Salário de R$ 25 mil não impede acesso à Justiça gratuita
A 4ª turma do TST reconheceu o direito ao benefício ao reclamante.
Da Redação
sexta-feira, 11 de março de 2011
Atualizado às 08:53
De acordo com a jurisprudência do TST, o pedido de concessão do benefício da Justiça gratuita pode ser feito pela parte a qualquer momento ou grau de jurisdição. Na fase recursal, basta que o requerimento seja formulado dentro do prazo do recurso. Seguindo essa interpretação, a 4ª turma do TST reconheceu o direito ao benefício a um ex-empregado do Condomínio Soluções de Tecnologia que, ao ser demitido, recebia salário de R$ 25 mil. A decisão, unânime, seguiu o voto da relatora do recurso de revista do trabalhador, ministra Maria de Assis Calsing.
O TRT da 2ª região/SP havia rejeitado o recurso ordinário do empregado por entender que existia deserção, pois a parte não pagara as custas processuais. O TRT recusou o argumento do trabalhador de que requerera o benefício da Justiça gratuita nos embargos declaratórios apresentados logo após a sentença, apesar de o juiz nada ter comentado sobre o assunto ao rejeitar os embargos.
Pela avaliação do TRT da 2ª região, o trabalhador recebia remuneração expressiva: R$ 25 mil (equivalente a cerca de 60 salários mínimos). Também ganhou mais de R$ 95 mil quando saiu da empresa, por desligamento voluntário, e firmou acordo com o empregador. Na hipótese, o TRT presumiu que o profissional havia conquistado riqueza suficiente para suportar as custas do processo.
Contudo, a ministra Maria Calsing esclareceu que a jurisprudência do TST não faz esse tipo de restrição. A relatora destacou que o artigo 4º da lei 1.060/50 (clique aqui), com redação dada pela lei 7.510/86 - clique aqui, admite a concessão da assistência judiciária gratuita "mediante a simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família". E, nos termos do artigo 1º da lei 7.115/83 (clique aqui), presume-se verdadeira a declaração de pobreza.
A relatora lembrou também que o artigo 790 da CLT (clique aqui) autoriza a concessão da Justiça gratuita àqueles que declararem não ter condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou da família - e que o deferimento do pedido de isenção de custas pode ocorrer até mesmo depois da sentença, como no caso.
Preclusão
Durante o julgamento, o advogado da empresa sustentou que a matéria estava preclusa, porque o empregado não havia renovado o pedido em embargos declaratórios. Mas o ministro Barros Levenhagen, presidente da 4ª turma, chamou a atenção para o fato de que o TRT não se pautou preponderantemente na preclusão para decidir o processo.
Na verdade, o TRT da 2ª região emitiu tese contrária à jurisprudência do TST - a de que o empregado recebia remuneração expressiva e, por isso, não tinha direito ao benefício da Justiça gratuita.
O ministro explicou que não existe presunção de que a parte possa arcar com as custas processuais: tem de haver prova. A declaração do empregado faz presunção, e aí é preciso a contraprova para desconstituir a declaração firmada.
A 4ª turma, portanto, declarou a isenção do recolhimento das custas processuais e afastou a deserção. O processo retorna agora ao TRT, para que o recurso ordinário seja julgado.
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Processo Relacionado : RR-97900-14.2006.5.02.0059 - clique aqui.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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ACÓRDÃO
RECURSO DE REVISTA. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. VALIDADE. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 4.º DA LEI N.º 1.060/50 E NO ARTIGO 1.º DA LEI N.º 7115/83. DEFERIMENTO. Tendo sido evidenciado nos autos que o Reclamante declarou expressamente que não pode arcar com os custos do processo sem prejuízo do seu sustento e de sua família, nos termos do disposto no art. 4.º da Lei n.º 1.060/50, e de acordo com o artigo 1.º, da Lei n.º 7.115/83, deve ser considerado beneficiário da justiça gratuita. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido para, afastando a deserção, determinar o retorno dos autos ao TRT de origem para que julgue o Recurso Ordinário Obreiro como entender de direito.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-97900-14.2006.5.02.0059, em que é Recorrente LUIZ PUNTEL e Recorrido CONDOMÍNIO SOLUÇÕES DE TECNOLOGIA S.A.
RELATÓRIO
Contra a decisão proferida pelo TRT da 2.ª Região, a fls. 281/282 e 295, que não conheceu do Recurso Ordinário, por deserção, o Reclamante interpõe Recurso de Revista, conforme razões a fls. 297/332.
O Apelo foi admitido pelo despacho a fls. 335/336.
Foram apresentadas contrarrazões, a fls. 337/353.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, na forma regimental.
É o relatório.
VOTO
Atendidos os pressupostos gerais de admissibilidade (o recolhimento das custas se confunde com o mérito do recurso), passo ao exame dos pressupostos intrínsecos, próprios do Recurso de Revista.
I - CONHECIMENTO
1 - PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Sustenta o Reclamante que, embora provocado pela via própria dos Embargos de Declaração, o TRT de origem deixou de adotar tese explícita acerca dos seguintes tópicos: 1) concessão dos benefícios da justiça gratuita frente aos requisitos da Lei 1.060/50; e, 2) validade do requerimento formulado a qualquer tempo pelo interessado, desde que durante a fase recursal, conforme a OJ-269, da SBDI1, do TST. O Recurso veio calcado em violação do artigo 5.º, incisos XXXV, LIV e LV, da CF, bem assim em divergência jurisprudencial.
Inviável, no entanto, a cognição pretendida, vez que o Recorrente formulou o seu Apelo, no particular, em desacordo com o que direciona a OJ-SBDI1-TST n.º 115, segundo a qual -o conhecimento do Recurso de Revista ou de embargos, quanto à preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, supõe indicação de violação do art. 832 da CLT, do art. 458 do CPC ou do art. 93, IX, da CF/1988-.
Não conheço.
2 - JUSTIÇA GRATUITA
O Regional indeferiu o pedido de justiça gratuita formulado pelo Reclamante, não conhecendo, por consequência, do seu Recurso Ordinário, por deserção, pelas seguintes razões (a fls. 281/282):
-Alega o Recorrido que o demandante não pleiteou a inicial o benefício da justiça gratuita, e tampouco trouxe declaração de pobreza.
Realmente na inicial não logrou o autor requerer o benefício, e somente ao ensejo da interposição de Embargos de Declaração anexou a declaração de miserabilidade (fl. 196).
Conforme se dessume da documentação encartada a fls. 28/34, o autor auferia remuneração expressiva, R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Ou seja, praticamente 60 salários mínimos (MP n.º 421, de 29/02/2008).
Afasta-se a aplicação do artigo 790, parágrafo 3.º, da CLT, mesmo porque, quando do desligamento, recebeu a significativa importância de R$95.458,23 (docs. ns.º 70/73) ao firmar transação extrajudicial com a empresa. Presume-se, pois, haja amealhado riqueza suficiente para suportar os ônus do preparo.
DO EXPOSTO, acolho a preliminar de deserção, suscitada nas contrarrazões, e NÃO CONHEÇO do recurso, em face da deserção.-
Em suas razões de Revista, o Reclamante afirma, em síntese, que faz jus ao benefício da justiça gratuita, pois declarou expressamente sua situação de pobreza, providência que entende poder ser tomada a qualquer tempo, havendo presunção de veracidade quanto à referida declaração. Colaciona arestos com o intuito de demonstrar divergência jurisprudencial (a fls. 314/319, 319/325 e 326/331) e aponta violação dos seguintes dispositivos: 5.º, LXXIV, da CF; 790, parágrafo 3.º, da CLT; 1.º, da Lei n.º 7.115/83; e, 4.º, parágrafo 1.º, da Lei 1.060/50.
Com efeito, a questão está regulada pelo art. 4.º da Lei n.º 1.060/50, o qual estabelece a necessidade de se deferir assistência judiciária gratuita -mediante a simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família- (redação dada pela Lei n.º 7.510/1986).
Também não se podem desconsiderar os termos do artigo 1.º, da Lei n.º 7.115/83, cuja literalidade é a seguinte:
-Art. 1.º - A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interesse ou por procurador bastante, e sob as penas da Lei, presume-se verdadeira.-
Tal regra afasta a interpretação firmada pelo Regional no sentido argumentar acerca do salário que o Autor percebia, para fins de considerar válida ou não a declaração firmada pela parte reclamante. Nesse sentido, já decidiu este Tribunal, como demonstra a ementa a seguir transcrita:
-RECURSO ORDINÁRIO. DESERÇÃO. RECOLHIMENTO DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. VALIDADE DA DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
1..............................................................................................................
2. O recebimento de indenização por adesão a Programa de Desligamento Incentivado não se revela suficiente, de per si, ao afastamento da declaração de insuficiência econômica firmada pela obreira, nos termos da lei e sob as penalidades ali previstas. Inteligência do artigo 4.º, § 1.º, da Lei n.º 1.060/50, com a redação dada pela Lei n.º 7.510/86, assim como do artigo 5.º, LXXIV, da Constituição da República. Recurso de Revista conhecido e provido.- (RR - 5754/2003-036-12-00, Ac. 1.ª Turma, Relator Ministro Lélio Bentes Corrêa, decisão publicada no DJU de 7/11/2008.)
Ademais, em razão da nova redação dada ao art. 790 da CLT, há de se conceder a gratuidade de justiça, até mesmo ex officio, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Assim, o deferimento do pedido de isenção de custas pode ocorrer até mesmo após a prolação da sentença. Nesse sentido, a jurisprudência:
-Custas. Momento de requerer a gratuidade da justiça. O pedido de justiça gratuita pode ser feito em qualquer tempo ou grau de jurisdição, conquanto na fase recursal seja o requerimento formulado no prazo alusivo ao recurso. A concessão da gratuidade da justiça é facultada aos Presidentes dos Tribunais, embora tenham as custas sido fixadas pelo acórdão recorrido, porque, além de a prerrogativa ser-lhes conferida pelo § 9.º do art. 789 da CLT, cabe a eles o crivo da admissibilidade do recurso interposto. Agravo de Instrumento a que se dá provimento.- (TST, AIRO 214209, Ac. SDI II, Rel. Min. Ronaldo José Lopes Leal, publicado no DJ de 22/5/1998.)
Diante do exposto, conheço do Recurso de Revista por violação do artigo 1.º, da Lei n.º 7.115/83.
II - MÉRITO
1 - DA JUSTIÇA GRATUITA
Conhecido o Recurso de Revista por violação legal, a consequência lógica é o seu provimento para, reconhecendo ser o Recorrente destinatário dos benefícios da justiça gratuita, declarar a isenção do recolhimento das custas processuais e afastar a deserção do seu Recurso Ordinário, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que julgue o Recurso Ordinário Obreiro como entender de direito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista quanto ao pedido de concessão da justiça gratuita, por violação do artigo 1.º, da Lei n.º 7.115/83, para, no mérito, reconhecendo ser o Recorrente destinatário dos benefícios da justiça gratuita, declarar a isenção do recolhimento das custas processuais e afastar a deserção do seu Recurso Ordinário, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que julgue o Recurso Ordinário Obreiro como entender de direito.
Brasília, 16 de fevereiro de 2011.
Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)
Maria de Assis Calsing
Ministra Relatora