Câmara Regional Especial de Chapecó/SC não concede indenização para homem que teve filho com a amante após vasectomia
A Câmara Especial Regional de Chapecó manteve sentença de comarca da região Oeste e negou o pagamento de indenização a um homem casado que, mesmo após submetido a vasectomia, teve um filho com a amante.
Da Redação
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Atualizado às 08:49
Ato médico
Câmara Regional Especial de Chapecó/SC não concede indenização para homem que teve filho com a amante após vasectomia
A câmara Especial Regional de Chapecó manteve sentença de comarca da região Oeste e negou o pagamento de indenização a um homem casado que, mesmo após submetido a vasectomia, teve um filho com a amante.
Ele ajuizou ação contra o médico que realizou a cirurgia, em operação que teve o acompanhamento da esposa do paciente, também médica. Casado e sem intenção de gerar mais filhos, além do casal que tinha com a esposa, ele se decidiu pela vasectomia, realizada em agosto de 2000.
Após essa data, teve outra filha em um relacionamento extraconjugal. O fato, segundo ele, o deixou atônito e resultou em grandes conflitos matrimoniais, bem como na obrigação de sustentar mais um filho. Assim, pediu a condenação do médico que fez a cirurgia a pagar 100 salários-mínimos, além dos valores gastos com a cirurgia e com o exame de DNA, bem como os alimentos com que teve de arcar para o sustento da nova filha.
O médico afirmou que fez a cirurgia com zelo e cuidado, mas o autor negligenciou o retorno em 30 dias para fazer um exame de constatação do resultado. Em seu voto, o relator, desembargador Gilberto Gomes de Oliveira, ressaltou que o ato médico é de meio e não de resultado, conforme decisões do TJ/SC.
Ele reconheceu, ainda, a falha do paciente no atendimento às recomendações, constantes do prontuário médico, de realização de exames para avaliar o resultado da cirurgia, passados 30 a 60 dias.
"Mesmo se considerar que a referida advertência foi feita de forma unilateral pelo médico, ou até mesmo posteriormente aos fatos, não podemos deixar de considerar que o autor tinha a sua esposa como médica, inclusive de que acompanhou a cirurgia, que por certo passou todas as informações", concluiu Gomes de Oliveira.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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Apelação Cível n. 2006.043632-0, de Maravilha
Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira
ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA DE VASECTOMIA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. GRAVIDEZ INDESEJADA. INFORMAÇÕES SOBRE A MARGEM DE ERRO. IMPERÍCIA AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA.
As cirurgias de vasectomia são obrigações de meio e segundo estudos, existem margem de erro de 1% a 5%, o que evidencia não se tratar de método absoluto e somente eventual gravidez indesejada não gera indenização, sem prova convincente de que houve imperícia médica.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.043632-0, da comarca de Maravilha (Vara Única), em que é/são apelante XXX XXXX XXXXX, e apelado XXXXX XXXX:
ACORDAM, em Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação unânime, conhecer do recurso e negar provimento. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
XXX XXXX XXXXX ingressou com a presente ação contra XXXXX XXXX, alegando em síntese:
Que é casado com XXX XXXX XXXXX, também médica, com quem teve um casal de filhos, sendo que com o nascimento do último filho resolveu contratar o suplicado para realizar uma cirurgia denominada de vasectomia, com o objetivo de ficar esterilizado e não ter mais filhos.
Que no dia 24 de agosto de 2000, o referido procedimento foi realizado na XXXX XXXX XXXX XXXX, na cidade de São Miguel do Oeste, neste Estado, onde o suplicado presta seus serviços, pagando por estes o valor de R$ 150,00(cento e cinqüenta reais), através do cheque nº XXX.XXX, conta nº X.XXX-X, da agência do Banco do Brasil S/A, da cidade de São José do Cedro, neste Estado. Que, posteriormente, manteve um relacionamento extraconjugal com outra pessoa, com quem teve uma outra filha.
Que com a nascimento da referida filha fora do casamento lhe deixou atônito, resultando em grandes conflitos matrimoniais, bem como a obrigação de sustentar mais um filho.
Diante disso, requereu a procedência do pedido para condenar o suplicado ao pagamento de danos morais no valor mínimo de 100(cem) salários mínimos, devolução do valor que pagou para realizar a referida cirurgia e o exame de DNA, bem como os alimentos que estão sendo gastos com a filha e o pagamento de uma nova cirurgia de vasectomia a ser realizada por outro profissional.
Em resposta, o suplicado disse em resumo:
Que realizou a referida cirurgia com zelo e cuidado, cumprindo a sua obrigação de meio, mas o autor negligenciou em retornar no prazo de 30(trinta) dias daquela para fazer um exame de constatação do resultado.
Assim, requereu a improcedência do pedido.
Após a instrução do processo, o Juízo "a quo" julgou improcedente o pedido.
O suplicante, inconformado com o referido "decisum", interpôs recurso de apelação alegando os mesmos motivos da exordial, requerendo a reforma da sentença.
Por outro lado, o suplicado, em contrarrazões, também ratificou as suas manifestações aduzidas em sua resposta, pedindo a manutenção da sentença.
O recurso seguiu todos os trâmites legais.
VOTO
Trata-se de ação de indenização em que o autor, por motivo de erro médico durante uma cirurgia de vasectomia, em que posteriormente, mesmo com tal procedimento de esterilização, acabou por engravidar mulher fora de seu casamento, objetiva a condenação do demandado ao pagamento de danos materiais e morais.
A responsabilidade civil do médico, em regra, repousa no estatuto da culpa, conforme os artigos 186 e 951 do Código Civil e art. 14, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor, incumbindo à vítima provar o dolo ou culpa stricto sensu individual daquele, para obter a recomposição do dano.
Isto se aplica aos casos de responsabilidade contratual de meio, bem como à responsabilidade extracontratual médica.
Esta responsabilidade se fundamenta na teoria subjetiva, definida por Schaefer1 da seguinte forma:
A teoria subjetiva fundamenta-se na culpa lato sensu, ou seja, configura-se com o dolo (vontade dirigida à prática do dano) ou com culpa stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia). Cabe ao lesado comprovar a existência da ação ou da omissão que causou o dano moral e/ou patrimonial.
Entretanto, é importante ressaltar que o ônus da prova poderá ser invertido, de acordo com o art. 6°, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, nos casos de verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do demandante.
São elementos constitutivos da responsabilidade civil subjetiva: ação ou omissão, culpa do médico, dano e nexo de causalidade entre o dano e o ato do médico.
O ato médico culposo, que causar dano ao paciente, e, por isso, capaz de ensejar a responsabilidade civil daquele, pode ser tanto uma ação comissiva como uma ação omissiva.
Lumertz2, ao tratar deste requisito da responsabilidade civil do médico, assim se refere:
Ação ou omissão contrária ao direito, importando em violação ou prejuízo a alguém, praticada por médico devidamente habilitado e em plena posse de suas faculdades mentais, pois tal não ocorrendo, além de responder civilmente, estará incurso nas sanções criminais, pelo delito de curandeirismo (Código Penal, art. 284) ou de exercício ilegal da Medicina (Código Penal, art. 282), respectivamente.
A ação do referido médico está em sua atitude de fazer uma cirurgia de vasectomia sem tornar infértil o paciente.
Conforme dispõe o artigo 14, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do médico será apurado mediante verificação de culpa.
Extrai-se da obra de Stoco3 que a jurisprudência é pacífica quanto à necessidade de prova da culpa para a responsabilização dos médicos:
Indenização - Responsabilidade civil - Erro médico - Obrigação de meio e não de resultado - Dever de indenizar, no entanto, quando comprovadas negligência ou imperícia do profissional - Ação procedente - Recurso não provido (TJSP - 7ª Câmara - Ap. - Rel. Campos Mello - julg. 5-6-91 - RJTJSP 134/153).
A culpa supõe, sempre, a violação de um dever preexistente. Para a sua caracterização, não é necessária a intenção, é suficiente a simples voluntariedade de conduta, a qual seja contrastante com as normas impostas pela prudência comum.
Kfouri Neto4 cita transcrição dos comentários de Clóvis, ao art. 1.545 do Código Civil de 1916, que cuida da culpa dos profissionais da saúde:
A responsabilidade das pessoas indicadas neste artigo, por atos profissionais, que produzem morte, inabilitação para o trabalho, ou ferimento, funda-se na culpa; e a disposição tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender invocar, de ser o dano um acidente no exercício de sua profissão. O direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que ela estabelece, e com as cautelas e precauções necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto de que os zelem.
E esse dever de possuir a sua arte e aplicá-la, honesta e cuidadosamente, é tão imperioso que a lei repressiva lhe pune as infrações.
A previsibilidade é a idéia central da culpa, conforme a doutrina clássica.
Consiste no desvio de um modelo ideal de conduta, representado pela diligência de um bom pai de família ou, ainda, de uma pessoa normal, razoavelmente sensata, pertencente à esfera técnica do caso.
Para chegar à conclusão de que houve ou não culpa, o julgador deverá formular a si próprio esta pergunta: um médico, ou funcionário prudente, encontrando-se nas mesmas condições externas, teria procedido como o referido médico-
Kfouri Neto5 define bem o que vem a ser imperícia:
É a falta de observação das normas, deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, o despreparo prático. Também caracteriza a imperícia a incapacidade para exercer determinado ofício, por falta de habilidade ou ausência dos conhecimentos necessários, rudimentares, exigidos numa profissão.
Interessante também o conceito de Schaefer6:
A imperícia (do latim imperitia) é a falta de prática ou ausência de conhecimento que se mostram necessários ao exercício de uma profissão ou de uma arte. É ignorância, incompetência, desconhecimento, inexperiência, inabilidade, imaestria para a prática de determinados atos, no exercício da profissão, que exigem um conhecimento específico.
Lumertz7 faz uma importante observação sobre a imperícia do médico:
Na medicina, mais do que em qualquer outra profissão, assume particular relevância, por jogar com a saúde e com a própria vida do paciente, obrigando o facultativo a zelar pela atualização de seus conhecimentos, acompanhando os progressos da arte de curar.
Kfouri Neto8 menciona três modos de se avaliar a imperícia:
Assim, à primeira vista, é imperito o médico que poderia evitar o dano apenas valendo-se de seus estudos básicos. Em segundo lugar, a imperícia será avaliada à luz dos progressos científicos que sejam de domínio público e que, em todo caso, um profissional medianamente diligente deveria conhecer. Uma terceira verificação diz respeito à experiência prática. Não são raros os casos de teorias médicas, a princípio acatadas como válidas, mas que depois de uma longa experimentação demonstram resultados negativos. É evidente, portanto, que, ao planejar sua atividade, o médico deve levar em linha de conta tal orientação.
No caso "sub judice", antes de entrar na verificação da culpa, importante deixar consignado, que apesar de ser uma cirurgia simples, o ato do médico é de meio e não de resultado, conforme já decidiu este Egrégio Tribunal, cujos arestos também foram citados pelo Juízo "a quo":
"INDENIZAÇÃO - AGRAVO RETIDO - REVELIA NÃO CARACTERIZADA - CIRURGIA DE VASECTOMIA - GRAVIDEZ DA ESPOSA POSTERIOR - CULPA DO MÉDICO NÃO CARACTERIZADA - SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO DESPROVIDO.
A obrigação do médico em cirurgia de vasectomia é de meio, não gerando direito à indenização a gravidez indesejada da esposa, ainda mais quando o espermograma conduz à conclusão de que o paciente tem dificuldade de fecundação." (Apelação cível nº 2001.007335-8, de Lages, Rel.Des.: Orli Rodrigues, de 22/03/2005).
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAS - CIRURGIA DE VASECTOMIA - OBRIGAÇÃO DE MEIO - GRAVIDEZ NÃO DESEJADA - INFOMAÇÕES SOBRE A FALIBILIDADE DO MÉTODO - NÃO CONFIGURADA A NEGLIGÊNCIA,IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA DO MÉDICO - NEXO DE CAUSALIDADE AUSENTE - RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃOPROVIDO.
A jurisprudência e a doutrina têm classificado as cirurgias de vasectomia como obrigações de meio, não gerando indenização eventual gravidez indesejada, por não se tratar de método absoluto, eis que, estatisticamente, este procedimento prevê a possibilidade de falha a cada dois mil casos." (Apelação cível nº 2003.021450-0, de Tubarão, Rel. Des.: Wilson Augusto do Nascimento, de 16/04/2004).
Importante também de que como ponto controvertido entre as partes resta apenas da necessidade ou não da realização posterior à cirurgia do exame de espermograma e se o paciente, ora autor, foi instruído pelo suplicado neste sentido.
Pelos estudos publicados sobre o assunto e juntados pelo suplicado nestes autos, a vasectomia, "também conhecida como esterilização masculina, é um procedimento nos quais os vasos deferentes (tubos que conectam os testículos ao pênis) são cortados. Quando estes tubos são cortados, a passagem dos espermatozóides produzidos pelos testículos é bloqueada, e assim o esperma liberado durante a ejaculação é incapaz de fertilizar o óvulo, prevenindo desta forma a gravidez."(fl.57-Saúde e Vida On Line-Dra. Silvia Helena Cardoso). Inclusive (fls.56-SOS Urologia-Dr.Maurício Hachul), "após o procedimento operatório, o homem deve aguardar aproximadamente 2 a 3 meses para realizar um exame de espermograma. Somente após a constatação de ausência de espermatozóides no ejaculado o paciente estará liberado para realizar os atos sexuais sem o uso do preservativo, pois não apresentará o risco de engravidar a sua parceira." Ainda (fl.57 - Saúde e Vida On Line-Dra. Silva Helena Cardoso), "O homem deve se abster de relações sexuais por uma semana depois da operação, assim como de esportes ou esforços que possam prejudicar a cicatrização e a recuperação. Depois disso, pode ter relações sexuais normais, mas protegidas por algum método contraceptivo(camisinha, ou método feminino), pois o esperma não perde imediatamente todos seus espermatozóides. Depois de um mês a um mês e meio não precisa se preocupar mais em usar qualquer método contraceptivo." Da mesma forma (fl.59-Saiba mais sobre Vasectomia-Dr.Alexandre Rotband), "O resultado da cirurgia é conferido em 30 dias através do exame de laboratório e o retorno ao trabalho se faz em 24 a 48 horas, dependendo da atividade (um fim-de-semana)." Este último médico repete (fl.62 e 63), "ATENÇÃO: até ser realizado o exame de esperma comprovando a total eliminação dos espermatozóides, o casal deve considerar que estão plenamente férteis e, portanto, devem usar método anticoncepcional. ...E, através do exame de esperma a se realizar em torno de 30 dias após o procedimento, descobre-se a eventual falha em tempo para a correção necessária." Finalmente (fl.70-Clínica Vida Nova-Dr.José Geraldo Aguiar Faria Jr.), "Após 3 meses o paciente retorna à clínica para realização do primeiro espermograma de controle,...Se o exame de controle revelar ausência de espermatozóides, o casal poderá parar o método anticoncepcional que estavam usando."
Desta forma, repito, não existe dúvida de que para segurança do paciente era imprescindível a realização do exame de espermograma, até mesmo porque (fl.154-Campbell's Urology-Seventh Edition, vl.2, W.B.Saunders Company)
"nenhuma técnica de oclusão vasal, exceto de remoção total do vaso escrotal, é 100% segura.", pois a "incidência de falhas na vasectomia varia de 1% a 5% quando ligaduras sozinhas forem usadas para oclusão."
Consta no prontuário médico (fls.55) instruções ao autor para realização do exame em tela.
Mesmo se considerar que a referida advertência foi feita de forma unilateral pelo médico, ou até mesmo posteriormente aos fatos, não podemos deixar de considerar que o autor tinha a sua esposa como médica, inclusive de que acompanhou a cirurgia (fls.179), que por certo passou todas as informações.
Assim, não resta outra alternativa senão concluir que no presente caso não houve imperícia e negligência por parte do médico, ao efetuar a referida cirurgia, diante da referida margem de erro, mesmo que mínima.
Pois bem, diante dos critérios ora delineados, por certo, um profissional diligente, nas mesmas condições do referido médico, teria efetuado a cirurgia da mesma forma que o demandado.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, conhecer do recurso e negar provimento.
O julgamento, realizado no dia 09 de setembro de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jorge Luiz de Borba.
Chapecó, 10 de setembro de 2010.
Gilberto Gomes de Oliveira
RELATOR
Gabinete Des. Gilberto Gomes de Oliveira
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1 SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico & erro de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2003, p. 25.
2 LUMERTZ, Suzana Lisboa [et. al.]. Responsabilidade jurídica do médico. Porto Alegre: Renascença, 1997, p. 27.
3 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 292.
4 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 79.
5 Op. cit., p. 97.
6 Op. cit., p. 47.
7 Op. cit., p. 41.
8 Op. cit., p. 101-102.
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