Advogado é indenizado por bloqueio de celular que usava para contatar clientes
A juíza Maria Esther Chaves Gomes, de Altinópolis/SP, julgou parcialmente procedente pedido de indenização por danos materiais e morais formulado pelo advogado Ricardo Clemente Garcia contra operadora de telefonia móvel por prejuízos decorrentes do bloqueio de seu celular pós-pago.
Da Redação
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Atualizado às 08:52
Alô ?
Advogado é indenizado por bloqueio de celular que usava para contatar clientes
A juíza Maria Esther Chaves Gomes, de Altinópolis/SP, julgou parcialmente procedente pedido de indenização por danos materiais e morais formulado pelo advogado Ricardo Clemente Garcia contra operadora de telefonia móvel por prejuízos decorrentes do bloqueio de seu celular pós-pago.
O advogado alegou que utilizava a linha para contatar clientes. Segundo a juíza, o "autor comprovou que se utilizava com frequência da linha bloqueada, sendo crível que, a par da contratação recente, tivesse repassado o seu número a diversas pessoas. Ademais, constata-se que percorreu árduo caminho na busca de uma solução efetiva para o indevido bloqueio".
De acordo com a sentença, os danos foram calculados levando em consideração também os "numerosos protocolos de atendimento e os lastimáveis diálogos travados com os atendentes da operadora", os quais despenderam energia e tempo significativos.
Sendo assim, a juíza concluiu que "o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais é suficiente para, de um lado, propiciar a reparação devida, e de outro, desestimular as rés à prática de novos atos contrários ao direito".
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Leia abaixo a íntegra da sentença.
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Processo nº 012.01.2010.000124-7
Vistos.
Trata-se de pedido de indenização por danos materiais e morais formulado por RICARDO CLEMENTE GARCIA em face de CLARO S.A. e AMERICEL S.A., ao teor de prejuízos decorrentes do indevido bloqueio de linha de telefonia celular objeto de avença com as requeridas mediante plano pós-pago com diversos benefícios.
Busca o autor, ainda, a condenação das rés em obrigação de não fazer, consistente em não bloquear a linha em questão senão por falta de pagamento ou solicitação do titular. Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38 da Lei n.º 9.099/95.
DECIDO.
O autor alega que firmou o contrato em questão em 16.12.09, passando a participar de promoções que incluíam franquias e bônus de minutos, pacote de torpedos, descontos para ligações com o mesmo código de área e isenção de cobrança para a aquisição de um chip Claro. Afirma, ainda, que não havia utilizado a totalidade dos benefícios de minutos de ligações e torpedos quando, em 05.01.10, teve o seu celular indevidamente bloqueado.
Visando resolver o problema passou a contatar a Operadora Claro em seu sistema de Chat Online, obtendo, inicialmente, a informação de que havia ocorrido solicitação de suspensão voluntária dos serviços, solicitando-se prazo de quatro horas para que o celular voltasse a funcionar. A seguir, um consultor, identificado como Gean, lhe informou que havia sido feito bloqueio de linha por perda ou roubo, mas confirmou a ausência de requerimento e, desculpando-se pelo erro, disse que a linha já estava sendo reativada.
Contudo, vinte e quatro horas após o ocorrido, novamente o autor teve a sua linha bloqueada, enquanto comunicava-se com clientes. Contatou a Operadora Claro pelo número 1052 e também pelo chat. Desta feita, a ré respondeu que havia ocorrido a suspensão porque o autor teria "excedido o limite" de uso da linha, não sabendo informar quando e como isso se deu. Além disso, a ré exigiu que fosse antecipado o pagamento da fatura vincenda, condicionando a tanto o desbloqueio da linha. E assim, mesmo sem considerar-se devedor, o autor procedeu ao pagamento antecipado, em 20.01.10. Entretanto, seu telefone permaneceu bloqueado indevidamente até a propositura da ação, causando-lhe inúmeros transtornos e prejuízos, inclusive de ordem profissional.
Citadas as requeridas, a AMERICEL S.A. não ofertou resposta e tampouco compareceu em audiência. Já a co-ré CLARO S.A. ofereceu contestação alegando que a linha do autor já se acha ativa, e que não se verifica nexo de causalidade e tampouco culpa da ré na produção do suposto dano. Ademais, o valor requerido pelo autor se mostra excessivo, carecendo de razoabilidade e proporcionalidade. O autor juntou diversos documentos, buscando comprovar as suas alegações. Instruíram a inicial comprovante de contratação do plano e aquisição do aparelho e do chip, os regulamentos aplicáveis, conforme disponibilizados pela Operadora em seu site, contrato de prestação de serviços com as requeridas, o Regulamento editado para o serviço móvel pessoal, conforme Resolução da ANATEL, material de propaganda dos serviços promocionais, cópias das telas de comunicação com a Operadora Claro por iniciativa do autor, e comprovantes de pagamento e de recargas em pré-pago no período de privação (fls. 22/161).
Em audiência foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo autor. Luciene de Fátima Colosio Saltarelli afirmou que é cliente do autor e tinha ajuizado com ele uma ação questionando uma cobrança de dívida feita indevidamente em seu nome. Em janeiro de 2010 tentou falar durante semanas através do único numero de telefone que tinha, que era de um celular, mas não conseguiu. A mensagem de resposta era que o telefone não estava programado para receber chamadas. Queria saber o andamento da ação e só conseguiu quando ele próprio ligou para a depoente, e isso foi mais de um mês depois. Não houve problemas na sua ação. O autor lhe explicou o que tinha acontecido e manteve o mesmo numero de contato. Foi atendida também na casa do advogado autor, mas depois dos telefonemas. O autor tem escritório na mesma cidade, mas não sabia onde era, soube só depois dos fatos já narrados. Na época dos telefones tinha passado o caso por telefone para o autor. Procuração só lhe outorgou depois. A ação foi ajuizada depois que tiveram contato pessoal e assinou papéis, sendo que fez um acordo na ação ajuizada por ela (fls. 236/237).
Marcelo Murakami relatou que por volta de janeiro deste ano, o autor teve o celular desligado. Ele inclusive lhe pediu o seu próprio celular emprestado porque o dele não falava. Na ocasião ele estada desesperado, porque tinha que fazer uma ligação na hora. O seu relacionamento com o autor é profissional porque Lee presta serviços na empresa onde o depoente trabalhar. Segundo o autor comentou ele tentou falar com a empresa claro várias vezes, mas o telefone ficou desligado por muito tempo, pelo menos por duas semanas. O autor usa o celular o tempo todo, conforme o depoente já pôde observar. Na empresa pôde observar o autor pedir emprestado os telefones de Leonardo, Gilson e de outro Marcelo. Acredita que o autor seja cliente da Claro há cerca de dois ou três anos. O celular do autor é utilizado para contato como advogado. O celular do depoente no momento em que o emprestou estava funcionando normalmente e também era da Claro. O autor presta serviços jurídicos para empresa Ferrero Ltda, onde trabalha o depoente. Quando lhe emprestou o celular ele conseguiu fazer a ligação. Na verdade ele falou com cliente e com a Claro, mas esta última não resolveu o problema (fls. 238/239).
Tiago Aparecido Milan narrou que no começo do ano, em janeiro, estava à noite de fora da sua casa, quando passou de carro o autor, e pediu o seu telefone emprestado. Ele lhe disse que a Claro havia bloqueado o seu celular, mas não entrou em detalhes. O depoente emprestou o telefone, mas não fez perguntas sobre a ligação que ele precisava fazer. São amigos e moram perto. Algumas vezes pôde presenciar o autor falando ao telefone celular quando o encontrava. O autor utiliza o celular para manter o contato com os clientes. Desconhece outro número de telefone do autor que não seja aquele (fls. 240/241).
Outrossim, a co-ré CLARO S.A., conquanto intimada, não se fez representar na audiência de instrução por preposto, e nem mesmo por advogado, o que se depreende da ausência de assinatura no substabelecimento afinal juntado após o prazo concedido para tanto. Assim, frustrou-se a possibilidade de colheita do depoimento pessoal requerido pelo autor, e se verificou, ao final, para ambas as rés, a situação do artigo 20 da Lei nº 9099/95: "Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz".
É certo que a contratação de serviços de telefonia móvel pode ser tormentosa em seus contornos, na medida em que se acha geralmente contida no bojo de pacotes promocionais que nem sempre são de fácil compreensão para o consumidor - embora esse aspecto deva ser garantido pela prestadora. No caso dos autos, o autor comprovou a contratação e o plano escolhido, e indicou as promoções e ofertas a que aderiu. Caberia às rés impugnar esses pontos, demonstrando que o autor não cumpriu o quanto a seu cargo, ou mesmo comprovando que de algum modo não adquiriu os direitos que invoca. Isso, contudo, não se deu. Ao contrário, mesmo diante da farta prova documental apresentada pelo autor, a co-ré CLARO S.A, que ao menos ofertou resposta, limitou-se a argumentos genéricos sem qualquer liame com o caso dos autos, exceto na alegação de que a linha já se achava então desbloqueada. E mesmo quanto a isso, o seu silêncio acerca das causas do bloqueio e da reativação - e quando afinal esta última se deu - é eloqüente e indicativo do pouco caso com que tratou a questão desde que instada a resolvê-la.
Aliás, curiosamente vê-se a mesma desfaçatez no tratamento dos seus próprios interesses, uma vez que sequer conduziu a própria defesa a termo, deixando de comparecer na audiência de instrução e, além de não oferecer uma versão própria dos eventos que pudesse exculpar-lhe, inviabilizou a chance de confrontar o autor em depoimento pessoal. O quadro condiz com os bizarros diálogos entre o autor e os atendentes da operadora, no quais se sucedem queixas bem pontuadas e claras por parte do consumidor. Muito se vê nessas comunicações apontando para o despreparo e a clara afronta pela operadora aos chamados deveres anexos do contrato - de especial relevo na órbita consumerista. A ré falha notavelmente, sobretudo no dever de informação, e parece fazê-lo por não conhecer o objeto de suas explicações pífias e duvidosas. Apenas como exemplo, mencione-se a insólita resposta de fls. 115, que não pode ser compreendida com clareza. Ao que parece, houve alguma dúvida sobre a vigência de franquia originariamente concedida ao autor no plano eleito, diante do que este entendeu que outros bônus cobririam os serviços, até porque contidos nos termos da promoção à qual aderiu. Aparentemente, se têm a respeito informações contraditórias por parte da ré, como se nota às fls. 117 em cotejo com fls. 118.
O documento de fls. 149/153 é indicativo de que o autor fez uso intenso da linha, efetuando muitas chamadas, mas ali também se vê que o consumo parece ter se dado nos moldes da sua compreensão do contrato, ou seja, dentro dos limites contratados - no plano e na adesão à promoção ofertada - e segundo o estipulado no pacote promocional (fls. 71). Caso houvesse excesso por parte do autor, é certo que lhe poderiam ser cobradas as tarifas em questão, inclusive privando-o do gozo do pacote, caso assim avençado. Mas não foi o que ocorreu, pois se vê que a linha teria sido bloqueada, vedando-se o seu uso, e isso mesmo antes da conclusão do primeiro ciclo de serviços contratados, ou seja, antes da emissão de uma fatura mensal e presumindo-se que o autor não pagaria seus débitos.
Outrossim, até pelo lapso decorrido, não parece crível que o requerente tenha excedido os limites previstos na cláusula 4.2 do contrato juntado - única hipótese que autorizaria, dentro da avença e naquelas circunstâncias, o bloqueio por parte da operadora, cabendo-lhe, de qualquer sorte, comprovar a providência da cláusula 4.2.1 e não alegar um genérico protocolo de boas intenções (vide fls. 95).
Enfim, houvesse alguma razão que socorresse a conduta da ré, imagina-se que teria sido ventilada em contestação, e não foi. Nesse ponto reside a melhor contribuição da requerida - dentre outras - em prol da pretensão do autor. No mais, se os documentos juntados não são absolutamente claros e compreensíveis em seu teor, ao menos não colidem com os argumentos do requerente e em muito os corroboram. E no tocante à co-ré AMERICEL S.A., embora não se tenha bem delimitado em que consistiria a sua atuação danosa, o autor parece ter se acautelado ao propor a ação também em face dessa requerida, com quem celebrou o mesmo contrato e a qual estipulou com a co-ré CLARO S.A. os termos dos Regulamentos juntados.
De qualquer sorte, pode se entender que o silêncio da ré em questão implica em reconhecer-se a sua responsabilidade, a qual sequer contestou. Assim sendo, deve ser analisada a ocorrência dos danos invocados pelo autor, os quais decorreriam da conduta das rés. Primeiramente, quanto aos danos materiais, devem se cingir aos valores pagos para o uso de linha pré-paga durante a privação do uso de linha bloqueada, como documentado às fls. 161 - no valor que alcança R$23,00 e não R$24,00 como constou no pedido. Embora este ponto careça de informações mais detalhadas, que seriam desejáveis, o autor alegou o gasto indevido na inicial e buscou comprová-lo com aqueles comprovantes. E, mais uma vez, o silêncio das rés, que em nada o impugnaram, lhe favorece. No tocante aos danos morais reclamados, a prova testemunhal produzida não chegou a demonstrar demasiado impacto dos fatos na vida pessoal e profissional do autor. As testemunhas ouvidas se limitaram a narrar o incômodo de não se localizar com facilidade o autor, que é advogado, sendo que a primeira disse tê-lo constituído para determinada causa e ter tido problemas para comunicar-se com ele, e as demais relataram a sua necessidade de tomar emprestados outros aparelhos para falar com a sua clientela, como fazia com constância, e até com a própria ré.
Mas, se por um lado grandes prejuízos e a perda de chances específicas não foram demonstrados, por outro lado o autor comprovou que se utilizava com frequência da linha bloqueada, sendo crível que, a par da contratação recente, tivesse repassado o seu número a diversas pessoas. Ademais, constata-se que percorreu árduo caminho na busca de uma solução efetiva para o indevido bloqueio. Com efeito, pelos numerosos protocolos de atendimento e os lastimáveis diálogos travados com os atendentes da operadora, verifica-se que energia e tempo significativos foram gastos, e, o que é pior, sem sucesso.
E, por fim, mesmo diante de um quadro que não autorizava o bloqueio, exigiu a co-ré Claro, apenas em benefício próprio e sem lastro no contrato, que o autor antecipasse o primeiro pagamento dos serviços. Mais este desgaste foi enfrentado e o autor efetuou o pagamento, sem nem mesmo assim reativar o uso da sua linha imediatamente. Assim sendo, tudo indica que as requeridas, no afã de competir no mercado acirrado da telefonia móvel, ofertaram serviços que interessaram ao autor pelos seus benefícios, mas que as fornecedoras não pretendiam realmente prestar, obrigando-o a passar pelas situações desagradáveis e humilhantes experimentadas, as quais, se não foram tremendas, também não foram insignificantes ou meramente cansativas.
Tudo considerado, conclui-se que o autor sofreu danos morais de médias proporções, mostrando-se excessivo o valor pleiteado na inicial para a sua reparação. Analisando os elementos do caso, tenho que o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais é suficiente para, de um lado, propiciar a reparação devida, e de outro, desestimular as rés à prática de novos atos contrários ao direito.
Concluindo o exame do caso, no tocante ao pedido de condenação em obrigação de não fazer, tenho-o por inviável. Ocorre que não há sentido para determinar-se judicialmente uma vedação quando a lei e o contrato já o fazem, proibindo o comportamento ilícito e cominando-lhe consequências a depender do impulso da vítima. Desse modo, não vejo como determinar que as requeridas cumpram a lei e o contrato uma vez que a tanto já se acham obrigadas. Somente o absolutamente previsível, como o bloqueio precedido de informação inverídica sobre a extrapolação de limites de créditos, por exemplo, se mostraria passível de medida acautelatória, mediante medidas de urgência, inclusive, se em sede adequada. No mais, não se pode presumir a conduta contrária à lei e antecipar-se a ela, como pretende o autor, cabendo às rés serem responsabilizadas pela transgressão, se houver.
Ante o exposto, JULGO, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil: 1. PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para condenação das requeridas ao pagamento ao autor: a título de indenização por danos materiais, da quantia de R$23,00 (vinte e três reais), com correção monetária a partir do ajuizamento da ação e incidência de juros da mora de 1% ao mês a partir da citação; a título de indenização por danos morais, da quantia de R$6.000,00 (seis mil reais), com correção monetária a partir do ajuizamento da ação e incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. 2. IMPROCEDENTE o pedido inicial para condenação das requeridas a obrigação de não fazer, com imposição de multa diária em caso de descumprimento. À vista de fls. 20/21, ficam deferidos ao autor os benefícios da assistência judiciária gratuita. Sem condenação em verbas de sucumbência (artigo 55 da Lei nº 9.099/95).
P. R. I.
Altinópolis, 4 de novembro de 2010.
MARIA ESTHER CHAVES GOMES
Juíza de Direito
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