STJ - INPI não é parte legítima em processo de revisão de contrato de uso de patente
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) não é parte legítima em ação de revisão de contrato de uso de patente. Por isso, a ação sobre o tema deve tramitar na Justiça comum Estadual. O entendimento, unânime, é da 3ª turma do STJ, que acompanhou o voto do relator do recurso, ministro Sidnei Beneti.
Da Redação
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Atualizado às 08:30
Revisão de contrato
STJ - INPI não é parte legítima em processo de revisão de contrato de uso de patente
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) não é parte legítima em ação de revisão de contrato de uso de patente. Por isso, a ação sobre o tema deve tramitar na Justiça comum Estadual. O entendimento, unânime, é da 3ª turma do STJ, que acompanhou o voto do relator do recurso, ministro Sidnei Beneti.
A Videolar S/A entrou com ação contra o INPI e a Philips Eletronics N.V. para revisar um contrato de uso de patente relativo à fabricação de CD e DVD. Alegou que o contrato não refletiria o ato normativo 135 do INPI, que regula a matéria, pois permitiria grandes variações cambiais entre o dólar e o real e causaria grandes desvantagens para a empresa.
Ao analisar a questão, o TRF da 2ª região entendeu que o julgamento da ação caberia à Justiça Estadual, porque a simples incidência de ato normativo do INPI não atrairia a competência da Justiça Federal, a não ser que o próprio ato fosse questionado.
A Videolar recorreu, então, ao STJ. Afirmou que o contrato deve ser revisto em razão de ter se tornado desproporcional a prestação que lhe compete, que não mais refletiria as regras do INPI (portaria 436/1958).
A autarquia se manifestou, afirmando não ter interesse judicial na questão. O instituto disse que não participa da negociação de contratos, embora não admita contratos ou cláusulas contratuais que desrespeitem a legislação. O caso, ponderou a defesa do INPI, não seria de averbação de contrato (na qual é possível sua participação), mas de discussão de "royalties", o que não lhe compete regular.
No seu voto, o ministro Beneti apontou que a ação discute cláusulas contratuais referentes à licença de patente e pagamento de "royalties". Ele observou que o pedido diz respeito ao negócio jurídico estabelecido entre as empresas e que não se discute, em si, norma editada pelo INPI. "A única intervenção esperada pelo INPI na ação de revisão do contrato é extraprocessual, mera providência relativa a registro", afirmou o relator.
O ministro Beneti disse que foi correta a decisão de excluir a autarquia do polo passivo da ação, cabendo, portanto, à Justiça Estadual o seu processamento. A competência da Justiça Federal se firma somente naqueles casos em que a União, suas autarquias ou suas fundações efetivamente participem como autoras, rés, assistentes ou oponentes. O ministro também salientou que as atividades da autarquia seriam meramente de regulação e registro. "A demanda é de natureza eminentemente patrimonial e estritamente privada, não havendo a necessidade de atuação do INPI no caso", concluiu.
Confira abaixo a decisão na íntegra
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Processo Relacionado : Resp 1046324 - clique aqui.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.046.324 - RJ (2008/0075649-1)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : VIDEOLAR S.A E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO MAGALHÃES MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
PROCURADOR : MARGARETH GAZAL E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : KONINKLIJKE PHILIPS ELECTRONICS N V
ADVOGADO : DIEGO GOULART DE OLIVEIRA VIEIRA E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LICENÇA DE PATENTE. PAGAMENTO DE ROYALTIES . AUSÊNCIA DE INTERESSE DO INPI. DISPUTA ENTRE PARTICULARES A RESPEITO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS REFERENTES AO PAGAMENTO. ALEGAÇÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. TEORIA DA IMPREVISÃO E CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS .
I - A competência da Justiça Federal se firma somente naqueles casos em que a União, suas autarquias ou suas fundações efetivamente participem como autoras, rés, assistentes ou opoentes (CF, art. 109).
II - Na ação em que se discute apenas o pagamento do valor da remuneração pelo uso da patente, relação de interesse estritamente privado, não é necessária a intervenção do INPI, razão pela qual é competente para o julgamento do feito a Justiça Estadual.
Recurso Especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 14 de setembro de 2010(Data do Julgamento)
MINISTRO SIDNEI BENETI
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:
1.- Trata-se de Recurso Especial interposto por VIDEOLAR S.A. e OUTRO com fundamento nas alíneas "a" e "c" do art. 105, III, da Constituição da República, contra KONINKLIJKE PHILIPS ELETRONICS N.V.
2.- Consta dos autos que a sociedade recorrente ajuizou contra a recorrida ação a fim de alcançar a revisão de contratos de licença de patente de invenção, na qual discutiu, entre outras, cláusulas referentes ao pagamento de royalties.
Em Agravo de Instrumento, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região acolheu a tese da recorrida de que o processamento e julgamento do feito competia à Justiça Estadual. Entendeu aquela Corte que o INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, INPI, a despeito das regras impostas pela autarquia a contratos como o que ora se discute, não era parte legítima para atuar no feito.
O acórdão recorrido, Rel. Des. ANDRÉ FONTES, tem a seguinte ementa (fl. 169):
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E DIREITO PROCESSUAL. REVISÃO JUDICIAL DE CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Se a ação se destina a cobrar tão-somente o valor das remunerações ou realdades (royalties em versão anglófona) pelo uso da patente, deve ser processada a causa na Justiça estadual.
2. A incidência do ato normativo nº 135 do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, que regula a celebração de contratos de cessão de uso de patente, não atrai necessariamente a competência da Justiça Federal, a não ser que o próprio ato seja questionado, o que não ocorre nos autos, pois a atividade do INPI, no que toca ao presente feito, é estritamente notarial (art. 211, Lei 9279-96).
3. A existência de demanda proposta na Justiça Federal, na qual se requer a prorrogação da eficácia de algumas patentes licenciadas aos agravados, de quinze para vinte anos, não induz (rectius: produz) litispendência nem atrai a competência desta Justiça, em razão das especiais características do sinalagma em contratos de execução continuada, cujos efeitos da revisão podem a qualquer tempo ser alterados pela prorrogação (ou não) da patente, sem que haja necessidade do reconhecimento da conexão por prejudicialidade.
4. Agravo provido, com a exclusão do INPI do presente feito, e remessa dos autos à Justiça estadual.
3.- Os recorrentes indicam como contrariados o Ato Normativo nº 135 do INPI e o art. 211 da Lei 9279/96. Alega que a fórmula de cálculo dos royalties estabelecida nos referidos contratos não reflete as regras seguidas pelo INPI (fl. 178).
Dada a forma de cálculo (relação entre dólar norte-americano e real), há possibilidade de grande variação do valor devido decorrente das oscilações do câmbio entre as duas moedas. Além disso, ainda segundo os recorrentes, o prazo de algumas patentes objeto dos contratos em discussão, que era de quinze anos, foi prorrogado para vinte. Entendem, então, que o acórdão que declarou a incompetência da Justiça Federal e determinou a remessa dos autos para a Justiça Estadual utilizou como fundamento uma premissa falsa, desconsiderando o fato de que os contratos de licença foram averbados pelo INPI que, no entanto, julgava que os valores devidas à título de royalties estavam dentro dos limites impostos pela Portaria 436/58 do Ministério da Fazenda (fl. 179).
Procuram demonstrar dissídio jurisprudencial. Indica como paradigmas julgados desta Corte proferidos em Conflito de Competência, nos quais se reconheceu o interesse de ente federal no feito e, por consequência, proclamou-se a competência da Justiça Federal.
Pedem a reforma do acórdão para que a Justiça Federal julgue o feito.
4.- A recorrida apresentou a resposta de fls. 222/241. Afirma a falta de prequestionamento e, no mérito, a inexistência de interesse jurídico do INPI, o que exclui a competência da Justiça Federal.
5.- O INPI também apresentou resposta (fls. 213/217). De sua manifestação, destaca-se o seguinte:
(...)
Dito de outra forma, em realidade o INPI não interfere nem participa na pactuação de cláusulas contratuais, mas não averbará contratos ou cláusulas de contrato que firam normas legais brasileiras.
E o INPI só analisa a questão quando ela lhe é apresentada em sede administrativa, através dos contratos, de aditamento aos contratos (ou, no presente caso, também quando da concessão das patentes daqueles pedidos de patentes que são objeto dos contratos em discussão), ou, ainda, de ofício, se verificar que algum contrato, mesmo que já averbado, está afrontando alguma de tais normas legais.
E não será o fato de constar como parte ou assistente no presente processo que há de alterar a situação, isso porque ao Poder Judiciário cabe rever os atos administrativos da Autarquia e não se substituir a ela.
Assim, se o que aqui se discute não são os atos de averbação, mas sim o montante de royalties acordados entre as partes, então está corretíssima a decisão desse Egrégio Tribunal, excluindo o INPI e declinando da competência da Justiça Federal.
Entretanto, se o que as autoras/recorrentes pretendem é unicamente a revisão dos atos de averbação para incluir uma limitação nos valores de remessa, como parece ser em algumas de suas petições, então deverá o presente prosseguir no foro federal, com o INPI integrando a lide.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI(RELATOR):
6.- Não prospera o inconformismo.
7.- Como visto, às fls. 101-102 o MM. Juízo Federal declinou de sua competência, remetendo o feito para a Justiça Estadual, para julgamento por uma das Varas Empresariais da comarca da capital.
Estão em discussão cláusulas contratuais referentes a licença de patente e pagamento de royalties. Para os recorrentes, o contrato deve ser revisto em razão de ter se tornado desproporcional a prestação que lhe compete, que não mais refletiria as regras do INPI.
E, do que se vê da petição inicial (fls. 31/58), a causa de pedir é o negócio jurídico entabulado entre recorrente e recorrida. É oportuna a transcrição dos pedidos (fl. 57):
Portanto, requer-se, respeitosamente:
a) A concessão de tutela antecipada, inaudita altera par, para que, readequando-se a fórmula de cálculo dos royalties, determine a limitação a 5% do valor líquido de venda de cada produto, conforme estabelecido na Portaria 436/58;
b) Conseqüentemente, a concessão de tutela antecipada, inaudita altera par, para determinar ao INPI, Autarquia Federal responsável pela análise e averbação dos referidos contratos, que emita os competentes Certificados de Averbação, fazendo constar o aludido limite de 5% do valor líquido de venda de cada produto, permitindo, dessa forma, que as Autoras efetuem as remessas devidas;
c) A concessão da tutela antecipada, inaudita altera par, para que as Autoras deixem de recolher os royalties referentes as patentes cujo prazo de validade já expiraram e que estão sendo prorrogadas judicialmente;
d) Seja julgado procedente o pedido de revisão das cláusulas relativas ao pagamento de royalties dos referidos contratos de licença de patente, confirmando-se os termos da liminar, no sentido de que seja arbitrado por esse MM. Juízo, a título de pagamento dos referidos royalties, o percentual de 5% (cinco por cento) do preço líquido de venda de cada produto e (d.1) que as Autoras deixem de recolher os royalties referentes as patentes cujo prazo de validade já expiraram e que estão sendo prorrogadas judicialmente.
e) Conseqüentemente seja determinado ao INPI que proceda as necessárias anotações nos Certificados relativos aos contratos de licença celebrados entre a 2ª Ré e as Autoras, submetidos àquela Autarquia Federal;
f) a citação das Rés, nos endereços indicados nesta inicial, para que, se desejado, apresentem defesa; e
g) a condenação das Rés ao pagamento de custas e despesas judiciais, bem como de honorários advocatícios no percentual máximo.
Como se vê, não se discute, em si, a norma editada pelo INPI. Trata-se de discussão sobre disposições contratuais, que os recorrentes entendem afrontar a Portaria 436/58 daquela autarquia. Observa-se, também, que a única intervenção esperada do INPI na ação de revisão do contrato é extraprocessual, mera providência relativa a registro.
8.- Registre-se que, ouvido o INPI sobre seu interesse, a autarquia assumiu postura imparcial, pedindo expressamente que o Judiciário decidisse da maneira mais justa, conforme a prudente discrição do Judiciário (fls. 217). Em outras palavras, não manifestou interesse jurídico no feito e até declarou (fl. 216):
(...) se o que aqui se discute não são os atos de averbação, mas sim o montante de royalties acordados entre as partes, então está corretíssima a decisão desse Egrégio Tribunal, excluindo o INPI e declinando da competência da Justiça Federal.
9.- De fato, outro desfecho não poderia ter a discussão senão a de que a competência para o julgamento do presente feito é mesmo da Justiça Estadual. A par da ausência de interesse jurídico do INPI (não há na espécie indagação relevante sobre algum tema de Direito Marcário), as partes discutem pagamento pelo uso de patente relativa à fabricação de CD e DVD. A demanda é de natureza eminentemente patrimonial e estritamente privada, não havendo mesmo a necessidade de atuação do INPI no feito. Como consequência da exclusão daquela Autarquia Federal do pólo passivo da ação, não se justifica o processamento e julgamento do feito pela Justiça Federal.
A respeito do tema, os seguintes julgados se aplicam, mutatis mutandis , à hipótese ora em análise:
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUPOSTA PRÁTICA DE CARTEL.AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DA UNIÃO FEDERAL NO FEITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A competência da Justiça Federal somente será deslocada na causa em que a União, suas autarquias e suas fundações públicas participem efetivamente como autoras, ré, assistentes ou oponentes (art. 109, inc. I, da CF/88).
2. Conflito conhecido e declarada competente a Justiça Estadual.(CC 34.977/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJ 07/04/2003);
CONFLITO DE COMPETÊNCIA POSITIVO - EMPRESA DE RADIODIFUSÃO - COMPOSIÇÃO SOCIETÁRIA - AÇÃO PROPOSTA POR PARTICULAR CONTRA PARTICULAR -INTERESSE DA UNIÃO NÃO CONFIGURADO - REMESSA DOS AUTOS PARA A JUSTIÇA FEDERAL - IMPOSSIBILIDADE.
- Tratando-se de causa entre os sócios de uma empresa de radiodifusão, ou seja, uma ação proposta por particular contra particular, na qual não se vislumbra a existência de interesse da União, não ocorre deslocamento de competência.
- A União Federal, apenas, intervém no exercício da "administração pública de interesses privados" para autorizar ou não a composição societária. O seu interesse, que motiva a intervenção da Justiça Federal é o manifestado como ré, assistente ou opoente - acerca do direito sub judice. In casu, não está em jogo direito algum da entidade federal, mas uma providência a ser reclamada junto à União Federal para que se possa considerar validamente integrada a sociedade. Quando muito, haveria uma relação de prejudicialidade entre a autorização da União e o prosseguimento do processo ordinário cível entre os particulares.(CC 34200/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, DJ 23/09/2002);
PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. O interesse da União, de suas autarquias e empresas públicas não basta para que a causa seja da competência da Justiça Federal; para isso é necessário que pelo menos uma dessas pessoas participe do processo na condição de autora, ré, assistente ou opoente. Conflito conhecido para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara de Falências e Concordatas da Comarca do Rio de Janeiro. (CC 30917/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJ 23/04/2001). Segue-se o entendimento de que a competência da Justiça Federal se firma somente naqueles casos em que a União, suas autarquias ou suas fundações efetivamente participem como autoras, rés, assistentes ou opoentes (CF, art. 109), o que não ocorre no caso.
10.- Nesse contexto, não há que se falar em dissídio jurisprudencial. Além de os recorrentes não terem feito o cotejo analítico dos casos, observa-se que os paradigmas citados se referem a casos em que o IBAMA tinha comprovado interesse no feito. Não há similitude fática com o caso em análise, no qual, como visto, o INPI assumiu postura imparcial e demonstrou não estar enquadrado em nenhuma das hipóteses do art. 109 da Constituição da República.
11.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
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