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TJ/SC condena seguradora por indicar advogados como supostos fraudadores

A 3ª câmara de Direito Civil do TJ/SC manteve sentença da comarca de Balneário Camboriú, que condenou Sul América Seguros Gerais S/A ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 16 mil, em favor dos advogados V.L.Z. J. e T.B.Z..

Da Redação

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Atualizado às 08:20

Danos morais

TJ/SC condena seguradora por indicar advogados como supostos fraudadores

A 3ª câmara de Direito Civil do TJ/SC manteve sentença da comarca de Balneário Camboriú, que condenou Sul América Seguros Gerais S/A ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 16 mil, em favor dos advogados V.L.Z. J. e T.B.Z..

O veículo de T.B.Z. foi furtado quando Valdir o dirigia. A proprietária, então, entrou em contato com a seguradora, que ficou de pagar pelo ocorrido. Mas, diante da demora no recebimento da quantia, a autora entrou com uma ação judicial, em que ficou decidido entre as partes um pagamento no valor de R$ 15,5 mil.

Porém, depois do acordo, os autores foram surpreendidos com a informação de que seus nomes estavam listados em um relatório técnico juntado a outra ação, na comarca de Itapema, que os indicava como "pessoas suspeitas que visam provocar fraudes contra seguradoras".

A Sul América reconheceu que juntou aos autos tal documento, mas ressaltou que ele foi obtido de empresa terceirizada. Ademais, alegou que o furto já foi devidamente indenizado, e que não foi provada a calúnia, motivo pelo qual não houve dano moral.

"O referido documento, ainda que realizado por terceiro, deveria ser mantido em sigilo, pois envolve o nome de várias pessoas supostamente envolvidas em ilícito penal, de modo que sua divulgação em processo judicial que, por natureza, é público, configura inegável ofensa aos direitos da personalidade", anotou o relator da matéria, desembargador Marcus Túlio Sartorato. A votação foi unânime.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

  • Processo : 2010.066685-4

_____________

Apelação Cível n. 2010.066685-4, de Balneário Camboriú

Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SEGURADORA RÉ QUE DIVULGA INDEVIDAMENTE RELAÇÃO DE SUPOSTOS FRAUDADORES DE SEGURO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CARREADA PARA PROCESSO JUDICIAL. SUSPEITAS QUE DEVERIAM SER MANTIDAS EM SIGILO DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE PROVAS. CONDUTA QUE CONFIGURA INEGÁVEL OFENSA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. RESPONSABILIDADE EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DANO MORAL. ABALO PRESUMIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO EM R$ 8.000,00 PARA CADA AUTOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS.

Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados alguns critérios, tais como a situação econômico-financeira e social das partes litigantes, a intensidade do sofrimento impingido ao ofendido, o dolo ou grau da culpa do responsável, tudo para não ensejar um enriquecimento sem causa ou insatisfação de um, nem a impunidade ou a ruína do outro.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.066685-4, da comarca de Balneário Camboriú (2ª Vara Cível), em que são apelantes e apelados V.L.Z.J. e outro e Sul América Seguros Gerais S/A:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, afastar as preliminares e, no mérito, negaram provimento aos recursos. Custas legais.

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado às fls. 321/322, por revelar com transparência o que existe nestes autos, e a ele acrescenta-se que a MM.ª Juíza de Direito, Doutora Cristina Paul Cunha, julgou procedente o pedido inicial para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor total de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) a ser dividido entre os autores, além das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação.

Contra esta decisão, as partes interpuseram recurso de apelação.

Os autores pugnam pela majoração da indenização arbitrada para a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) (fls. 330/337).

A seguradora ré, por sua vez, alega a existência de transação entre as partes, bem como afirma que em momento algum acusou os autores de fraude contra a seguradora. Afirma que, no intuito de provar seu direito, anexou documento particular produzido por empresa terceirizada, não possuindo qualquer intenção de causar ofensa à honra. Por fim, aduz a não configuração do dano moral (fls. 341/357).

As partes apresentaram contrarrazões às fls. 361/372 e 374/378.

VOTO

1. A respeito das condições da ação, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery que:

Para que o juiz possa aferir a quem cabe a razão no processo, isto é, decidir o mérito, deve examinar questões preliminares que antecedem lógica e cronologicamente a questão principal: o mérito, vale dizer, o pedido, a pretensão, o bem da vida querido pelo autor. O mérito é a última questão que, de ordinário, o juiz deve examinar no processo. Essas questões preliminares dizem respeito ao próprio exercício do direito de ação (condições da ação) e à existência e regularidade da relação jurídico processual (pressupostos processuais). As condições da ação possibilitam ou impedem o exame da questão seguinte(mérito). Presentes todas, o juiz pode analisar o mérito, não sem antes verificar se também se encontram presentes os pressupostos processuais. Ausente uma delas ou mais de uma, ocorre o fenômeno da carência de ação (CPC 301, X), circunstância que torna o juiz impedido de examinar o mérito. A carência de ação tem como conseqüência a extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267 VI). As condições da ação são três: legitimidade das partes (legitimatio ad causam), interesse processual e possibilidade jurídica do pedido. As condições da ação são matérias de ordem pública a respeito da qual o juiz deve pronunciar-se ex officio, a qualquer tempo e grau de jurisdição, pois a matéria é insuscetível de preclusão (Código de Processo Civil Comentado, 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 435/436).

Especificamente acerca da legitimidade das partes, dispõem os citados autores que: "parte, em sentido processual, é aquela que pede (parte ativa) e aquela em face de quem se pede (parte passiva) a tutela jurisdicional. [...] quando existe coexistência entre a legitimidade do direito material que se quer discutir em juízo e a titularidade do direito de ação, diz-se que se trata de legitimação ordinária para a causa, que é a regra geral: aquele que se afirma titular do direito material tem legitimidade para, como parte processual (autor ou réu), discuti-lo em juízo. Há casos excepcionais, entretanto, em que o sistema jurídico autoriza alguém a pleitear, em nome próprio, direito alheio. Quando isso ocorre há legitimação extraordinária, que, no sistema brasileiro, não pode decorrer da vontade das partes, mas somente da lei" (ob. cit. p. 436).

In casu, possui o primeiro autor plena legitimidade para figurar no pólo ativo da presente ação, pois o documento de fl. 59 faz referência ao seu nome. Afasta-se, pois, a preliminar aventada.

2. Com relação à transação realizada entre as partes nos autos da ação de cobrança (fls. 141/142), esta versa sobre outra causa de pedir, sendo, portanto, irrelevante para a análise da presente demanda.

3. Inicialmente, há que se reconhecer a relação de consumo existente entre as partes, as quais se enquadram no conceito de consumidor e fornecedor de serviços, estatuídos nos artigos 2º e 3º, respectivamente, do Código de Defesa do Consumidor. Prescrevem mencionados dispositivos que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", e que "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

A teor do art. 14 do CDC: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

No caso em apreço, cinge-se o mérito recursal, tão somente, na análise da conduta da ré em divulgar a informação de que os autores seriam suspeitos de fraudar o seguro.

Colhe-se da prova testemunhal produzida:

Que na época dos fatos, no ano de 2002, surgiu boato de que os autores eram suspeitos de fraude contra a seguradora; que peritos da Sul América estiveram na oficina em que trabalhava fazendo investigação envolvendo o nome dos autores e também de outras pessoas; que os peritos queriam saber se os autores costumavam comprar carros batidos e se tinham carros batidos na oficina; que pelo que sabe os autores são advogados e pessoas bem quistas na sociedade; que nas oficinas da região, entre Itapema, Porto Belo e Tijucas, foi bastante comentado sobre as suspeitas que estavam recaindo sobre os autores (Paulo Roberto, fl. 267) .

Que na época dos fatos trabalhava como advogado para Oficina Belo Car, sediada em Porto Belo; que a oficina teve pedidos de restauração negados pela ré; que num desses processos que advogou para referida oficina contra a ré, foi juntado nos autos laudos feitos por peritos da seguradora que mencionavam o nome de ambos os autores como sendo pessoas envolvidas numa quadrilha de fraudes para prejudicar a seguradora; que como possui boa relação com o pai dos autores, também advogado, comunicou esse fato a ele; que depois disso não acompanhou o desenrolar dos fatos; que outras pessoas também estavam mencionadas no referido relatório (Eliseu Casagrande, fl. 268).

Deixa-se de transcrever o depoimento de Alexandre Edemir de Oliveira (fl. 269) por ser interessado na causa.

Compulsando os autos, infere-se dos autos que a ré juntou indevidamente em processo judicial o procedimento administrativo referente ao pagamento do seguro (fls. 58/59), no qual consta o nome dos autores e de terceiros como supostos fraudadores de seguro. O referido documento, ainda que realizado por terceiro, deveria ser mantido em sigilo, pois envolve o nome de várias pessoas supostamente envolvidas em ilícito penal, de modo que sua divulgação em processo judicial que, por natureza, é público, configura inegável ofensa aos direitos da personalidade.

Nessa medida, reconhecido o dano e o nexo de causalidade, deve a ré ser responsabilizada pelo ocorrido.

4. O abalo moral sofrido pelos autores, na hipótese, é presumido, sendo dispensável a prova neste sentido. Nesse sentido, já decidiu este egrégio Tribunal:

"Exceto em casos especiais, como o de inadimplemento contratual, o dano moral dispensa prova concreta, pois, como lesão a bem que integra os direitos da personalidade (a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc.), passa-se no interior do lesado e existe in re ipsa, como derivação direta e inexorável do próprio fato ofensivo" (AC n. 2008.025546-5, Des. Subst. Jaime Luiz Vicari).

5. É sabido que, para a quantificação da indenização por danos morais, não existem parâmetros legais objetivos para a sua fixação. Mas, é na doutrina e jurisprudência, que se colhe elementos para tanto, senão vejamos:

A indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante (Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais. RT, 1993, p. 220).

Sobre o tema, ensina José Raffaelli Santini:

Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. [...] Melhor fora, evidentemente, que existisse em nossa legislação um sistema que concedesse ao juiz uma faixa de atuação, onde se pudesse graduar a reparação de acordo com o caso concreto. Entretanto, isso inexiste. O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz (Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática, Agá Júris, 2000, p. 45).

Neste sentido, decidiu-se:

Mas qual deve ser o fundamento da ação- Pagamento da dor sofrida, reduzindo-se a moeda os sentimentos- Não. Seria profundamente imoral dizer que aquele que foi atingido em seus sentimentos se consolaria graças à indenização que recebesse. A indenização não compensará, nem fará desaparecer a dor do ofendido; por isso mesmo não se trata de substituir por dinheiro o bem desaparecido; por isso mesmo não se cogita de avaliar a dor em dinheiro. O fundamento da ação é outro. O que, na realidade, se tem em vista não é avaliar a dor, para pagá-la em dinheiro numa equivalência exata, mas tutelar o direito violado. As perdas e danos não têm o caráter de indenização do sofrimento, mas caráter de reparação repressiva.

A indenização sob forma econômica é considerada como um bem sucedâneo, como um bem não equivalente a um outro, mas dado em substituição de um outro, como uma satisfação ou uma vantagem pela lesão do direito.

[...]

E como não há, nem pode haver, equivalência entre o dano sofrido e a importância a ser paga, o que daí se segue é que necessariamente haverá um poder discricionário, um prudente arbítrio, dos juizes na fixação do quantum da condenação, arbítrio esse que emana da natureza das coisas, pois como fizeram sentir Boistel, Laurent, Montel, Hudelot et Metman, e Giorgi e Minozzi, o fato de não se poder estabelecer a equivalência não pode ser motivo de se deixar o direito sem sanção e sua tutela. Causando o dano moral, fica o responsável sujeito às conseqüências de seu ato, a primeira das quais será essa de pagar uma soma que for arbitrada, conforme a gravidade do dano e a fortuna dele responsável, a critério do poder judiciário, como justa reparação do prejuízo sofrido, e não como fonte de enriquecimento (Amilcar de Castro, voto proferido na AC n.º 1.409, RF 93/528).

Não indenizar o dano moral é deixar sem sanção um direito, ou uma série de direitos. A indenização, por menor e mais insuficiente que seja, é a única sanção para os casos em que se perdem ou se têm lesados a honra, liberdade, a amizade, a afeição, e outros bens morais mais valiosos de que os econômicos (RE n.º 97.097, Min. Oscar Corrêa, RTJ 108/287).

Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados alguns critérios, tais como a situação econômico-financeira e social das partes litigantes, a intensidade do sofrimento impingido ao ofendido, o dolo ou grau da culpa do responsável, tudo para não ensejar um enriquecimento sem causa ou insatisfação de um, como a ruína ou a impunidade do outro (AC n.º 2005.021986-2, deste relator).

A indenização por danos morais deve ser fixada com ponderação, levando-se em conta o abalo experimentado, o ato que o gerou e a situação econômica do lesado; não podendo ser exorbitante, a ponto de enriquecer o lesado, nem irrisória, dando azo à reincidência (AC n.º 2006.032310-2, Des. Fernando Carioni).

No que concerne à fixação do quantum indenizatório, a paga pecuniária não há que representar um enriquecimento sem causa para quem pleiteia o ressarcimento, mas deve o valor imposto ser suficiente para desestimular o ofensor à reiteração da prática danosa (AC n.º 2006.017178-5, Des.ª Salete Silva Sommariva).

Em atenção a casos análogos decididos por esta Câmara e às orientações que se colocam para o arbitramento do valor da indenização pelo abalo presumido suportado pela vítima, e ainda à vista do grau de culpa e da situação econômico-financeira presumível das partes (os autores são advogados; e a ré seguradora), sobretudo observando o caráter punitivo para que estas atuem com mais eficácia na prevenção de eventos futuros semelhantes ao ora analisado, com amparo no princípio da persuasão racional previsto no art. 131 do Código de Processo Civil, entende-se por bem manter a indenização por danos morais em R$ 8.000,00 (oito mil reais) para cada autor.

Por fim, registra-se que não houve pedido de redução por parte da seguradora, a qual somente impugnou a configuração ou não do abalo sofrido pelos autores.

6. Ante o exposto, vota-se no sentido de afastar as preliminares e, no mérito, negar provimento aos recursos.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, à unanimidade, afastaram as preliminares e, no mérito, negaram provimento ao recurso.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

Florianópolis, 30 de novembro de 2010.

Marcus Tulio Sartorato

RELATOR

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