STJ - Contrato de cheque especial não serve como título executivo
O contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente, usado na maioria das vezes na modalidade cheque especial, não possui força executiva. A decisão foi adotada pela 4ª turma do STJ, ao negar provimento a recurso especial interposto pelo BB contra decisão favorável a clientes que sofriam ação de execução.
Da Redação
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Atualizado às 15:31
Crédito rotativo
STJ - Contrato de cheque especial não serve como título executivo
O contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente, usado na maioria das vezes na modalidade cheque especial, não possui força executiva. A decisão foi adotada pela 4ª turma do STJ, ao negar provimento a recurso especial interposto pelo BB contra decisão favorável a clientes que sofriam ação de execução.
Os clientes celebraram com o BB contrato de abertura de crédito em conta-corrente, ou crédito rotativo, deixando de honrar parte do compromisso. Em razão disso, foi celebrado posteriormente contrato de abertura de crédito fixo, para saldar a dívida anterior com a própria instituição. Em razão de novo inadimplemento, o banco ajuizou execução de título extrajudicial aparelhada apenas com o segundo instrumento firmado.
Os embargos à execução interpostos pelos clientes da instituição foram acolhidos, em grau de recurso, pela Justiça de Santa Catarina, que determinou a extinção da execução. O tribunal de origem entendeu que, em se tratando de renegociação de dívida anterior, sem ocorrência de novação, seria fundamental que a ação estivesse acompanhada dos documentos que originaram o débito. A execução foi extinta em razão da ausência de título executivo, fato este que impossibilitaria o devedor de questionar a legalidade dos encargos previstos no contrato original - os quais teriam gerado o débito executado.
O BB interpôs recurso especial alegando que a ação de execução teria sido baseada em contrato de abertura de crédito fixo e argumentando ser irrelevante se esse contrato consistiria ou não novação em relação ao contrato que originou a dívida. O banco sustentou também que, caso o documento apresentado se mostrasse incompleto para embasar o pedido, seria necessário aplicar o artigo 616 do CPC (clique aqui), que prevê a fixação do prazo de 10 dias para emendar a inicial de execução.
O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, considerou inviável a concessão de prazo para emendar a inicial, porque o acórdão recorrido entendeu que tal providência configuraria alteração da causa de pedir. Dessa forma, estaria configurado reexame de prova em recurso especial, o que é vedado pela súmula 7 da Corte. O relator considerou que nem mesmo a emenda teria condições de viabilizar a execução, já que os documentos faltantes seriam relativos a contrato de abertura de crédito e extratos bancários, os quais seriam documentos impróprios para aparelhar a execução.
Quanto à validade dos instrumentos apresentados na ação, o entendimento do relator foi de que o acórdão do TJ/SC não identificou, no contrato de abertura de crédito fixo apresentado, qualquer intenção de novar, ou seja, criar nova obrigação por meio da substituição e extinção da anterior. Dessa forma, o ministro entendeu que deve mesmo prevalecer como instrumento principal da ação o contrato de abertura de crédito rotativo, o qual foi celebrado anteriormente ao de abertura de crédito fixo e não constitui título executivo válido.
Em seu voto, o ministro entendeu que o contrato de abertura de crédito rotativo não configura em si uma obrigação assumida pelo consumidor. "Ao contrário, incorpora uma obrigação da instituição financeira em disponibilizar determinada quantia ao seu cliente, podendo dela utilizar-se ou não", afirmou. No entendimento do ministro, a ausência de executividade do contrato de abertura de crédito rotativo decorre do fato de que não há dívida líquida e certa quando da assinatura do contrato pelo consumidor, ocasião em que surge a obrigação para a instituição financeira de disponibilizar determinada quantia ao seu cliente.
Dessa forma, diferentemente dos contratos de crédito fixo, em que o cliente conhece antecipadamente o valor da dívida, os valores eventualmente utilizados no crédito rotativo são documentados unilateralmente pela própria instituição, sem qualquer participação do cliente, o que não tornaria presentes, neste tipo de contrato, a certeza e a liquidez no próprio instrumento, características essenciais a um título executivo. Essas exigências, no entendimento do relator, também não seriam alcançadas com a apresentação de extratos bancários pelo credor, uma vez que não é possível ao banco criar títulos executivos à revelia do devedor.
Os ministros da 4ª turma do STJ acompanharam o entendimento do relator e negaram provimento ao recurso especial, considerando prevalecer a tese de que o contrato de abertura de crédito (em conta-corrente, rotativo ou cheque especial), ainda que acompanhado dos extratos relativos à movimentação bancária do cliente, não constitui título hábil a aparelhar processo de execução, podendo, no entanto, servir de início de prova para eventual ação monitória, como assinalado pelas súmulas 233 e 247 do STJ. O assunto pode vir a ser novamente submetido à análise do relator, tendo em vista que foram opostos embargos de declaração no início do mês de janeiro.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
-
Processo Relacionado : Resp 800178 - clique aqui.
____________
RECURSO ESPECIAL Nº 800.178 - SC (2005/0196544-9)
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A
ADVOGADOS : JORGE ELIAS NEHME E OUTRO(S)
LINCOLN FAGUNDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : BENTO GARCIA E OUTROS
ADVOGADO : HUGO AREAO MAIA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Bento Garcia e outros opuseram embargos à execução ajuizada pelo Banco do Brasil S/A, alegando, em resumo, que o procedimento satisfativo possuía como suporte contrato de abertura de crédito em conta corrente (crédito rotativo), instrumento sem força executiva. Sustentam, ademais, excesso de execução.
O Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Palhoça rejeitou liminarmente os embargos por intempestividade. (fl. 24) Em grau de recurso, todavia, superada a questão da admissibilidade dos embargos, estes foram acolhidos para extinguir a execução, ao fundamento de ausência de título executivo, verbis :
EMBARGOS À EXECUÇÃO - PLURALIDADE DE DEVEDORES - PRAZO DECENDIAL CONTADO INDIVIDUALMENTE PARA CADA UM DOS CO-OBRIGADOS - TEMPESTIVAMENTE - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO FIXO - DÉBITO ORIUNDO DE CRÉDITO ROTATIVO - AUSÊNCIA DE ANIMUS NOVANDI - NOVAÇÃO INOCORRENTE - FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO - PROVIMENTO.
- Havendo pluralidade de executados, o prazo de dez dias para embargar é individual para cada um deles, daí esses prazos podem vencer-se em datas diferentes para cada executado.
- Sendo renegociada dívida anterior, sem que ocorra novação, torna-se imprescindível venha a execucional acompanhada dos documentos que originaram o débito, de modo a caracterizar a liquidez, a certeza e exigibilidade do quantum debeatur . De outro modo, estar-se-ia impossibilitando o devedor de questionar a legalidade dos encargos previstos no contrato primitivo e que geraram o débito executado, em evidente cerceamento de defesa. (fl. 52)
Os embargos declaratórios opostos foram rejeitados (fl. 74). Sobreveio recurso especial interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual se alega, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 535, 585, inciso II, 618, inciso I, todos do Código de Processo Civil, e art. 1.007 do Código Civil.
O recorrente sustenta que a execução foi aparelhada com contrato de abertura de crédito fixo, sendo irrelevante tratar-se ou não de novação em relação ao pacto que originou a dívida.
Por outro lado, se o documento apresentado se mostrar incompleto para ensejar a execução, seria de rigor fixar prazo para emendar a inicial, nos termos do art. 616 do CPC.
Contra-arrazoado (fls. 103/109), o especial foi admitido (fl. 117/118).
É o relatório.
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO. TÍTULO EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 233. ABERTURA DE CRÉDITO FIXO. AUSÊNCIA DE NOVAÇÃO EM RELAÇÃO AO CONTRATO ANTERIOR. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7.
1. O contrato de abertura de crédito rotativo (utilizado, no mais das vezes, em sua modalidade "cheque especial") não consubstancia, em si, uma obrigação assumida pelo consumidor.
Ao contrário, incorpora obrigação da instituição financeira em disponibilizar determinada quantia ao seu cliente, podendo dela utilizar-se ou não.
2. O contrato de abertura de crédito (em conta corrente, rotativo ou cheque especial), ainda que acompanhado dos extratos relativos à movimentação bancária do cliente, não constitui título hábil a aparelhar processo de execução, podendo servir de início de prova para eventual ação monitória. Súmulas 233 e 247.
3. A ausência de executividade decorre do fato de que, quando da assinatura do pacto pelo consumidor - ocasião em que a obrigação nasce para a instituição financeira, de disponibilizar determinada quantia ao seu cliente -, não há dívida líquida e certa, sendo que os valores eventualmente utilizados são documentados unilateralmente pela própria instituição, sem qualquer participação, muito menos consentimento, do cliente.
4. Inexistindo, pois, certeza e liquidez no próprio instrumento, exigências que não são alcançadas mediante a complementação unilateral do credor com a apresentação de extratos bancários, porquanto não lhe é dado criar títulos executivos à revelia do devedor, tem-se que o contrato de abertura de crédito carece, realmente, de exequibilidade.
5. No caso em julgamento, não vislumbrando o acórdão recorrido, no contrato de abertura de crédito fixo, qualquer ânimo de novar, tal premissa não se desfaz sem ofensa às Súmulas 5 e 7, e, assim, deve mesmo prevalecer como instrumento principal o contrato de abertura de crédito rotativo, celebrado anteriormente, o qual não constitui título executivo.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Afasto, de início, a suposta ofensa ao art. 535 do CPC, porquanto a alegação é genérica, não especificando o recorrente quais as matérias eventualmente não analisadas pelo acórdão recorrido, tampouco aonde, exatamente, residiria a contradição ou obscuridade do aresto ora hostilizado, circunstância que faz incidir a Súmula n.º 284/STF.
Nesse sentido, a Quarta Turma sufragou entendimento segundo o qual "não se conhece da ofensa ao art. 535 se a alegação é genérica, sem que se indiquem objetivamente a omissão, a contradição ou a obscuridade na decisão recorrida" (REsp 586.304/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2010).
3. Quanto ao mais, noticiam os autos que a recorrida celebrou com o Banco do Brasil S/A, ora recorrente, contrato de abertura de crédito em conta corrente, ou crédito rotativo, deixando de honrar com parte do compromisso.
Em razão disso, posteriormente, foi celebrado contrato de abertura de crédito fixo, exclusivamente para saldar a dívida anterior com a própria instituição credora (o valor do contrato é de R$ 7.200,00 e o valor da execução, contados os encargos financeiros, é de 8.507,07).
Diante de novo inadimplemento, o credor ajuizou execução de título extrajudicial aparelhada tão-somente com o segundo instrumento firmado - contrato de abertura de crédito fixo -, tendo sido a execução extinta por inexequibilidade do instrumento.
3.1. Importa, de início, explicitar a exata diferenciação entre contrato de crédito fixo e contrato de abertura de crédito rotativo.
O contrato de crédito fixo, como a própria nomenclatura evidencia, consiste na concessão, da instituição financeira ao seu cliente, de valor certo, com termo e encargos pré-definidos, sendo que, no momento da assinatura do contrato, o contratante sabe de antemão o valor da dívida, com ela assentindo mediante firma.
Nesse passo, o contrato de abertura de crédito fixo equivale a mútuo feneratício, sendo determinada quantia creditada na conta do cliente, assumindo este o dever de devolvê-la com os acréscimos pactuados, quando da implementação do termo ajustado.
Contudo, o contrato de abertura de crédito rotativo (utilizado, no mais das vezes, em sua modalidade "cheque especial") não consubstancia, em si, uma obrigação assumida pelo consumidor. Ao contrário, incorpora uma obrigação da instituição financeira em disponibilizar determinada quantia ao seu cliente, podendo dela utilizar-se ou não.
No âmbito desta Corte a distinção entre contrato de crédito fixo e contrato de abertura de crédito é tranquila. Em voto lapidar proferido no REsp. n.º 242.650/SC, o e. Ministro Eduardo Ribeiro assim delineia os contratos:
Embora seja pacífico nesta 2ª Seção que o contrato de abertura de crédito não configura título executivo, posição esta que os recorrentes querem seja aplicada ao caso concreto, não se pode afirmar o mesma quanto ao contrato de abertura de crédito fixo.
(...)
O contrato de abertura de crédito fixo, tal como convencionado, é líquido, certo e exigível, configurando-se título executivo extrajudicial, haja vista que o valor do principal da dívida é demonstrável de plano, sendo sua evolução aferível por simples cálculos aritméticos, diferentemente do que ocorre no contrato de abertura de crédito em conta corrente, no qual se disponibiliza um valor inicialmente indeterminado, porém limitado, cuja evolução é demonstrada unilateralmente pela instituição financeira.
A doutrina civilista também se posiciona nesse sentido:
Abertura de crédito bancário é o contrato pelo qual o banco se obriga a colocar à disposição do cliente, por um certo prazo, uma quantia em dinheiro, aceitando os saques por ele efetuados ou acolhendo suas ordens. Nele figuram, como partes, o banco creditador e o cliente creditado.
Diversamente do depósito bancário, em que o banco recebe a quantia e admite as retiradas, na abertura de crédito não há prévia entrega de dinheiro, "mas um ajuste, em virtude do qual o banco, como creditador, convenciona com o creditado a disponibilidade do numerário, que poderá ser retirado global ou parceladamente. Difere, por outro lado, do empréstimo, em que não existe tradição de quantia no momento da celebração. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume III. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 649)
Diferente, mas apenas para constar dessa retrospectiva, na esteira do magistério de Caio Mário da Silva Pereira - citado por Carlos Roberto Gonçalves -, também emerge no tráfego comercial, como espécie de contrato de abertura de crédito, o chamado crédito documentado , ou crédito documentário , consistente no ajuste, geralmente, entre o comprador de mercadoria e instituição financeira, para que esta libere o crédito ao vendedor da mercadoria, mediante apresentação dos documentos exigidos:
Consiste na convenção, celebrada entre um banco e o comprador de determinada mercadoria, de abertura de um crédito em benefício do vendedor ou exportador, que recebe o pagamento contra a entrega documentos concernentes à exportação ou venda (saque, fatura comercial,conhecimento de embarque, etc.). Faculta-se ao vendedor exigir do banco a confirmação da abertura de crédito, a fim de assegurar-se contra a revogação da ordem pelo comprador, surgindo nesse caso a figura do crédito confirmado em matéria documental , muito utilizada no comércio internacional. (Op. cit., p. 650)
Essa espécie de contrato de abertura de crédito, caracterizada pela triangularização de transações entre comprador, vendedor e instituição financeira, com liberação do crédito condicionada à apresentação da documentação da venda, revela-se, no direito pátrio, por exemplo, no chamado contrato de vendor.
3.2. Quanto à exequibilidade do contrato de crédito fixo, não resta dúvida, porquanto, desde sua assinatura, há para o tomador obrigação líquida, certa e exigível no termo ajustado.
Assim se posicionou a jurisprudência:
Execução. Contrato de crédito fixo. Ônus da prova. Precedentes da Corte.
1. Já decidiu a Corte que os contratos de crédito fixo, com data certa para o pagamento da quantia emprestada, não estão no mesmo patamar dos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, que são imprestáveis para instruir a execução.
(...)
(REsp 303126/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2005, DJ 23/05/2005, p. 266)
_________________________
PROCESSO CIVIL. TÍTULO EXECUTIVO. O contrato de abertura de crédito fixo, assim considerado aquele em que o tomador do empréstimo se obriga a pagar quantia certa e determinada, é título executivo.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 275382/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA,julgado em 26/03/2001, DJ 28/05/2001, p. 197)
_________________________
Porém, no que concerne ao contrato de abertura de crédito (rotativo, em conta corrente ou cheque especial) , doutrina e jurisprudência, em tempos passados,oscilaram em apregoar a executividade dessa espécie de instrumento, notadamente quando acompanhado dos extratos bancários a documentar a utilização do crédito posto à disposição do cliente.
A abraçar a tese de que o contrato de abertura de crédito, desde que acompanhado dos extratos de movimentação bancária, constitui título executivo, vale citar os seguintes precedentes: REsp 66181/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/06/1995; REsp 100171/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 24/09/1996.
Nada obstante, a tese que prevaleceu - e que ainda hoje se mantém - é a que entende que o contrato de abertura de crédito (em conta corrente, rotativo ou cheque especial), ainda que acompanhado dos extratos relativos à movimentação bancária do cliente, não constitui título hábil a aparelhar processo de execução, podendo servir de início de prova para eventual ação monitória.
Assim são as Súmulas n.º 233 e 247:
Súmula 233: "O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo".
Súmula 247: O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.
A ausência de executividade do contrato de abertura de crédito decorre do fato de que, quando da assinatura do instrumento pelo consumidor - ocasião em que a obrigação nasce para a instituição financeira, de disponibilizar determinada quantia ao seu cliente -, não há dívida líquida e certa, sendo que os valores eventualmente utilizados são documentados unilateralmente pela própria instituição, sem qualquer participação, muito menos consentimento, do cliente.
Inexistindo, pois, certeza e liquidez no próprio instrumento, exigências que não são alcançadas mediante a complementação unilateral do credor com a apresentação de extratos bancários, porquanto não lhe é dado criar títulos executivos à revelia do devedor, tem-se que o contrato de abertura de crédito carece, realmente, de exequibilidade.
Foi exatamente esse o fundamento do voto condutor do EREsp. 108.259/RS, SEGUNDA SEÇÃO, relator p/ acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, precursor da Súmula n.º 233:
(...) não reconheço nenhuma executividade em cogitado contrato de abertura de crédito, mesmo que estando subscrito pelo eventual devedor e assinado por duas testemunhas, ainda que a execução seja instruída com extrato e que os lançamentos fiquem devidamente esclarecidos, com explicitação dos cálculos, dos índices e dos critérios adotados para a definição do débito, pois esses são documentos unilaterais de cuja formação não participou o eventual devedor, e o contrato apenas possibilita que uma certa importância possa ser eventualmente utilizada.
Nele não há nenhuma afirmação de quem quer que seja dizendo-se em dívida de uma importância certa e determinada que lhe teria sido creditada. E essa ausência não pode ser suprida com a simples apresentação de extratos ainda que explicitados pelo banco que abriu o crédito, por serem documentos unilaterais de cuja formação não participou aquele que é indicado como devedor.
Substanciosos, ademais, foram os fundamentos do e. Ministro Eduardo Ribeiro, nos mencionados embargos de divergência:
Temos um contrato de abertura de crédito que cria obrigação para o banco, ou seja, obriga-o a conceder o crédito. Em relação ao correntista, significa apenas que tem o direito a dele utilizar-se. Claro, pois, que, por si, não constitui título executivo nenhum. Os extratos emitidos pelo banco são afirmações por ele próprio feitas, de que houve aquela movimentação. Está se dando valor, na realidade, não ao contrato, mas sim às declarações do banco. Se assim é, mesmo sem o contrato, extratos bancários poderiam passar a significar títulos executivos.
Com esses fundamentos, afirma-se a higidez da Súmula n.º 233, daí decorrendo que o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado dos extratos bancários, não constitui título executivo extrajudicial, podendo, eventualmente, aparelhar ação monitória.
4. Retomando-se o curso do raciocínio para o caso concreto, é bem de ver que o acórdão recorrido não vislumbrou no contrato de abertura de crédito fixo qualquer animus de novar, premissa da qual não se pode distanciar-se por força das Súmulas 5 e 7.
Assim afirmou o acórdão:
A presente execução encontra-se instruída com o Contrato de Abertura de Crédito Fixo (fls. 09/11), bem como por demonstrativo de cálculo de fls. 14/18.
No entanto, depreende-se dos autos, que o crédito concedido foi utilizado para liquidar "saldo de cheque ouro", conforme documento de fl. 12 dos autos em apenso e Cláusula Segunda do contrato exeqüendo, evidenciando não se tratar de novo financiamento ou de novação, mas de mera renegociação do saldo devedor. (fl. 56)
Aplicando também as súmulas 5 e 7, em situações análogas, confiram-se, os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. NOVAÇÃO. INEXISTÊNCIA. EXAME DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7-STJ. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. EXECUÇÃO. TÍTULO HÁBIL. OPORTUNIDADE PARA ADEQUADA INSTRUÇÃO. CPC, ARTS. 585, II, E 616.
I. A conclusão de que a confissão de dívida não operou a extinção da contratação anterior, de crédito rotativo, firmada entre as partes, não pode ser elidida sem que se proceda ao exame dos contratos e da matéria fática, para declarar a ocorrência da novação que viabilizaria a execução do novo ajuste. Incidência das Súmulas n. 5 e 7.
(...)
(REsp 712.856/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 406)
_________________________
EMBARGOS DO DEVEDOR - EXECUÇÃO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA - EXISTÊNCIA DE NOVAÇÃO - MATÉRIA DE PROVA - DISSÍDIO NÃO COMPROVADO.
I - Afastada pelo acórdão recorrido a ocorrência de novação das dívidas representadas por instrumentos de confissão de dívida e assentado que elas apenas consolidavam créditos anteriores, rever tal posicionamento é inviável em sede de especial, a teor da Súmula 7/STJ.
II - Dissídio jurisprudencial não comprovado ante a dessemelhança das hipóteses confrontadas.
III - Recurso Especial não conhecido.
(REsp 164.350/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/1999, DJ 02/10/2000, p. 162)
_________________________
Assim, deve mesmo prevalecer, como instrumento principal, o contrato de abertura de crédito rotativo, celebrado anteriormente, o qual, como dito alhures, não constitui título executivo.
5. Finalmente, mostra-se inviável a adoção do art. 616 do CPC, no sentido de emendar a inicial, porquanto o acórdão recorrido, à luz das premissas fáticas observadas, entendeu que tal providência consubstanciar-se-ia alteração da causa de pedir, conclusão que não se desfaz sem ofensa à Súmula 7.
Ademais, no caso concreto, nem mesmo a "emenda" que se pretende levar a efeito teria o condão de viabilizar a execução, porquanto os documentos faltantes são relativos a contrato de abertura de crédito e extratos bancários, impróprios, portanto, para aparelhar a execução.
6. Diante do exposto, conheço parcialmente do especial e nego-lhe provimento.
É como voto.