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TJ/SC - Música executada pelos autores não recolhe direito autoral

2ª câmara de Direito Público do TJ/SC confirmou a impossibilidade de recolhimento da contribuição autoral referente a músicas executadas por seus próprios compositores.

Da Redação

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Atualizado às 15:57


Questão de interpretação

TJ/SC - Música executada pelos autores não recolhe direito autoral

A 2ª câmara de Direito Público do TJ/SC confirmou a impossibilidade de recolhimento da contribuição autoral referente a músicas executadas por seus próprios compositores. O entendimento se deu após o Ecad interpor recurso contra o município de Imbituba/SC, solicitando o pagamento dos direitos autorais em sua integralidade - no montante de R$ 8,5 mil - relativos à VII Festa do Camarão, realizada na cidade em janeiro de 2007.

Para o Ecad, mesmo que as músicas sejam executadas pelos próprios autores durante um show, o cachê pago pela apresentação do artista remunera somente a sua performance, e não os direitos autorais. O município entrou com recurso, sustentando a sua ilegitimidade passiva, afirmando que apenas cedera o local para realização do evento, sem auferir lucro.

Nos autos, o magistrado explica que "muito embora afirme o requerido que o dever de recolher os direitos do autor ao ECAD era da alçada da empresa contratada para realização do evento, conforme disposição contratual, não há como negar que o Município envolveu-se na realização deste e promoveu a festa na qual foram executadas músicas sem o recolhimento de direitos autorais". Assim, concluiu o desembargador que a prefeitura era corresponsável, devendo pagar pela execução de músicas no evento.

Porém, o magistrado entendeu que desse pagamento exclui-se as músicas que foram tocadas por seus intérpretes, confirmando apenas parcialmente o pedido do Ecad, uma vez que os direitos autorais pertencem aos autores, bem como o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução das obras. "Dessa maneira, não pode o Ecad realizar a cobrança da contribuição autoral no caso de as obras terem sido reproduzidas ou representadas pelos seus próprios autores."

A decisão, tomada de forma unânime, confirmou parcialmente a sentença da comarca de Imbituba, e foi alterada somente com relação ao índice de correção e atualização monetária.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

__________

Apelação Cível n. 2010.002536-4, de Imbituba

Relator: Des. Substituto Ricardo Roesler

APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO. DIREITOS AUTORAIS. "VIII FESTA DO CAMARÃO". PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE MUNICIPAL. INOCORRÊNCIA. MUNICÍPIO DE IMBITUBA QUE ATUA NA ORGANIZAÇÃO DO EVENTO, JUNTAMENTE COM EMPRESA TERCEIRIZADA. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO RECOLHIMENTO DOS DIREITOS AUTORAIS À AUFERIÇÃO DE LUCRO. PRELIMINAR AFASTADA. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO.

"A Lei nº 9.610/98 não considera mais relevante aferir lucro direto ou indireto pela exibição de obra, mas tão-somente a circunstância de se ter promovido sua exibição pública em local de reqüência coletiva" ( STJ, REsp nº 791.630, Min. Nancy

Andrighi).

RECURSO DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO ALÉM DO PEDIDO (EXTRA PETITA). PEDIDO INICIAL GENÉRICO. SENTENÇA QUE APENAS ESTABELECE OS PARÂMETROS DA CONDENAÇÃO NO RECOLHIMENTO DOS DIREITOS AUTORAIS DENTRO DOS LIMITES LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE DE RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO AUTORAL RELATIVAMENTE ÀS MÚSICAS EXECUTADAS POR SEUS PRÓPRIOS COMPOSITORES. MULTA DE 10% (DEZ POR CENTO) CONSTANTE DO REGULAMENTO DO ECAD. INVIABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO.

"Não pode o ECAD efetuar cobrança de direitos autorais relativos às canções interpretadas pelos próprios artistas que a criaram, pois assim estaria interferindo na prerrogativa do autor de, livremente, exercer o direito exclusivo de reprodução de suas obras, assegurado pelo art. 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal, e pelo art. 28 da Lei 9.610/98." ( TJSC, AC. n. 2009.016008-0, da Capital, rel. Des. Marcus Túlio Sartorato, j. em 05/08/2009).

JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC A PARTIR DO ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE DO ART. 406, DO CC. REEXAME NECESSÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.002536-4, da comarca de Imbituba (2ª Vara), em que são apelantes e apelados o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD e Município de Imbituba:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público,por votação unânime, negar provimento aos recursos e dar provimento parcial à remessa necessária. Custas na forma da lei.

1. RELATÓRIO

Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD ajuizou ação de cobrança em face do Município de Imbituba argumentando, em apertada síntese, que o réu promoveu, no mês de janeiro de 2007, a 8ª Festa Nacional do Camarão, na qual foram realizados shows e reprodução de músicas sem a sua autorização e respectivo recolhimento da contribuição autoral. Aduziu que os shows musicais foram realizados com a cobrança de ingressos, mas que os direitos autorais não foram pagos em sua integralidade. Dessa forma, postulou a condenação do demandado no pagamento do montante de R$ 8.516,56 (oito mil, quinhentos e dezesseis reais, e cinquenta e seis centavos) e a aplicação de multa de 10% (dez por cento).

O Município apresentou resposta, na forma de contestação (fls. 109-113), postulando a improcedência do pedido. Contra-argumentou sustentando, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva, bem como a necessidade de denunciação à lide a empresa New Millennium Promoções Eventos Ltda. No mérito, destacou que apenas cedeu o lugar para realização da festa, não auferindo lucro pela realização dos espetáculos.

O pedido foi julgado parcialmente procedente, para o fim de condenar o Município de Imbituba a proceder ao pagamento das contribuições devidas pela execução das músicas no evento, excluídas aquelas que foram cantadas por seus próprios intérpretes, em valor a ser apurado em liquidação de sentença (fls. 109-113).

Insatisfeito com a prestação jurisdicional entregue, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 115-129), insurgindo-se contra a exclusão do pagamento relativo à música composta e executada pelo próprio autor. Destacou que o cachê pago para a apresentação do artista remunera sua performance, e não os direitos autorais. Manifestou contrariedade a exclusão da incidência dos direitos autorais sobre as músicas de domínio público e as estrangeiras, aduzindo que o julgado foi além do pedido formulado na inicial. Postulou, ainda, a fixação dos honorários integralmente a cargo do réu.

Igualmente irresignado, o Município de Imbituba apelou (fls. 193-197), sustentando a sua ilegitimidade passiva.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão (fls. 211-218), opinando pela condenação do réu no pagamento dos direitos autorais, mesmo aqueles que foram executados por seus próprios compositores.

A Terceira Câmara de Direito Público (-------).... determinou a redistribuição do feito a uma das Câmaras de Direito Público, dada a sua incompetência para o processamento do feito (fls. 226-229).

É o relatório necessário.

2. VOTO

Trato de reexame necessário e recursos de apelação cível interpostos pelo Município de Imbituba e pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD, contra a sentença de primeiro grau que julgou procedente em parte o pedido colimado nos autos de ação de cobrança ajuizada contra a Administração Pública municipal.

Para escorar sua pretensão, o Município/réu argumenta ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide, uma vez que apenas teria cedido o local para realização do evento, sem auferir lucro. Ressaltou que celebrou contrato com empresa terceirizada para organização do evento, no qual havia menção expressa de que os encargos referentes aos direitos autorais eram da contratada.

O ECAD, por sua vez, argumenta que o pagamento dos direitos autorais deve ser realizado em sua integralidade, independente do fato de os intérpretes terem executado algumas músicas próprias, uma vez que o cachê pago pela apresentação não deve ser confundido com a remuneração relativa aos direitos autorais. Sustentou que o julgamento foi além do seu pedido, já que não requereu o pagamento de músicas sob domínio público ou estrangeiras. Salientou que era dever do magistrado proceder a sua intimação para juntada dos documentos comprobatórios da sua filiação às entidades estrangeiras para recolhimento de direitos autorais. Ressaltou, ainda, a necessidade de fixação de multa no importe de 10% sobre o valor devido, juros de mora de 1% (um por cento) e a fixação dos honorários advocatícios a cargo do autor.

Tendo em vista que eventual provimento do recurso do réu implicará na improcedência do apelo do demandante, passo à análise daquele em primeiro lugar.

Em que pese os argumentos do Município de Imbituba, a sua tese de ilegitimidade passiva não merece prosperar.

A matéria é alvo de intensa controvérsia, mas, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado o entendimento de que é possível o recolhimento dos direitos autorais em espetáculos musicais pela Administração Pública, ainda que em eventos gratuitos:

"A utilização de obras musicais em espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à aferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor. II. Recurso especial conhecido e provido" (STJ - Resp 524.873/ES, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, julgado em 22/10/2003, DJ 17/11/2003 p. 199).

No mesmo sentido, já se manifestou a jurisprudência desta Corte:

"AÇÃO DE COBRANÇA - DIREITOS AUTORAIS - ECAD - FESTIVIDADE POPULAR - "FESTA NACIONAL DO COLONO" - COBRANÇA NÃO MAIS VINCULADA À AUFERIÇÃO DE LUCRO - CRITÉRIOS PARA CÁLCULO - LEI Nº 9.610/1998, ART. 109 - MULTA INDEVIDA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1. 'A Lei nº 9.610/98 não considera mais relevante aferir lucro direto ou indireto pela exibição de obra, mas tão-somente a circunstância de se ter promovido sua exibição pública em local de freqüência coletiva' (REsp nº 791.630, Min. Nancy Andrighi). 2. 'Destinando-se o evento, que é realizado anualmente, a atrair turistas, o organizador deve pagar direitos autorais aos compositores das músicas executadas. São eles devidos com a ressalva de que o percentual definido no Regulamento - in casu, 10% (dez por cento) - incide apenas sobre o valor pago aos intérpretes, excluídas as músicas por eles próprios compostas, as que forem do domínio público e as estrangeiras - quanto a estas, salvo a hipótese dos arts. 97 (§ 3º) e 98 da Lei 9.610/98'" (TJSC - AC n.º 2007.064205-0, de Itajaí, Rel. Des. Newton Trisotto, j. em: 28.8.2009).

No caso dos autos, muito embora afirme o requerido que o dever de recolher os direitos do autor ao ECAD era da alçada da empresa contratada para realização do evento, conforme disposição contratual, não há como negar que o Município envolveu-se na realização deste e promoveu a festa na qual foram executadas músicas sem o recolhimento de direitos autorais.

De forma diversa do que afirma, não realizou apenas a cessão do local para realização do evento. Segundo as disposições contratuais, era da incumbência do Município proceder ao recolhimento das receitas advindas de patrocínios, venda de ingressos, locação de espaço, stand's, barracas e pontos de comercialização (cláusula 5.3 - fl. 81).

Portanto, também se pode considerar que o demandado promoveu a festa e nessa qualidade, torna-se corresponsável por eventuais prejuízos experimentados durante o evento.

É importante assinalar que o reconhecimento da sua legitimidade para o pagamento da contribuição autoral na presente demanda não implica na impossibilidade de eventual ação regressiva contra a empresa organizadora do evento, responsável, pelo contrato pactuado, pelo recolhimento dos direitos do autor ao ECAD.

Logo, atestada a legitimidade do demandado para figurar no pólo passivo da lide, seu apelo não merece acolhimento.

Superada a prefacial, verifico que a irresignação do autor igualmente não merece prosperar.

Inicialmente, dada a elaboração de pedido genérico pelo autor a respeito do recolhimento dos direitos autorais, não há que se falar que o julgado extrapolou os limites do pedido formulado com a exclusão da condenação relativa às obras de domínio público e as estrangeiras. A sentença apenas fixou a condenação dentro das limitações legais, excluindo aquelas músicas que não caberiam ao ECAD recolher direitos autorais.

O argumento de que não houve intimação para apresentação dos convênios com as entidades estrangeiras não merece acolhida, uma vez que poderia o autor tê-los juntado quando da propositura da ação, a fim de comprovar a sua legitimidade para cobrança dos direitos de obras estrangeiras.

Em relação ao recolhimento de contribuição de direitos autorais sobre músicas executadas por seus próprios compositores, melhor sorte não socorre ao autor.

Isso porque a jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de serem incabíveis os direitos autorais sobre obras musicais compostas pelos próprios intérpretes:

"[...] 'Sendo os próprios autores das músicas a se apresentarem no palco da XI Festa Nacional do Pinhão, não assiste razão para a cobrança de direitos autorais por parte do ECAD, visto que os mesmos possuem o direito exclusivo de publicação, uso e execução de suas obras' (Ap. Cív. n. 2002.025234-0, de Lages, rel. Des. Volnei Carlin, j. 9-10-2003). Todavia, a contribuição autoral recai sobre as obras musicais que não foram interpretadas por seus autores. Deve ser provido, neste ponto, o recurso do ECAD" (TJSC - AC n. 2008.016450-4, Des.Vanderlei Romer).

O entendimento se justifica pelo fato de os direitos autorais pertencerem aos autores, bem como o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução das obras, a teor do art. 5º, XXVII, da Constituição da República. Dessa maneira, não pode o ECAD realizar a cobrança da contribuição autoral no caso de as obras terem sido reproduzidas ou representadas pelos seus próprios autores.

Compulsando a documentação carreada aos autos, é possível observar que efetivamente parte das músicas apresentadas nos espetáculos ocorridos na VIII Festa do Camarão foram executadas por seus autores. No caso dessas músicas, portanto, como muito bem apontou o magistrado sentenciante, não cabe o recolhimento dos direitos autorais pelo demandante.

Em relação a incidência da multa de 10% (dez por cento) atribuída nos casos de mora do usuário, também já se manifestou este Tribunal no sentido de ser inviável a sua aplicação, até mesmo porque "não tem o Município a figura de empresário" (TJSC - AC. n.º 2008.016450-4, de Lages, Rel. Des. Vanderlei Romer, j. em: 9.6.2008).

Relativamente, aos índices de correção monetária e juros de mora, atento que, após a entrada em vigor do atual Código Civil, a atualização e correção das verbas devidas deve se dar pela Taxa Selic, nos termos do seu art. 406. Por essa razão, há que se alterar a sentença nesse particular, em sede de reexame necessário.

Por derradeiro, no que toca aos honorários, a sentença não merece reforma. Não há dúvidas de que a parte autora decaiu de parte considerável de seu pedido, sendo possível a sua compensação dos honorários entre si, nos termos da Súmula n.º 306, do STJ.

Em razão do exposto, o voto é no sentido de negar provimento aos recursos, e dar parcial provimento à remessa necessária, tão somente para o fim de alterar o índice de correção e atualização, que deverá ser a Taxa Selic.

3. DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decidiu, por votação unânime, negar provimento aos recursos e dar provimento parcial à remessa necessária. O julgamento, realizado no dia 8 de fevereiro de 2011, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Newton Janke, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador João Henrique Blasi.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr.

Paulo de Tarso Brandão.

Florianópolis, 8 de fevereiro de 2011.

Ricardo Roesler

RELATOR

Gabinete

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