Decisão beneficia usuários de telefone celular
A juíza da 12ª vara da Fazenda Pública, Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, negou, ontem, 27/9, mandado de segurança impetrado pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) contra o diretor da Fundação Procon/SP.
Da Redação
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Atualizado às 08:25
Alô ?
Decisão beneficia usuários de telefone celular
A juíza da 12ª vara da Fazenda Pública, Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, negou, ontem, 27/9, MS impetrado pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica -Abinee contra o diretor da Fundação Procon/SP.
A Associação busca o reconhecimento da nulidade da notificação para atender à norma técnica 62/CGSC/DPDC/2010, do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Nessa norma técnica está descrito que o serviço de telefonia móvel é essencial e, sendo assim, o consumidor ficar autorizado a exigir a troca do aparelho.
Segundo a decisão, se por um lado cresceu o número de defeitos nos aparelhos e consequentes reclamações junto ao Procon, por outro, as empresas fabricantes tem obtido significativos ganhos com o mercado de vendas de celulares no Brasil.
Ainda de acordo com a decisão, não há ilegalidade nem afronta ao direito líquido e certo, não sendo caso de mandado de segurança, julgando assim, improcedente o pedido.
Confira a íntegra da decisão abaixo.
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Processo : 053.10.023092-2
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Vistos.
A ABINEE - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA ELÉTRICA E ELETRÔNICA impetrou mandado de segurança contra ato do DIRETOR DA FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DE SÃO PAULO - FUNDAÇÃO PROCON/SP com a finalidade de suspender os efeito das notificações enviadas às empresas associadas da impetrante.
De acordo com a inicial, a Associação representava os interesses da SAMSUNG ELETRÔNICA DA AMAZÔNIA LTDA, LG ELETRONICS DA AMAZÔNIA LTDA, NOKIA DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA,MOTOROLA INDUSTRIAL LTDA e SONY ERICSSON MOBILE COMMUNICATIONS DO BRASIL LTDA, todas fabricantes de aparelhos celulares.
Em 2005, o Ministério Público do Distrito Federal instaurou o Procedimento de Investigação Preliminar 08/90.117669/05-30 com o propósito de averiguar a prestação de serviços de telefonia móvel e os serviços de assistência técnica dos fabricantes. Essa investigação acabou por provocar uma outra apuração, por parte do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, mas a apuração deste último tinha como meta um âmbito mais reduzido: apenas os serviços a assistência técnica.
Desde então, fabricantes e DPDC mantiveram contato para aprimorar os serviços prestados ao consumidor.
Em junho de 2009, o DPDC emitiu parecer em que fixou prazo de 30 dias para substituição de aparelhos com defeito. Esse parecer, insiste a impetrante, tem caráter opinativo.
Ainda que sem caráter cogente, o parecer deu azo a que empresas do setor se empenhassem em elaborar um Código de Autoregulação.
Embora esse código fosse uma iniciativa concreta de garantir direitos do consumidor, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor ignorou os esforços e expediu a Norma Técnica 62/CGSC/DPDC/2010, entendimento em que o celular é descrito como produto essencial e, sendo assim, o consumidor fica autorizado a exigir a troca do aparelho.
Dessa nota técnica derivou o ato coator: a autoridade notificou as empresas a darem cumprimento à nota sob pena de crime de responsabilidade e de aplicação de sanções administrativas e civis.
Sustenta a impetrante que a notificação viola direito líquido e certo porque cria norma sem respeito ao processo legislativo.
Para além disso, o próprio DPDC não tem atribuição para regulamentar o Código de Defesa do Consumidor. Daí porque é ilegal a posição do PROCON de exigir o cumprimento de obrigação que não é obrigação.
Com a inicial vieram os documentos de fls.42 a 238.
O Diretor do PROCON foi ouvido antes da apreciação do pedido liminar e apresentou a resposta de fls. 249.
De acordo com o impetrado, não há direito líquido e certo a ser amparado.
O que pode vir a configurar a crime de desobediência não é o atendimento à norma, mas a falta de resposta à notificação.
Insiste o impetrado que o objeto da discussão não é um ato, mas a concepção do aparelho celular como produto essencial ou não. Para resolver esse ponto não se presta o mandado de segurança.
Ressalta a autoridade que, em vista da popularização do uso de celulares, o número de reclamações quanto aos aparelhos (e a assistência técnica oferecida pelos fabricantes) cresceu enormemente. Os fabricantes, contudo, além de não respeitarem o prazo de 30 dias, previsto no Código de Defesa do Consumidor para resposta, ainda se empenham em procurar justificativa para não aplicar a garantia.
O pedido de liminar foi indeferido (fls. 761, 762).
Notificada, a autoridade ratificou os termos da resposta prévia.
Opinou o Ministério Público pela extinção do feito sem apreciação do mérito.
Nesse ínterim, a impetrante noticiou que o PROCON, com base no entendimento de caráter opinativo, vinha multando as empresas.
É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
No presente mandado de segurança, busca a impetrante o reconhecimento da nulidade do ato de notificação para atender à Norma Técnica 62/CGSC/DPDC/2010, do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor.
A bem da verdade, não há mesmo nenhum ato coator emanado da autoridade impetrada. O ato do Diretor do PROCON é simplesmente o de convocar as empresas, representadas pela associação impetrante, a responder o entendimento da Norma Técnica. Nesta norma técnica está exposta a posição do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor de que o serviço de telefonia móvel (e portanto, os aparelhos necessários à prestação desses serviços) é essencial.
Não há na convocação ilegalidade. Não há afronta a direito líquido e certo. Não é caso de mandado de segurança, em suma. Essa é uma conclusão lógica e evidente para todos. Paradoxalmente, a obviedade da conclusão a torna suspeita: se é evidente que não há ato administrativo a ser discutido, como explicar o tempo e os esforços gastos pelas empresas e pelo PROCON em defender suas teses a respeito da essencialidade do telefone celular?
O que se observa no caso dos autos é que o problema jurídico indicado pelas partes é apenas uma pequena parte do problema real relativo a celulares.
O aspecto de fato do uso de celulares é que a telefonia móvel se tornou acessível a grande parte da população.
Em matéria datada de abril de 2008 e constante do sítio celular-no-brasil, já se sabia que a maior parte dos brasileiros, incluindo crianças possui celular:
Um estudo realizado pela LatinPanel é um bom reflexo da atual situação da telefonia celular no Brasil. A pesquisa mostra que ao final de 2007, 53% dos brasileiros das classes D e E já possuíam celular. Em 2006, esse número era de 39%.
Já entre os brasileiros da classe C (camada mais populosa do País) o aumento foi de 11%. Ao final de 2007, 70% diziam possuir celulares. As classes A e B ainda continuam sendo as que mais possuem aparelhos. Cerca de 84% têm pelo menos um telefone móvel. No ano passado, foram habilitados 21 milhões de celulares, elevando a base total no País para 120,9 milhões (o número já passa dos 124 milhões).
Segundo informações da Anatel, a adesão da população brasileira ao serviço subiu de 53,2% para 63,6%. A média de consumo por usuário único (ARPU) no pós-pago aumentou 6%, chegando a R$ 68,21. O problema é que esses clientes representam apenas 15% do mercado. Em relação aos outros 85% (pré-pagos), a receita média gerada caiu 13%, atingindo R$ 11,60.
Outro dado que chama a atenção nessa pesquisa é que o uso do celular vem se tornando popular também entre as crianças. Dos entrevistados entre 7 e 13 anos, mais de 46% já possuem um telefone móvel.
Juntando esses dados a outros divulgados pela pesquisa "Playground Digital", realizada pelo canal Nickelodeon, (20% das crianças que possuem celulares compram ringtones, 91% sempre jogam no celular e 70% sempre ouvem música) é fácil enxergar o celular como um canal interessante para atingir o público infantil.
Concluindo, esses jovens, em conjunto com a crescente aquisição de aparelhos nas classes mais baixas, apontam que, apesar do amadurecimento da telefonia móvel no Brasil, ainda há muito espaço para novas vendas no País.
Prova disso é que o estudo da LatinPanel revela que o ritmo de linhas habilitadas não vem caindo nos últimos dois anos, mesmo com a maior parte da população já possuindo celulares. O ritmo é de 2 milhões de novas linhas habilitadas por mês.
Outro dado dessa pesquisa prova que essa média não deve cair - existem ao menos 46 milhões de pessoas em condições de comprar um celular nos próximos anos.
Há um aspecto a que essa reportagem não alude, mas é indiscutível: o serviço de telefonia móvel não se esgota com a comunicação. Ou seja: o aparelho não é comprado para servir apenas como instrumento de comunicação telefônica. Os consumidores visam cada vez a outros atrativos, o motiva a troca constante de aparelhos.
O mercado de venda de aparelhos não se esgota ainda que porventura venham a se esgotar o número de linhas disponíveis.
Aumentando o número de aparelhos vendidos, aumenta também o número potencial de defeitos e o número real de reclamações ao PROCON. Sendo assim, é explicável a preocupação dos órgãos de defesa do consumidor em não apenas reduzir o número de reclamações, mas, sobretudo, em fazer valer os direitos dos consumidores em um cenário de consumo bastante (enormemente) favorável às empresas.
O que parece estar por detrás da norma técnica discutida nos autos é o questionamento dos órgãos de defesa do consumidor a respeito da responsabilidade das empresas fabricantes: a garantia por elas oferecida tem sido efetivamente proporcional aos ganhos que o mercado brasileiro proporciona a elas?
Com relação a esse questionamento implícito, há duas observações a serem feitas. Em primeiro lugar, vigiar a relação de proporcionalidade entre ganhos e garantias é exatamente o papel do PROCON e do DPDC: órgãos de proteção ao consumidor nascem para reduzir as desigualdades reais oriundas do consumo de massa. Daí porque não transborda os limites de proteção a convocação dos fabricantes a observar códigos de conduta mais estritos.
Em segundo lugar, o norma técnica é verdadeiramente um questionamento, não uma imposição. As empresas foram convocadas a discutir não a aceitar a tese de que o serviço de telefonia móvel é essencial. É isso o que se entende da convocação. É bem verdade que as empresas insistem que o convite é um simulacro que pouco disfarça a real intenção do DPDC e do PROCON de impor um entendimento a respeito da essencialidade dos celulares.
Simulacro ou não, a verdade é o entendimento não se consolida sem apoio na realidade e sem a colaboração dos fabricantes. Por isso, a despeito da argumentação da impetrante, ainda se entende que a convocação é uma convocação, um convite à redefinição de condutas entre empresas fabricantes e consumidores.
Mesmo a alegação da impetrante de que o parecer com caráter opinativo tem servido de base à lavratura de autos de infração não se sustenta. Os documentos que a impetrante fez juntar aos autos (fls. 812 a 852) mostram que foram lavrados autos de infração contra as empresas fabricantes não porque tenham desrespeitado o parecer opinativo, mas porque retardaram EM MUITO o conserto dos aparelhos recém adquiridos. Não há violação a direito líquido e certo da impetrante.
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido e denego a segurança.
São Paulo, 27 de setembro de 2010.
MARIA FERNANDA DE TOLEDO RODOVALHO
Juíza de Direito
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4/8/10 - Para juíza paulista nota técnica do DPDC sobre a essencialidade do aparelho celular não tem força de lei - clique aqui.
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