devolverem o objeto adquirido na loja demandada, submetendo-a a situação de constrangimento e humilhação, resta caracterizado o dano moral puro e evidente a obrigação de indenizar. Prova testemunhal que corrobora a versão dos fatos exposta na inicial. Relevância ao princípio da identidade física do juiz, que estando em contato direto com as partes e testemunhas encontra-se em melhores condições de alcançar a verdade real. Condenação mantida. [...]

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deliberou em Apelação Cível n. 1.0647.05.051615-0/001, de São Sebastião do Paraíso, 14ª Câmara Civel, rel. Des. Renato Martins Jacob, j. 06.09.2006:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PRINCÍPIO DA INDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA. INOCORRÊNCIA. COBRANÇA DE DÍVIDA. CONSTRANGIMENTO. AMEAÇA. VEDAÇÃO. ARTIGO 42, CAPUT, CDC. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.

[...] Não há qualquer irregularidade na cobrança de dívida pelo fornecedor, desde que não exponha o devedor a ridículo, nem o submeta a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Inteligência do artigo 42, caput, do Código de Defesa do Consumidor.

Se em decorrência da cobrança abusiva o consumidor passa por situação vexatória no seu local de trabalho, ficando envergonhado publicamente, a indenização por danos morais se afigura devida.

Como não é possível encontrar um critério objetivo e uniforme para a avaliação dos interesses morais afetados, a medida do ressarcimento deve ser fixada ao prudente arbítrio do Juiz, levando em conta as circunstâncias do caso, a situação econômica das partes e a gravidade da ofensa.

3. Do quantum indenizatório

O quantum indenizatório deve atender a critérios de razoabilidade e proporcionalidade e entrelaçar-se com a situação econômica daquele que causou o dano e a condição do lesado. Na fixação da verba indenizatória pelo dano moral puro, o juiz deve atentar para os motivos, as circunstâncias e as conseqüências da ofensa bem assim para a situação de fato e o grau de culpa com que agiu o ofensor.

Nestas circunstâncias, estipula-se o valor da compensação em consonância com a proporcionalidade e equivalência ao dano sofrido. REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA em Novo Código Civil comentado, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 841, anota:

No entanto, a reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc. (v. Carlos Alberto Bittar,

Os direitos da personalidade, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por dano morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 57-65; Yussef Said Cahali, Dano moral, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 199, p. 42; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 148 e 149).

Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano.

Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito.

No caso concreto, observa-se que a empresa Cachaçaria da Ilha Ltda e seu sócio gerente Paulo Roberto Arenhart estão na condição de responsáveis pela reparação dos danos sofridos pela autora. A referida empresa atua no ramo de lazer e tem reconhecimento no cenário do entretenimento da Capital. O sócio gerente Paulo Roberto Arenhart é empresário e jornalista.

A autora, por seu turno, é bancária e recebia o salário de R$ 520,68 (quinhentos e vinte reais e vinte e oito centavos) à época do ajuizamento da ação em 25.08.2000.

O abalo moral é evidente e são presumíveis os reflexos nocivos derivados das atitudes tomadas pela empresa demandada e por seu sócio gerente.

Verifica-se que os valores arbitrados pela sentença, a saber: R$ 8.000,00 (oito mil reais) a serem suportados pela Cachaçaria da Ilha Ltda. e R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por Paulo Roberto Arenhart respectivamente mostram-se eqüitativos e razoáveis no caso concreto e encontram-se em proporcionalidade com as circunstâncias de fato e a gravidade do dano sofrido.

4. Da ação monitória

O cheque emitido pela autora no valor de R$ 100,00 (cem reias) foi corretamente sustado, pois está comprovado que a cártula fora emitida mediante coação.

A Lei n. 7357/1985 dispõe: " Art. 36. Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito".

O Código Civil de 1916 previa: "Art. 98 - A coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa, à sua família, ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido".

PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, em Novo Curso de Direito Civil. 9ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 356 lecionam:

[...] Entende-se como coação capaz de viciar o consentimento toda violência psicológica apta a influenciar a vítima a realizar negócio jurídico que a sua vontade interna não deseja efetuar. [...] A coação moral ("vis compulsiva"), por sua vez, é aquela que incute na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu espírito, fazendo com que ela manifeste seu consentimento de maneira viciada. [...]

Por não tolher completamente a liberdade volitiva, é causa de invalidade (anulabilidade) do negócio jurídico, e não de inexistência.

Logo, a ação monitória não pode prosseguir diante da existência de vício de consentimento na emissão da cartula, o que enseja a nulidade do negócio jurídico.

5. Da correção monetária

O magistrado de primeiro grau definiu que a correção monetária deveria incidir desde a citação.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça assentou que sobre o valor da condenação deve incidir correção monetária a partir da data de sua fixação. A respeito do tema, colhe-se precedente da Corte Superior no EDcl no REsp 998935/DF, rel. Min. Vasco Della Giustina, Terceira Turma, DJe 08.10.2010:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO JORNALÍSTICA. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. RECURSO SUBSCRITO POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. SÚMULA 115/STJ.

[...] 2. A correção monetária do valor da indenização por danos morais incide, nos termos da Súmula n.º 632/STF, desde a data do arbitramento, tendo em vista que, no momento de sua fixação, leva o julgador em conta a expressão atual de valor da moeda.

Dessa maneira, define-se, de ofício, o termo inicial da correção monetária a partir da data da sentença.

DECISÃO

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso e, de ofício, fixa-se o termo inicial da correção monetária a partir da data da sentença, ressalvado o entendimento pessoal do Exmo. Sr. Des. Ricardo Roesler que entendia que os juros de mora também deveriam ser contados a partir da data da sentença.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Sérgio Izidoro Heil e Des. Ricardo Roesler.

Florianópolis, 10 de março de 2010.

Nelson Schaefer Martins

PRESIDENTE E RELATOR

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