STJ - Em venda com reserva de domínio, atraso do devedor por dívida líquida e em prazo certo se comprova com protesto
A mora em dívida líquida e com termo certo, em contrato com cláusula de reserva de domínio, se constitui com o protesto, independentemente de notificação pessoal. A decisão é da 4ª turma do STJ. Assim, basta o protesto para constituir o devedor em mora.
Da Redação
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Atualizado às 08:50
Protesto
STJ - Em venda com reserva de domínio, atraso do devedor por dívida líquida e em prazo certo se comprova com protesto
A mora em dívida líquida e com termo certo, em contrato com cláusula de reserva de domínio, se constitui com o protesto, independentemente de notificação pessoal. A decisão é da 4ª turma do STJ. Assim, basta o protesto para constituir o devedor em mora.
Conforme explicação do ministro Luis Felipe Salomão em seu voto, o atraso nos casos de dívida líquida e com prazo certo para pagamento se configura com o próprio inadimplemento da obrigação, a menos que a lei excepcione a situação de forma expressa.
É o que a doutrina chama de dies interpellat pro homine - o termo (prazo) interpela em lugar do credor. Segundo o relator, a razão de ser desse dispositivo é óbvia : o devedor sabe a data em que deve ser cumprida a obrigação certa, por estar expressa no contrato.
Por isso, é desnecessária a advertência complementar por parte do credor. "Havendo obrigação líquida e exigível a determinado termo - desde que não seja daquelas em que a própria lei afasta a constituição da mora automática -, o inadimplemento ocorre no vencimento", completa o ministro.
De acordo com o ministro, a dívida subjacente ao contrato em questão é líquida e com termo certo. Porém, por conter reserva de domínio, exige, na forma do CPC (clique aqui), que seja protestada para constituir a mora. Mas esse protesto não demanda notificação pessoal do devedor, bastando apenas ele.
Como o protesto foi efetuado e a inadimplência se manteve, a decisão da 4ª turma determinou a rescisão do contrato e a busca e apreensão dos bens, restabelecendo em parte a sentença. O juiz inicial ainda condenava a compradora em perdas, danos e lucros cessantes, mas o recurso especial não abordou tais pontos.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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Processo Relacionado : Resp 762799 - clique aqui.
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RECURSO ESPECIAL Nº 762.799 - RS (2005/0106798-0)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : EMBRAPAC EQUIPAMENTOS S/A
ADVOGADO : CLÁUDIO LUIZ MOUSQUER
RECORRIDO : NETTO MACEDO E COMPANHIA LTDA
ADVOGADO : EDUARDO BROCK E OUTRO
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. RESERVA DE DOMÍNIO. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. PROTESTO. DESNECESSIDADE DE INTERPELAÇÃO PESSOAL. PRECEDENTES.
1. A mora ex re independe de interpelação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, cuja matriz normativa é o art. 960, primeira parte, do Código Civil de 1916. À hipótese, aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor).
2. No caso dos autos, havendo contrato de compra e venda com pacto de reserva de domínio, o art. 1.071 do CPC determina a constituição em mora do devedor mediante protesto - independentemente de notificação pessoal -, o que foi providenciado na espécie. Precedentes.
3. Comprovada a mora do devedor, o pedido reconvencional alusivo à rescisão contratual com busca e apreensão dos bens vendidos deve ser acolhido.
4. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Netto Macedo e Cia. Ltda. ajuizou em face de Embrapac Equipamentos S/A ação declaratória de inexistência de débito e desconstituição de título cambial, insurgindo-se contra a indicação a protesto de duas duplicatas no valor de R$ 9.800,00 cada uma, as quais faziam parte do pagamento de dívida contraída em razão de aquisição de máquinas e acessórios, no valor de R$ 70.000,00, para entrega em 120 dias, contados de 30.10.2000. Devido a atrasos na entrega da mercadoria, o vencimento da dívida foi alterada em duas oportunidades, circunstância que também gerou inúmeros prejuízos à autora. Destarte, requereu a anulação das cambiais à alegação de faltar-lhes causa legal para a sua emissão, uma vez condicionadas a evento futuro, qual seja, o faturamento pelo uso do maquinário, o qual não ocorreu pelos problemas apresentados na coisa entregue.
A empresa ré contestou e reconveio, alegando parcelamento da dívida e prorrogação de vencimentos, razão pela qual estaria a autora-reconvinda inadimplente e, por haver cláusula de reserva de domínio, requereu a rescisão contratual, com a imediata retomada dos bens vendidos, bem como indenização por perdas e danos.
O Juízo de Direito do 2º Juizado da 16ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS julgou improcedente o pedido autoral e procedente o reconvencional, declarou rescindido o contrato de compra e venda, determinou a busca e apreensão do bem objeto do negócio e condenou a autora ao pagamento de perdas e danos e lucros cessantes (fls. 138/143).
A sentença foi parcialmente reformada em grau de apelação, nos termos da seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO E CANCELAMENTO DE CADASTRO NO SERASA. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E DESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULO CAMBIAL. RECONVENÇÃO.DA AÇÃO ORDINÁRIA
É descabido o pedido de declaração de inexigibilidade do débito e desconstituição das duplicatas em lide ante o argumento de existirem vícios no produto que o tornem imprestável para o uso. As possibilidades jurídicas de pedido estão elencadas no art. 18 do CDC.
DAS AÇÕES CAUTELARES
Para a constituição em mora do devedor, é imprescindível a comprovação de sua notificação extrajudicial pessoal e cartorária. Por isso também é vedada a inscrição do nome do devedor em cadastros de restrição ao crédito.
DA RECONVENÇÃO
Para a rescisão contratual é imprescindível a comprovação da mora. Inexistindo o requisito formal da notificação extrajudicial, o protesto não produz o efeito de comprová-la.
APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (fl. 180)
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 195/197). Sobreveio recurso especial, no qual se alega, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 535 e 1.071, ambos do CPC. Em síntese, sustenta o recorrente que, cuidando-se de contrato de compra e venda com reserva de domínio, a mora se comprova com o simples protesto. Sem contrarrazões, o especial foi admitido (fls. 213/214).
É o relatório.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. RESERVA DE DOMÍNIO. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. PROTESTO. DESNECESSIDADE DE INTERPELAÇÃO PESSOAL. PRECEDENTES.
1. A mora ex re independe de interpelação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, cuja matriz normativa é o art. 960, primeira parte, do Código Civil de 1916. À hipótese, aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor).
2. No caso dos autos, havendo contrato de compra e venda com pacto de reserva de domínio, o art. 1.071 do CPC determina a constituição em mora do devedor mediante protesto - independentemente de notificação pessoal -, o que foi providenciado na espécie. Precedentes.
3. Comprovada a mora do devedor, o pedido reconvencional alusivo à rescisão contratual com busca e apreensão dos bens vendidos deve ser acolhido.
4. Recurso especial conhecido e provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.
Ademais, em relação aos pontos alegadamente omissos no acórdão, ao reverso do entendimento da ora recorrente, o Tribunal a quo foi explícito em rechaçar as teses recursais:
"A disposição adjeta de reserva de domínio está prevista na cláusula VI do contrato (fl. 16 v.) e a possibilidade de rescisão do contrato e a condenação da Autora/Reconvinte ao pagamento de perdas e danos a serem apurados em liquidação de sentença consta da cláusula VII. Para haver a rescisão do contrato impõe-se a comprovação do inadimplemento da obrigação, pois dispõe o art. 1071 do CPC que a mora do comprador é de ser provada com protesto. Como dos protestos não houve notificação pessoal do devedor, faltando-lhe requisito formal que o torna imprestável para comprovar a mora, como já referido quando da apreciação das ações cautelares". (fl. 184,v.)
No mesmo sentido é o voto proferido nos embargos de declaração:
"A descaracterização da mora do devedor pela ausência de notificação extrajudicial pessoal e cartorária foi muito bem analisada pelo acórdão ora atacado, que tratou inclusive de demonstrar que o aponte dos títulos também dependia daquela prévia providência". (fl. 196)
Com efeito, não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão, de forma explícita, rechaça todas as teses do recorrente, apenas chegando a conclusão desfavorável a este.
Confira-se:
(...)
1. Não há omissão em acórdão que, apreciando explicitamente as questões suscitadas, decide a controvérsia de forma contrária àquela desejada pela recorrente.
(...)
(REsp 1057477/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 02/10/2008)
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3. Quanto ao mérito, cinge-se a controvérsia em saber de que forma se tem constituída a mora em contratos de compra e veda com cláusula de reserva de domínio. É importante ressaltar, de início, que tal como noticiado pela doutrina, no nosso sistema civil e processual civil, as regras de constituição válida do devedor em mora variam a depender seja a obrigação constituída a prazo determinado ou indeterminado, ou, ainda, se se cogita de obrigação de fazer, dar, não fazer ou decorrente de ato ilícito.
Por outro lado, conforme os diversos tipos contratuais nos quais estão inseridas as prestações, também pode variar a forma de constituição da mora do devedor, porquanto a lei, em certos casos, impõe requisitos particulares de constituição do devedor em mora (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Código Civil, volume V, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 243).
Nesse passo, cumpre lembrar que, cuidando-se de dívida líquida com pagamento aprazado, de regra, a mora é constituída no vencimento, tal como prevê o art. 960 do Código Civil de 1916:
"Art. 960. O inadimplemento da obrigação, positiva e liquida, no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor. Não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto".
No caso, a chamada mora ex re independe de interpelação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, cuja matriz normativa é o art. 960, primeira parte, do Código Civil de 1916. À hipótese, aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor).
PONTES DE MIRANDA asseverou que "a interpelação tem por fim prevenir ao devedor de que a prestação deve ser feita. Fixa esse ponto, se já não foi fixado; se já foi fixado, a interpelação é supérflua, porque o seu efeito mais importante, a mora, se produziu antes dela, ipso iure" (Tratado de direito privado . Tomo II. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2002, p. 519).
A razão de ser é óbvia: sendo o devedor sabedor da data em que deve ser adimplida a obrigação líquida - porque decorre de cláusula contratual - descabe advertência complementar por parte do credor. Com efeito, havendo obrigação líquida e exigível a determinado termo - desde que não seja daquelas em que a própria lei afasta a constituição de mora automática -, o inadimplemento ocorre no vencimento.
4. Na hipótese versada nos autos, dessume-se do acórdão recorrido que:
"(...) o contrato de fl. 16 foi firmado para a aquisição de uma máquina automática para confeccionar, dosar, encher e fechar embalagens tipo almofada, modelo MPR-3, na data de 30 de outubro de 2000, com prazo de entrega de 120 dias, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) e como forma de pagamento ficou avençado em três parcelas de R$ 7.000,00 (sete mil reais) aprazadas para 30.12.2000, 31.01.2001 e 28.02.2001, e o saldo restante em cinco parcelas de R$ 9.800,00 (nove mil e oitocentos reais) vencíveis a cada 25 dias do faturamento" (fl. 182).
Com efeito, percebe-se que a dívida que subjaz ao contrato de compra e venda é líquida e com termo certo para o adimplemento, circunstância que, em regra, dispensa qualquer providência para constituição do devedor em mora.
Nada obstante, o art. 1.071 do CPC determina, em contratos de compra e venda com pacto de reserva de domínio, a constituição em mora do devedor mediante protesto -independentemente de notificação pessoal -, o que foi providenciado na espécie.
Em casos tais, a jurisprudência vem entendendo que o protesto é suficiente para constituir o devedor em mora, conforme se comprova dos seguintes precedentes:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO - MORA DO COMPRADOR.
I - A mora do comprador de bem com reserva de domínio prova-se com o protesto do título lavrado pelo oficial do cartório competente, inexistindo exigência de que do protesto haja sido intimado pessoalmente o devedor.
II - Viola o dispositivo do art. 1.071 do CPC decisão que impõe ao credor exigência nele não contemplada.
III - Recurso conhecido e provido.
(REsp 147.584/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/11/1998, DJ 03/05/1999 p. 144)
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Contrato de compra e venda com reserva de domínio. Mora. Artigo 1.071 do Código de Processo Civil. Nota promissória. Precedente da Terceira Turma.
1. Na compra e venda com reserva de domínio a prova da mora se faz com o protesto do título.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 418.727/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2002, DJ 09/12/2002 p. 341)
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No mesmo sentido, o AgRg no AgRg no REsp 565.714/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2005.
Comprovada a mora do devedor, o pedido reconvencional alusivo à rescisão contratual com busca e apreensão dos bens vendidos deve ser acolhido.
4. Diante do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para julgar procedente, em parte, o pedido reconvencional, no particular relativo aos pedidos de rescisão de contrato e busca e apreensão dos bens vendidos, porquanto a matéria relativa a perdas e danos e lucros cessantes não foi objeto do recurso especial.
A cargo da recorrido, custas processuais e honorários advocatícios (reconvenção), estes fixados em 5.000,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.
É como voto.
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