TRF da 5ª região - Advogado cearense é condenado por orientar cliente a registrar menor para garantir visto
Em sessão de julgamento realizada terça-feira, 9/11, a 2ª turma do TRF da 5ª região, por unanimidade, negou provimento à apelação do advogado José Mahmoud Ayoub Barros Lubbad. O réu pretendia reverter a sentença da 11ª vara Federal do Ceará, que o havia condenado a quatro anos e dois meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, por praticar delito tipificado nos artigo 242 associado ao artigo 29 do CP.
Da Redação
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Atualizado às 08:30
Culpabilidade
TRF da 5 região - Advogado cearense é condenado por orientar cliente a registrar menor para garantir visto
Em sessão de julgamento realizada terça-feira, 9/11, a 2ª turma do TRF da 5ª região, por maioria, negou provimento à apelação do advogado José Mahmoud Ayoub Barros Lubbad. O réu pretendia reverter a sentença da 11ª vara Federal do Ceará, que o havia condenado a quatro anos e dois meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, por praticar delito tipificado nos artigo 242 associado ao artigo 29 do CP (clique aqui).
O artigo 242 considera fraude o ato de "dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil". Já o artigo 29, atribui prática crimonosa a "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".
De acordo com denúncia do MPF, o advogado teria auxiliado o estrangeiro Jacob Rietveld a registrar o menor I. L. da S. R., filho de I. da S. S. e J. E. B. e S., para garantir o visto permanente no Brasil.
Segundo informações colhidas no processo, o holandês Jacob Rietveld, um dos supostos comerciantes do Bar Holanda, situado em Fortaleza/CE, ao ser intimado pela PF buscou orientação ao advogado para evitar sua expulsão do Brasil. O estrangeiro estava com o seu visto de entrada e permanência irregular.
Dentre as alternativas apresentadas pelo advogado para garantir a permanência de estrangeiro no país, estaria a de se obter o registro de um filho brasileiro ou a adoção de um nacional. Para dar sequência uma brasileira, I. da S. S, que, após conversa via telefone, compareceu ao seu escritório para detalhes das condições de adoção.
Após o Laudo de Teste de Investigação de Paternidade realizado pelo Laboratório Central de Saúde Pública, verificou-se que J. E. B. e S. é o pai biológico de I. L. da S. R. Dessa forma, o registro de reconhecimento da paternidade do menor realizado em nome do estrangeiro é ilegal por violar o estado de filiação.
Outro fato importante reconhecido pela Justiça foi a reunião com a mãe do menor ter sido realizada no escritório de José Mahmoud, tendo inclusive um dos estagiários do respectivo escritório acompanhado o estrangeiro e a mãe da criança ao cartório de registro civil para formalização do registro ilegal, o que demonstra o dolo da conduta do advogado, que tinha pleno conhecimento da ilegalidade do procedimento.
A defesa do advogado, entretanto, alegou que ele teria dito ao holandês que possuir um filho no Brasil seria uma das formas de permanecer no país, mas não o teria induzido à prática criminosa. Além disso, segundo a defesa, José Mahmoud desconhecia o fato de que a criança não era realmente filha do estrangeiro. Segundo o relator do processo, desembargador Federal Francisco Barros Dias, a culpabilidade de José Mahmoud é elevada, já que, na qualidade de advogado, tinha pleno conhecimento da ilicitude da sua conduta. "O apelante utilizou-se dos seus conhecimentos técnicos para infringir a lei. Ao invés de seguir os pressupostos legais em questão, utilizou o seu conhecimento para burlar e fraudar a legislação", disse o magistrado.
Além disso, o desembargador entendeu que o advogado se aproveitou da precária situação financeira e da pouca escolaridade da mãe da criança para praticar o crime. "Esse fato demonstra que a personalidade do condenado é de pessoa ardilosa : optou justamente por agenciar pessoa humilde, mais fraca, inconsciente da trama a que estava sendo levada", explicou Francisco Barros Dias, que decidiu manter a pena fixada na primeira instância da Justiça Federal. Os desembargadores Federais Francisco Wildo e Emiliano Zapatta (convocado) também participaram do julgamento.
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Confira abaixo a decisão na íntegra.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 7518/CE (2003.81.00.028386-9)
APTE : JOSE MAHMOUD AYOUB BARROS LUBBAD
ADV/PROC : LEANDRO DUARTE VASQUES E OUTRO
APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM: 11ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (PRIVATIVA EM MATÉRIA PENAL)
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS - Segunda Turma
INICIO VOTO
VOTO
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal FRANCISCO BARROS DIAS (Relator):
Trata-se de Apelação Criminal interposta por JOSÉ MAHMUOD AYOUB BARROS LUBBAD contra sentença, prolatada em sede de Ação Penal Pública, que julgou procedente a pretensão punitiva para condenar o Apelante a pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semi-aberto pela prática do delito tipificado no art. 242 c/c art. 29 do Código Penal Brasileiro.
1. PRELIMINAR DE NULIDADE ABSOLUTA.
Alega, preliminarmente, ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, em virtude de a oitiva de Maria Irinete haver sido tomada após a apresentação das alegações finais, em contrariedade às regras do Código de Processo Penal, especificamente o art. 404.
Impugna o Recorrente a produção de prova testemunhal , haja vista a suposta ocorrência de preclusão lógica-temporal com relação à abertura de nova vista ao Ministério Público Federal para se manifestar sobre a necessidade de oitiva de testemunha, cujos esclarecimentos já tinham sido dispensados anteriormente.
Entretanto, conforme se observa da análise dos autos, demonstra-se que a desistência do parquet pela oitiva da testemunha num primeiro momento nos autos do processo penal, baseou-se em certidão equivocada de que o endereço da testemunha não constava nos autos. Revelando-se, posteriormente, engano da secretaria em tal informação.
Convenceu-se o Magistrado da imprescindibilidade de proceder à oitiva da testemunha, tendo oportunizado ao Ministério Público Federal se manifestar mais uma vez sobre a realização ou não da audiência respectiva.
Inexistiu, na verdade, qualquer ofensa aos princípios do contraditório, do devido processo legal e da igualdade das partes, vez que se atendeu, em contrapartida, ao princípio da verdade real que norteia a atividade do Magistrado no curso do processo penal.
De fato, a decisão judicial objetivou sanar irregularidade e esclarecer os fatos, evitando-se possível declaração futura de nulidade.
Após a inquirição da testemunha devolveu o magistrado o prazo para a apresentação de novas alegações finais, tanto para o Ministério público quanto para a defesa, oportunizando a reanálise das provas. Somente após o pronunciamento final das partes foi proferida a sentença, cumprindo todos os procedimentos do Código de Processo Penal.
Acrescente-se ainda que, indepedentemente do requerimento das partes, pode o Juiz, no curso da instrução ou antes de proferir sentença determinar de ofício diligência para dirmir dúvida que entenda relevante, nos termos do art. 156 do CPP, inclusive ouvida de testemunha, se for o caso.
Com muito maior razão pode dar oportunidade ao Ministério Público ou a Defesa para dizer sobre a possibilidade de determinado depoimento testemunhal.
Outrossim, a questão não comporta maiores digressões, tendo em conta que esta E. Segunda Turma, por unanimidade, nos autos do Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Apelante contra a decisão que não recebeu o recurso de apelação interposto contra a decisão que converteu o julgamento em diligência, negou provimento ao recurso, na sessão do dia 05/10/2010, nos termos da ementa abaixo:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. NÃO RECEBIMENTO DE APELAÇÃO. DECISÃO QUE NÃO DESAFIA O INSTRUMENTO RECURSAL INTERPOSTO. EFEITO SUSPENSIVO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Cinge-se a questão dos autos à análise de Recurso em Sentido Estrito interposto em face de decisão proferida nos autos de Ação Penal Pública, que não recebeu o recurso de apelação interposto pelo Recorrente em face de decisão interlocutória que determinou a oitiva de testemunha, acatando solicitação do parquet federal atuante na primeira instância e rejeitando a manifestação contrária do particular.
2. A interposição do recurso de apelação contra a decisão que determinou a realização de audiência se encontra inteiramente descabida dentre das possibilidades previstas pelo legislador como uma das situações recorríveis no processo penal. Inexistindo a possibilidade de interposição da apelação, resta inaplicável a incidência do art. 581, XV, do CPP, vez que não se denegou apelação, mas apenas não se recebeu o instrumento recursal interposto, por absoluta inadequação processual.
3. A questão decidida acerca da necessidade de oitiva de testemunha pelo Juiz singular se revela como decisão interlocutória por tratar de questão processual simples, não podendo ser desafiada por Apelação como pretende o Recorrente.
4. Inexistiu, na verdade, qualquer houve ofensa aos princípios do contraditório, do devido processo legal e da igualdade das partes, vez que se atendeu, em contrapartida, ao princípio da verdade real que norteia a atividade do Magistrado no curso do processo penal. Até mesmo porque, indepedentemente do requerimento das partes, pode o Juiz, no curso da instrução ou antes de proferir sentença determinar de ofício diligência para dirmir dúvida que entenda relevante, nos termos do art. 156 do CPP.
5. Recurso em Sentido Estrito conhecido, mas desprovido.
Por fim, o processo penal é regido pela verdade real de forma que havendo dúvidas do juízo acerca dos fatos, deverá proceder, de ofício, às diligências que entender necessária para o seu esclarecimento.
Dessa forma, deve ser rejeitada a preliminar de nulidade arguida pela parte.
2. TIPIFICAÇÃO
O Apelante foi denunciado pela prática do crime tipificado no art. 242 c/c art. 29 do do Código Penal, a seguir transcrito:
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
Art. 29- Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
O núcleo da segunda figura do tipo penal é registrar filho de outrem como seu, punível a título de dolo, consistente na vontade livre e consciente de registrar filho alheio como próprio com a intenção de suprimir ou alterar direito inerente ao estado civil.
3. MÉRITO
O Apelante foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter auxiliado o estrangeiro JACOB RIETVELD a registrar como seu o menor IGOR LUCAS DA SILVA RIETVELD, filho de IVONEIDE DA SILVA SOUZA e JOSÉ EDSON BEZERRA E SILVA, para garantir o visto permanente no Brasil.
Consta do processo, que o holandês Jacob Rietveld, um dos supostos comerciantes do "Bar Holanda", situado na cidade de Fortaleza/CE, ao ser intimado pela Polícia Federal para deixar o país por estar com o seu visto de entrada e permanência irregular, buscou orientação profissional do advogado José Mahmoud Ayoub Lubbad, acerca de como proceder para evitar sua expulsão do Brasil.
Entre as alternativas apresentadas pelo advogado, estaria a de se obter o registro de um filho brasileiro ou a adoção de um nacional, condição essa admitida para permanência no país. Para conseguir esse intento, foi contatada, via empregados de seu escritório, a brasileira Ivoneide da Silva Souza, genitora do menor Igor Lucas da Silva, que, após conversa via telefone, compareceu ao seu escritório para detalhes das condições a serem pactuadas.
A materialidade do crime está configurada, conforme se observa do Laudo de Teste de Investigação de Paternidade realizado pelo Laboratório Central de Saúde Pública, que concluiu que o Sr. JOSÉ EDSON BEZERRA DA SILVA é o pai biológico de IGOR LUCAS DA SILVA SOUZA, fls. 427/430, sendo o registro de reconhecimento da paternidade do menor realizado em nome do estrangeiro JACOB RIETVELD ilegal por violar o estado de filiação.
Quanto à autoria, os depoimentos colhidos em juízo demonstram claramente que o Apelante providenciou o registro ilegal do menor, prestando todas as orientações necessárias ao estrangeiro, inclusive tendo sua secretaria entrando em contato com a Sra. IVONEIDE DA SILVA SOUZA para que a mesma aceitasse a proposta para permitir que o estrangeiro JACOB RIETVELD registrasse ilegalmente o seu filho com a finalidade de regularizar a sua permanência no país.
Registre-se que a reunião com a mãe do menor foi realizada no escritório do Apelante, tendo inclusive um dos estagiários do referido escritório acompanhado o estrangeiro e a mãe do menor ao Cartório de Registro Civil para formalização do registro ilegal do menor, o que demonstra o dolo da conduta do Apelado que tinha pleno conhecimento da ilegalidade do procedimento, conforme se observa de trecho dos depoimentos a seguir transcritos, prestados em juízo e perante a autoridade policial:
"( ) que em doze de abril de 2001 deu a luz um menino de nome Igor Lucas; que o pai da criança se chama José Edson Bezerra da Silva; que quatro meses depois do parto, registrou o menino no Cartório de Registro civil; que quando retornou da licença maternidade, foi instada a fazer um registro civil e que por isso procurou José Edson a assumir a paternidade, mas este se recusou; que a época dos fatos, era sua colega no Hotel Brasil Tropical a pessoa chamada Irinete da Silva; que Irinete da Silva era tia de Ilana; que Irinete era companheira de trabalho há muito tempo e sabia que a depoente era mãe solteira e que estava precisando de ajuda; que certo dia, Ilana telefonou para a residência da depoente dizendo que o advogado para qual trabalhava, Dr. Mahmoud, estava necessitando de uma criança para ser "apadrinhada" por um "gringo" (salvo engano holandês); que Ilana orientou a depoente a pegar um táxi e se dirigir ao escritório do Dr. Mahmoud; que como a depoente achou a história estranha, pediu que uma amiga sua. Maria Lúcia do Nascimento, lhe acompanhasse na sua ida ao escritório; que ao chegar ao escritório do Sr. Mahmoud estavam presentes, além dele, dois holandeses, sendo um Jacob Rietveld, e um outro advogado; que o Sr. Mahmoud disse que o "apadrinhamento" se tratava de algo absolutamente legal e que traria benefícios como um plano de saúde ao filho da depoente e a si própria; que também seria dada uma "ajuda de custo"; que pensa que o ato se destinava a assegurar um "passe livre" ao holandês: que no mesmo dia foi levado por um advogado do escritório - salvo engano de nome Tiago - e por Ilana a um cartório localizado no centro de Fortaleza; que no cartório assinou um documento apresentado pelo advogado mas não chegou a ler o seu conteúdo; ( ) que a única vez que viu o holandês Jacob foi quando compareceu ao escritório do Sr. Mahmoud; que sua amiga Maria Lúcia permaneceu ao lado da depoente durante todo o momento em que esta se encontrava no escritório do Dr. Mahmoud."(IVONEIDE DA SILVA SOUZA, GENITORA DO MENOR, fls. 300/302)
" ...que no dia 08 de outubro de 2003, IVONEIDE recebeu um telefonema de uma pessoa de nome ILANA, que dizia saber que a mesma era mão solteira e tinha um filho, e cuja situação financeira para criar o filho era muito difícil; que ILANA disse que havia um estrangeiro de nacionalidade holandesa que estava muito interessado em adotar uma criança brasileira para poder ficar no Brasil e conseguir um visto de permanência; Que ILANA disse ainda que o estrangeiro holandês também se comprometeria a pagar todo mês uma pensão alimentícia de um salário mínimo para o filho de IVONEIDE; Que IVONEIDE foi convidada a comparecer no escritório onde ILANA trabalha para que pudesse conversar com um advogado que seria o patrão da mesma; que ILANA informou a IVONEIDE que trabalhava para o advogado JOSÉ MARMUD AYOUB BARROS LUBAD, com escritório à Av. Santos Dumont 2626, Ed. Plaza Tower, sala 107, 1º andar; [...] Que ao chegarem ao escritório do advogado JOSÉ MARMUD, a declarante e sua amiga MARIA LÚCIA tiveram uma reunião entre os advogados JOSÉ MARMUD, HUMBERTO BEZERRA, dois estrangeiros holandeses, e mais duas mulheres cujo nome não sabe declinar; [...] que a reunião durou cerca de 10 minutos e o advogado JOSÉ MARMUD disse para IVONEIDE que aquele ato tratava-se de uma espécie de adoção para que o holandês de nome JACOB RIETVELD pudesse ajudar IGOR LUCAS para poder assim ter um visto de permanência no Brasil, informando ainda que o holandês só poderia ficar no Brasil se casasse com uma brasileira ou adotasse uma criança também brasileira; [...] que comprometeu-se ainda o advogado a entrar com uma ação na justiça caso o holandês deixasse de pagar a pensão alimentícia para o filho de IVONEIDA; que neste mesmo dia, juntamente com outra pessoa que se diz advogado, de nome THIAGO FERREIRA DA SILVA, a secretária do advogado JOSÉ MARMUD, ILANA CARLA DA SILVA, e o holandês JACOB DIRIGIRAM-SE AO CARTÓRIO Melo Junior onde foi lavrado uma escritura pública de reconhecimento de paternidade, [...] (MARIA LÚCIA NASCIMENTO DA SILVA, AMIGA DA GENITORA DO MENOR QUE A ACOMPANHOU NO ESCRITÓTIO DE ADVOCACIA, fls. 16/18):
"...Que reconhece como sendo sua a assinatura constante do depoimento de fls. 106/107 dos presentes autos; que confirma integralmente o teor do referido depoimento, que lhe foi lido nesta oportunidade; que como consta nesse depoimento, certa vez recebeu uma ligação de sua sobrinha Ilana, perguntando-lhe se desejaria registrar o seu filho menor no seu nome no de outro nome; que ela não falou que esse homem era estrangeiro, esclarecendo, porém, que não seria feito o registro em nome do pai do filho da depoente; que o advogado, que recebera o telefone de Ilana, perguntou à depoente se ela não teria uma pessoa para registrar o seu filho, tendo a depoente efetivamente indicado Ivoneide. Que a depoente disse que, antes, entraria em contato com Ivoneide, perguntando se ela queria registrar o seu filho; que ela respondeu que sim; que, posteriormente, Ilana e Ivoneide se falaram para tratar desse assunto; ...que acredita que falou com o advogado Mahmoud, pois Ilana disse que passaria o telefone para ele; que a depoente nunca tinha ouvido falar nesse advogado, nem conhecia a sua voz"(...) (MARIA IRINETE DA SILVA, TIA DE ILANA (FLS. 527/528)
Conclusivo para configuração da autoria delitiva o Termo de Acareação entre a genitora do menor IVONEIDE DA SILVA SOUZA e a secretária do escritório ILANA CARLA DA SILVA, in verbis:
"(...) que ratifica integralmente os termos de suas declarações prestadas nesta Polícia federal às fls. 56/61, porém desejando fazer algumas correções; Que, realmente, acerca dos fatos apurados nestes autos, telefonou para sua tia de nome IRINETE, a quem comentou que o escritório onde trabalhava, estaria procurando uma criança para adoção ou apadrinhamento, não lembra exatamente o termo, e que sendo indicado por sua tia o nome de uma amiga dela, sendo esta amiga a Sra. IVONEIDE, aqui presente, 1ª acareada, tendo sua tia, inclusive, fornecido seu telefone, a segunda acareada, efetivamente telefonou para IVONEIDE, expondo a mesma situação que expôs à sua tia; Que, o fato é que o patrão da Segunda acareada, Dr. JOSÉ MARMUD, comentou para ela que um cliente do escritório estava procurando uma criança para ser adotada ou apadrinhada, visto que o escritório precisava regularizar a estada no Brasil de estrangeiro (...), fls. 156/160 do inquérito policial"
Assim, as provas colhidas em juízo comprovam que o Apelante concorreu para a prática do delito previsto no art. 242 do CPC, tendo atuado, nos termos da sentença, como um verdadeiro agenciador do registro ilegal do menor, uma vez que na qualidade de advogado, o qual trabalhava com estrangeiros, tinha pleno conhecimento de que a conduta de registrar filho de outrem como seu era ilícita.
O fato do ora Apelante ter sido absolvido nos autos da ACR 5711, em que havia sido denunciado por fato idêntico, envolvendo outro estrangeiro, outra mãe cearense e outro menor, não tem o condão de elidir a condenação neste processo, pois o motivo que levou esta E. Segunda Turma a reformar o decreto condenatório de primeiro grau, decorreu da insuficiência da prova produzida em juízo, conforme se observa do voto do Relator, Desembargador Federal Manoel Erhardt, in verbis:
"6. Minha posição é no sentido de dar provimento ao apelo, mas isto por uma questão puramente jurídica, por entender que, em sede judicial, realmente, não se reproduziu a prova que foi obtida pelas diligências empreendidas no curso do procedimento inquisitivo. E como essa prova foi primordialmente uma prova testemunhal, não foi caso de uma prova pericial, de uma prova técnica, não foi reproduzida no âmbito da instrução criminal; tais considerações não indicam que esteja convencido da inocência do recorrente, tanto que estarei absolvendo em virtude da insuficiência, para efeito de decreto condenatório, em que se exige certeza dos fatos apresentados, das provas produzidas em Juízo.
7. Acho até possível que, efetivamente, o fato tenha acontecido, os elementos colhidos no inquérito têm credibilidade, poderiam indicar até neste sentido, mas sigo a orientação já esposada acima, de que, no âmbito do processo penal, existe a necessidade de que a prova obtida no curso do inquérito seja ratificada pelo que foi produzido judicialmente. Se formos ver, a prova obtida em Juízo não tem nada: tem o interrogatório em que o acusado, evidentemente, nega a autoria do delito; tem o depoimento de uma testemunha que nada diz acerca dos fatos; e tem o depoimento de outra testemunha que se retratou do que havia dito.
8. Então, são por essas razões que voto no sentido da absolvição, mas deixo inteiramente à vontade os eminentes colegas para, se quiserem, pedir vista dos autos, examinar bem a prova e até analisar a questão jurídica, porque é perfeitamente viável a outra corrente, é só uma questão de posicionamento jurídico em torno do valor da prova colhida no inquérito policial." (fls. 456 e 457)
Naquela oportunidade, na qualidade de integrante da 2ª Turma, acompanhei o voto do Exmo. Relator para dar provimento à apelação e absolver o acusado em face da não reprodução em juízo de elementos necessários a comprovação da certeza da autoria delitiva.
Circunstância não verificável nos autos, onde os elementos de prova colhidos em juízo são suficientes para comprovação da autoria delitiva.
Dessa forma, mantenho do decreto condenatório do Apelado, JOSÉ MAHMOUD AYOUB BARROS LUBBAD, pela prática do delito previsto no art. 242 c/c art. 29 do Código Penal Brasileiro.
Passo a análise do pedido alternativo de retificação da pena-base imposta ao apelante.
4. APLICAÇÃO DA PENA.
Pugna o Apelante pela retificação da pena-base, a fim de ser fixada no mínimo legal (2 anos), tornando-a definitiva.
No que pertine a pena-base, entendeu o juiz prolator da sentença que as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal são desfavoráveis ao Apelante, especialmente a culpabilidade, as circunstâncias e conseqüências do delito e a personalidade do autor do fato, fixando-a em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Quanto à primeira circunstância judicial-culpabilidade, Celso Delmanto no Código Penal Comentado assevera que se deve "aferir o maior ou menor índice de reprovabilidade do agente pelo fato criminoso praticado, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a indigitada prática delituosa, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente na situação em que o fato ocorreu", fl. 186.
Assim, a análise da culpabilidade deve ser aferida considerando em que medida, no caso concreto, o agente tinha consciência da ilicitude da ação realizada.
In casu, a culpabilidade do Apelante é elevada, tendo em conta a que o mesmo, na qualidade de advogado, tinha pleno conhecimento da ilicitude da sua conduta, inclusive considerando que o mesmo trabalhava profissionalmente com vários estrangeiros, conforme afirmado em seu interrogatório.
Assim, utilizou-se o Apelante dos seus conhecimentos técnicos para infringir a lei, conduta que não era exigível do agente na situação do fato.
Lapidar a conclusão do juiz, in verbis:
Pois bem. Atento a essas premissas, considero ser bastante exacerbada a culpabilidade no caso concreto. Com efeito, é inegável o elevado conhecimento da ilicitude da sua conduta por parte do condenado JOSÉ MAHMOUD AYOUB BARROS LUBBAD, pois, além de ser advogado, admitiu em seu interrogatório que "à época atendia profissionalmente vários estrangeiros", ou seja, tinha o condenado plena consciência dos requisitos legais e dos trâmites burocráticos que ensejariam a concessão de visto de permanência a estrangeiros. Ao invés de seguir os pressupostos legais em questão, utilizou do seu conhecimento técnico justamente para burlar e fraudar a lei. Aliás, ainda quanto a esse aspecto, não se pode desprezar que o ardil engendrado pelo condenado JOSÉ MAHMOUD AYOUB BARROS LUBBAD serviu como instrumento para induzir em erro o Judiciário, o que se comprova a partir da impetração de habeas corpus na Justiça Federal alegando justamente a (falsa) paternidade (fls. 31/34).
Não elide a elevada culpabilidade do agente a alegação de que ao tomar conhecimento de que o estrangeiro estava envolvido com falsificação de carimbos de entrada e saída do país desistiu da ação de Habeas Corpus, uma vez que todos os elementos constantes dos autos são cristalinos quanto a comprovação da atuação do Apelante na prática delituosa.
Também não merece reparos à análise da personalidade do agente e das circunstâncias e consequências do delito para fins de aferição das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, as quais utilizo como razões de decidir:
"As "circunstâncias" e "conseqüências" do delito, além da "personalidade" do autor do fato, também ensejam um grau maior de reprovabilidade nos termos do art. 59 do Código Penal. O condenado JOSÉ MAHMOUD AYOUB BARROS LUBBAD se aproveitou da precária situação financeira de IVONEIDE DA SILVA SOUZA, além da sua pouca escolaridade, para a prática do ilícito referido neste sentença. Esse fato demonstra que a personalidade do condenado é de pessoa ardilosa: optou justamente por agenciar pessoa humilde, mais fraca, inconsciente da trama a que estava sendo levada. No caso das conseqüências do crime, ressalta-se o fato de que IGOR LUCAS DA SILVA RIETVELD ficou desassistido, ou seja, não lhe foi paga a "pensão alimentícia" prometida pelo condenado JOSÉ MAHMOUD AYOUB BARROS, que chegou ao cúmulo do ludibrio de lhe prometer que entraria "com uma ação na justiça caso o holandês deixasse de pagar a pensão alimentícia para o filho de IVONEIDA" (fls. 16/18)".
Considerando que as circunstâncias judiciais do art. 59 são desfavoráveis para o Apelante deve ser mantida a pena-base fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
No que pertine a agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal, a mesma deve ser mantida, pois restou demonstrado que o Apelante "promoveu" e "organizou" a conduta do estrangeiro, co-autor do delito, além de ter "dirigido" a atividades dos demais agentes. Ademais "partiu do condenado a iniciativa de entrar em contato telefônico com a mãe do menor, tendo ainda realizado em seu escritório de advocacia a reunião que venceu a frágil resistência desta e formalizou o acordo espúrio, fazendo providenciar, outrossim, a formalização do ato em cartório".
O aumento utilizado pelo juiz foi de 8 (oito) meses em cima da pena-base, o que mostra-se razoável, tornando-se a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
Nestes termos, nego provimento à apelação interposta por JOSÉ MAHMUOD AYOUB BARROS LUBBAD.
É como voto
FIM VOTO
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO. ART. 242 DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO DE PESSOAS. REGISTRO FALSO DE FILHO POR ESTRANGEIRO PARA REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO NO PAÍS. CO-AUTORIA DO ADVOGADO. COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PENA.
1. Apelação Criminal interposta contra sentença, prolatada em sede de Ação Penal Pública, que julgou procedente a pretensão punitiva para condenar o Apelante a pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semi-aberto pela prática do delito tipificado no art. 242 c/c art. 29 do Código Penal Brasileiro.
2. A desistência do parquet pela oitiva da testemunha num primeiro momento nos autos do processo penal, baseou-se em certidão equivocada de que o endereço da testemunha não constava nos autos. Revelando-se, posteriormente, engano da secretaria em tal informação. A decisão judicial oportunizando ao MPF a oitiva da testemunha objetivou sanar irregularidade e esclarecer os fatos, evitando-se possível declaração futura de nulidade.
3. Inexistiu qualquer ofensa aos princípios do contraditório, do devido processo legal e da igualdade das partes, vez que se atendeu, em contrapartida, ao princípio da verdade real que norteia a atividade do Magistrado no curso do processo penal. Até mesmo porque, indepedentemente do requerimento das partes, pode o Juiz, no curso da instrução ou antes de proferir sentença determinar de ofício diligência para dirmir dúvida que entenda relevante, nos termos do art. 156 do CPP.
4. A materialidade do crime está configurada, conforme se observa do Laudo de Teste de Investigação de Paternidade realizado pelo Laboratório Central de Saúde Pública, que concluiu não ser o estrangeiro pai biológico de menor, sendo o registro de reconhecimento da paternidade do menor realizado em nome do estrangeiro ilegal por violar o estado de filiação.
5. Quanto à autoria, os depoimentos colhidos em juízo demonstram claramente que o Apelante providenciou o registro ilegal do menor, prestando todas as orientações necessárias ao estrangeiro, inclusive entrando em contado com a genitora para que a mesma aceitasse a proposta para permitir que o estrangeiro registrasse ilegalmente o seu filho com a finalidade de regularizar a sua permanência no país.
6. A reunião com a mãe do menor foi realizada no escritório do Apelante, na presença deste, tendo inclusive um dos estagiários do referido escritório acompanhado o estrangeiro e a mãe do menor ao Cartório de Registro Civil para formalização do registro ilegal, o que demonstra o dolo da conduta do Apelado que tinha pleno conhecimento da ilegalidade do procedimento.
7. As provas colhidas em juízo comprovam que o Apelante concorreu para a prática do delito previsto no art. 242 do CPC, tendo atuado como um verdadeiro agenciador do registro ilegal do menor, uma vez que na qualidade de advogado, o qual trabalhava com estrangeiros, tinha pleno conhecimento de que a conduta de registrar filho de outrem como seu era ilícita.
8. A culpabilidade do Apelante é elevada, tendo em conta a que o mesmo, na qualidade de advogado, tinha pleno conhecimento da ilicitude da sua conduta, inclusive considerando que o mesmo trabalhava profissionalmente com vários estrangeiros, conforme afirmado em seu interrogatório. Utilizou-se o Apelante dos seus conhecimentos técnicos para infringir a lei, conduta que não era exigível do agente na situação do fato.
9. As "circunstâncias" e "conseqüências" do delito, além da "personalidade" do autor do fato, também ensejam um grau maior de reprovabilidade nos termos do art. 59 do Código Penal. Considerando que as circunstâncias judiciais do art. 59 são desfavoráveis para o Apelante deve ser mantida a pena-base fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
10. No que pertine a agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal, a mesma deve ser mantida, pois restou demonstrado que o Apelante "promoveu" e "organizou" a conduta do estrangeiro, co-autor do delito, além de ter "dirigido" a atividades dos demais agentes.Pena definitiva mantida em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
11. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal FRANCISCO BARROS DIAS
Relator
FIM EMENTA
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