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José de Alencar - intersecções entre o Direito e a literatura nacional - VI

Da Redação

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Atualizado às 08:26


Intersecções entre o Direito e a literatura nacional

VI - O contrato de casamento

O amor e o dinheiro.

Em torno destes valores gira um dos mais destacados romances urbanos de José de Alencar, "Senhora", de 1875. As páginas do famoso folhetim revelam as nuances do casamento burguês e os costumes da sociedade do século XIX.

O perfil feminino que se traça é o de Aurélia Camargo. Moça dividida entre a paixão e o ódio por Fernando Seixas, com quem estabelece casamento por meio de um contrato. O acordo é possível graças à herança que a jovem recebe do avô paterno, que a reconhece como herdeira universal da família.

Fernando Seixas é um rapaz de poucos recursos que Aurélia conheceu ainda na infância. Foram namorados, de fato. Mas a ambição do jovem fez com que rompesse os laços com Aurélia a fim de se casar com Adelaide Amaral, que lhe oferecera um dote de 50 contos. Mas a fortuna que bate à porta de Aurélia muda o rumo dos acontecimentos.

Por uma dose de amor e outra de vingança, Aurélia comissiona seu tutor, Lemos, a propor um contrato nupcial a Fernando Seixas. O homem, que já havia decidido seu futuro conjugal em valores monetários, volta a repensá-lo, cedendo, por fim, às investidas financeiras do tutor.

Mas se da primeira vez sabia Seixas a noiva que esposaria, desta última não lhe fora revelado nem sequer o nome da senhora que lhe oferecia 100 contos de réis pelo contrato de matrimônio.

Completa foi a admiração de Fernando Seixas ao tomar ciência da identidade escondida : Aurélia Camargo ! O amor pobre da juventude, transformado agora em fortuna, travava um diálogo rude na certeza do compromisso contraído e ao qual não poderia Seixas voltar atrás :

"Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada

(...)

Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor.

Entremos na realidade por mais triste que ela seja ; e resigne-se cada um ao que é, eu uma mulher traída ; o senhor, um homem vendido.

- Vendido ! Exclamou Seixas ferido dentro d'alma.

- Vendido sim : não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária ; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado ; compreio-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato ; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento."

O ataque verbal proferido na noite de núpcias denunciava um convívio conjugal nada amoroso.

"Comprou-o" Aurélia apenas para satisfazer as aparências que uma mulher em sua posição social deveria ter. Dormiram em quartos separados e castigaram-se a si próprios em meses de ofensas e zombarias cruéis.

O tempo passa e Fernando Seixas consegue amealhar a quantia necessária para resgatar sua liberdade, propondo a Aurélia a restituição do valor do contrato em troca da separação. A jovem senhora, que enxerga no gesto de Seixas uma prova de regeneração, deixa-se vencer pelo sentimento quente e revela como prova da emoção o testamento feito no dia de núpcias, no qual destinara, apesar de suas palavras duras, toda sua fortuna ao sempre amado Seixas.

Apaziguam-se os ânimos, e o amor - que primeiro havia dado lugar ao dinheiro - retoma seu posto sobranceiro.

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