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STJ - Unimed deve pagar prótese de platina a paciente mesmo sem previsão contratual

A 4ª turma do STJ determinou que a Unimed Vitória Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. pague pelas próteses de platina colocadas por um segurado, mesmo havendo no contrato previsão expressa de que o plano de saúde não cobria o fornecimento de próteses e órteses de qualquer natureza.

Da Redação

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Atualizado às 15:49


Plano de saúde

STJ - Unimed deve pagar prótese de platina a paciente mesmo sem previsão contratual

A 4ª turma do STJ determinou que a Unimed Vitória Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. pague pelas próteses de platina colocadas por um segurado, mesmo havendo no contrato previsão expressa de que o plano de saúde não cobria o fornecimento de próteses e órteses de qualquer natureza.

Os ministros consideraram legítima e válida a cláusula limitativa de fornecimento de prótese, pois a amplitude do serviço prestado pelo plano de saúde está condicionada à contraprestação financeira que o contratante se propõe a pagar. Porém, eles entenderam que as limitações contratuais impostas por uma contratação menos ampla não podem impedir o cumprimento de outros procedimentos contratados.

No caso analisado, o segurado sofreu um acidente e precisou de cirurgia para colocar prótese de platina na perna direita, devido a fraturas. A operação foi realizada por força de liminar, mediante caução prestada pelo paciente. O juízo de primeiro grau condenou a Unimed a pagar a prótese, mas o TJ/ES decidiu que o ônus era do segurado, em razão da cláusula limitativa prevista no contrato, assinado antes da vigência da lei 9.656/98 (clique aqui).

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o fornecimento da prótese era essencial para o sucesso do procedimento coberto pelo plano de saúde. "Daí porque a jurisprudência do STJ é uníssona em repudiar a recusa de fornecimento de instrumental cirúrgico ou fisioterápico, quando este se encontrar proporcionalmente interligado à prestação contratada", explicou Salomão.

O relator ressaltou que essa recusa fere o CDC (clique aqui) e a exigência do comportamento pautado pela boa-fé objetiva, "por conferir ao hipossuficiente desvantagem desproporcional, ademais escamoteada em cláusula limitativa cujo alcance se torna bem maior do que inicialmente imaginado, apanhando inclusive os procedimentos cobertos pelo plano ou seguro". Salomão destacou que o STJ já aplicava as regras do CDC nos contratos de plano de saúde antes mesmo da vigência da lei 9.656/98.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

___________

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : EVAL GALAZI

ADVOGADO : RAPHAEL T C GHIDETTI E OUTRO(S)

RECORRIDO : UNIMED VITÓRIA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

A DVOGADOS : GUSTAVO SICILIANO CANTISANO

MARCELO SCHUNK GARDIOLI E OUTRO(S)

EMENTA

CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA LIMITATIVA DE FORNECIMENTO DE PRÓTESES. INAPLICABILIDADE. CIRURGIA CUJO SUCESSO DEPENDE DA INSTALAÇÃO DA PRÓTESE.

1. Malgrado válida, em princípio, a cláusula limitativa de fornecimento de próteses, prevendo o contrato de plano de saúde, no entanto, a cobertura de determinada intervenção cirúrgica, mostra-se inaplicável a limitação caso a colocação da prótese seja providência necessária ao sucesso do procedimento.

2. No caso, é indispensável a colocação de próteses de platina para o êxito da cirurgia decorrente de fratura de tíbia e maléolo.

3. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Eval Galazi ajuizou ação com rito ordinário em face de Unimed Vitória - Cooperativa de Trabalho Médico, noticiando que sofreu um acidente e necessitou se submeter a intervenção cirúrgica para colocação de prótese de platina em seu membro inferior direito, em razão de fratura da tíbia e maléolo. No entanto, apesar de associado do plano de saúde da ré, há mais de dez anos, o hospital conveniado não pôde iniciar a cirurgia, diante da negativa de autorização por parte da requerida, ao argumento de que o contrato não previa tal cobertura. Entendendo o autor que a cláusula limitativa era abusiva e feria os preceitos do Código de Defesa do Consumidor e a função social do contrato, requereu antecipação da tutela e, no mérito, a anulação da mencionada cláusula e a condenação da ré em fornecer as próteses de platina para a realização da cirurgia.

A liminar foi concedida mediante prestação de caução (e-STJ, fls. 60/61 e 72).

Unimed Vitória - Cooperativa de Trabalho Médico contestou e reconveio, alegando nesta última a ausência de previsão contratual para a cobertura médica pleiteada pelo autor, e, em razão da liminar concedida e cumprida, fosse o autor-reconvindo condenado a ressarcir a ré-reconvinte as despesas experimentadas com a cirurgia.

O Juízo de Direito da 2ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Colatina/ES julgou procedente o pedido autoral e improcedente o reconvencional (e-STJ, fls. 154/159).

Em grau de apelação, todavia, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, deu provimento ao recurso interposto pela ré para julgar improcedente o pedido deduzido pelo autor e procedente o pedido da reconvinte, nos termos da seguinte ementa:

EMENTA: CONSUMIDOR. SEGURO SAÚDE. CLÁUSULA LIMITADORA DA COBERTURA. FORNECIMENTO DE PRÓTESE. ABUSIVIDADE. INOCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA LEI N.º 9.656/98. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. REFORMA DA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ACOLHIMENTO DA RECONVENÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO.

1. Não se aplicam as prescrições da Lei n.º 9.656/98 aos contratos firmados anteriormente à sua promulgação, especialmente se não há prova da opção do consumidor ao novo regime legal (art. 35, §1º, da Lei n.º 9.656/98), sobretudo por haver o STF suspendido a eficácia "do art. 35-G, remunerado como 35-E pela Medida Provisória 2.177/2001, que estabelece a aplicação da Lei 9.656/98 a contratos celebrados anteriormente à sua vigência" (Informativo 317, do STF). Inteligência do art. 11, §1º, da Lei n.º 9.868/99, em atendimento à ADIn 1.931/DF.

2. Não se adequa ao conceito de cláusula abusiva (art. 51, inciso IV, da Lei n.º 8.078/90), a previsão de contrato de seguro saúde que exclui, de forma clara e expressa, da cobertura contratual, o fornecimento de prótese, especialmente em decorrência de ser a extensão do rol de cobertura o critério utilizado pelo fornecedor para estabelecer o preço da contraprestação a seus serviços.

3. A opção pela extensão da cobertura é feita pelo consumidor, quando adere a produto ofertado pelo fornecedor, de sorte que sua alegação de nulidade, atinente justamente aos serviços não cobertos, repercute em manifesto prejuízo ao prestador de serviços.

4. Observância à função social do contrato (art. 421, do CC) e à boa-fé (art. 422, do CC), vez que a cláusula, de conteúdo unívoco, é fiel à comutatividade da contratação e não destitui o contrato de objeto.

5. A inocorrência de nulidade de cláusula importa na improcedência do pedido inicial, com inversão dos ônus de sucumbência, especialmente porque o encargo de prestação do serviço público de saúde é inerente ao Poder Público, não podendo ser transferido ao particular (art. 5º, inciso II, da CF/88).

6. A reconvenção, por seu turno, deve ser acolhida, ante a validade da cláusula contratual de exclusão de serviço, condenando-se o consumidor ao ressarcimento dos valores despendidos com o fornecimento de serviço não contratado, acrescido de juros e correção monetária, e ao pagamento de honorários de advogado, no percentual de 10% sobre o valor a ser apurado em liquidação de sentença.

7. Apelo conhecido e provido. Sentença reformada. (e-STJ, fls. 203/204) Sobreveio, assim, recurso especial arrimado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual se alega ofensa aos art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, art. 422 do Código Civil e art. 10 da Lei n.º 9.656/98. Sustenta o recorrente, em linhas gerais, a desproporcionalidade da cláusula limitativa, gerando vantagem indevida à recorrida, bem como a inocuidade do plano de saúde, se mantida a cláusula, uma vez que prevê "cobertura para cirurgia em geral, no entanto, retira do fornecimento meios adequados para o êxito da intervenção cirúrgica" (e-STJ, fl. 223).

Contra-arrazoado (e-STJ, fls. 246/251), o especial foi admitido (e-STJ, fls 253/254).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão principal controvertida é em relação a validade de limitação, em plano de saúde, para fornecimento ao autor-associado de prótese de platina, necessária à realização de cirurgia de tíbia e maléolo. O contrato foi firmado em 25 de abril de 1993, anterior a Lei 9656/98.

O acórdão recorrido entendeu válida a cláusula contratual que exclui dos serviços segurados o fornecimento de "próteses e órteses de qualquer natureza".

Primeiro porque não se aplicaria a Lei n.º 9.656/98 a contratos celebrados antes de sua vigência, mormente depois de suspensa a eficácia do art. 10, § 2º, do mencionado diploma, por força de concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn n.º 1.931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio). Em segundo argumento, pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, não vislumbrou o acórdão recorrido qualquer abusividade na cláusula limitativa do fornecimento de próteses, mesmo porque "a partir do rol de cobertura escolhido pelo consumidor, fixará o fornecedor a contraprestação contratual devida, o preço a ser pago pela prestação de serviços".

3. É bem verdade que a amplitude do serviço prestado pelo plano de saúde encontra-se condicionada à contraprestação financeira a que se propõe a arcar o contratante, o consumidor. Não fosse assim, estaria ferido de morte o equilíbrio contratual, não havendo quem se interessaria por essa hoje reconhecida e lucrativa atividade empresarial.

Porém, não é menos verdade que eventuais limitações contidas no contrato de seguro ou plano de saúde não podem implicar, de forma dissimulada, a inoperância de outras coberturas, ou até mesmo da cobertura principal, para as quais houve regular contratação.

Em outras palavras, as limitações contratuais decorrentes de uma

contratação menos ampla, o que é, em princípio, legítimo, não podem obstar o adimplemento, por parte do plano de saúde, de outras prestações contratadas.

Nessa linha de raciocínio, mostra-se evidente que, a prosperar a tese sufragada no acórdão recorrido, estar-se-ia a chancelar a possibilidade de o plano de saúde fornecer os fins, a cirurgia, não fornecendo os meios - os instrumentos necessários a tal desiderato. Necessariamente, nessa hipótese, a vontade do consumidor estaria viciada por ocasião da assinatura do contrato, porquanto é impossível, de antemão, saber se para determinado tratamento seria necessária a utilização de próteses cujo fornecimento é excluído pela avença.

4. Daí por que a jurisprudência da Casa é uníssona em repudiar a recusa de fornecimento de instrumental cirúrgico ou fisioterápico, quando este se encontrar proporcionalmente interligado à prestação contratada, como é o caso de próteses essenciais ao sucesso das cirurgias ou tratamento hospitalar decorrente da própria intervenção cirúrgica.

A recusa fere o art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, bem como a exigência de comportamento pautado pela boa-fé objetiva, por conferir ao hipossuficiente desvantagem desproporcional, ademais, escamoteada em cláusula limitativa cujo alcance se torna bem maior do que inicialmente imaginado, apanhando inclusive os procedimentos cobertos pelo plano ou seguro.

Era assim mesmo antes do advento da Lei 9656/98, com a Corte aplicando diretamente as regras do estatuto consumerista.

Nesse sentido, confiram-se os precedentes:

DIREITO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA AUTORIZADA. AUSÊNCIA DE COBERTURA DA COLOCAÇÃO DE PRÓTESES INDISPENSÁVEIS PARA O SUCESSO DO PROCEDIMENTO. I - É legal em contrato de plano de saúde a cláusula que limite os direitos do consumidor, desde que redigida com as cautelas exigidas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2 - Entretanto, se a colocação de próteses é necessária para o tratamento cirúrgico autorizado pela seguradora, é abusiva a cláusula que prevê sua exclusão da cobertura. Recurso Especial provido. (REsp 811.867/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 22/04/2010)

_________________________

DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. SEGURO SAÚDE. CONTRATAÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CDC E À LEI 9.656/98. EXISTÊNCIA DE TRATO SUCESSIVO. INCIDÊNCIA DO CDC, MAS NÃO DA LEI 9.656/98. BOA-FÉ OBJETIVA. PRÓTESE NECESSÁRIA À CIRURGIA DE ANGIOPLASTIA. ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DE "STENTS" DA COBERTURA SECURITÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE REPARAR OS DANOS MATERIAIS.

(...)

- A cláusula geral de boa-fé objetiva, implícita em nosso ordenamento antes da vigência do CDC e do CC/2002, mas explicitada a partir desses marcos legislativos, impõe deveres de conduta leal aos contratantes e funciona como um limite ao exercício abusivo de direitos.

- O direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de forma a subtrair do negócio sua finalidade precípua. Assim, se determinado procedimento cirúrgico está incluído na cobertura securitária, não é legítimo exigir que o segurado se submeta a ele, mas não instale as próteses necessárias para a plena recuperação de sua saúde.

(...)

Recurso especial a que se dá parcial provimento.

(REsp 735.168/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 26/03/2008)

_________________________

5. Como visto, mostra-se, em princípio, legítima a limitação contratual em não fornecer próteses e órteses ao segurado, porquanto a tanto seria necessária contraprestação financeira por parte do contratante. Por essa razão, não é o caso de declarar nula, às inteiras, a indigitada cláusula limitativa, mas somente de reconhecer sua inaplicabilidade a procedimentos cirúrgicos, cobertos pelo contrato, nos quais o fornecimento de prótese se mostre necessário ao sucesso da intervenção.

Tal solução fora engendrada pelo saudoso Ministro Menezes de Direito, na relatoria do REsp. n.º 519.940/SP:

"Tenho que a posição mais acertada não é a indiscriminada declaração de abusividade de cláusulas limitativas, mas sim o estudo do caso concreto, levando em conta as suas nuanças, as peculiaridades identificadas. Na minha compreensão, em casos como o presente o julgador deve observar sempre a ligação do que pretende o segurado com a patologia coberta pelo Plano; se a cobertura desejada está vinculada a um ato ou procedimento coberto, sendo patologia de conseqüência, não se pode considerar como incidente a cláusula proibitiva, sob pena de secionarmos o tratamento que está previsto no contrato".

Com efeito, malgrado válida, em princípio, a cláusula limitativa de fornecimento de próteses, prevendo o contrato de plano de saúde, no entanto, a cobertura de determinada intervenção cirúrgica, mostra-se inaplicável a limitação caso a colocação da prótese seja providência necessária ao sucesso do procedimento.

De outra parte, é incontroverso nos autos que se mostra indispensável a colocação de próteses de platina para o êxito da cirurgia decorrente de fratura de tíbia e maléolo. Conforme fundamentado pelo juízo sentenciante, "a prótese é necessária para o exercício da função de andar, logo necessária a intervenção cirúrgica" (e-STJ, fl. 61), premissa fática à qual se vincula esta instância especial.

4. Diante do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença, inclusive nos consectários legais. É como voto.

Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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