Ladrão de galinha é absolvido pelo STJ
A 5ª turma do STJ aplicou o princípio da insignificância.
Da Redação
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Atualizado em 23 de janeiro de 2020 17:15
A 5a turma do STJ aplicou o princípio da insignificância para absolver um homem que foi condenado pela Justiça mineira pelo furto de uma galinha caipira avaliada em R$ 10. O ladrão de galinha foi condenado a um ano de detenção e pagamento de 10 dias-multa.
Segundo os autos, em fevereiro de 2006 o acusado invadiu o quintal do vizinho e "evadiu com as penosas debaixo do braço". Alertada por um telefonema anônimo, a Polícia Militar foi até o local e prendeu o denunciado em flagrante delito, ainda de posse de uma galinha.
No pedido de HC ajuizado no STJ, a Defensoria Pública requereu a suspensão do mandado de prisão e a absolvição do paciente. Alegou atipicidade material da conduta, valor ínfimo do bem subtraído e irrelevância do fato perante o Direito Penal.
Em seu voto, o relator do processo, ministro Jorge Mussi, reiterou que o princípio da insignificância não pode ser aplicado indiscriminadamente como elemento gerador de impunidade em crime contra o patrimônio, mas ressaltou que, no caso em questão, a lesão produzida mostra-se penalmente irrelevante.
Para o relator, não há como reconhecer presente a tipicidade material, já que o animal furtado foi infimamente avaliado e não se tem notícia de que a vítima tenha sofrido prejuízo com a conduta do acusado ou com a consequência dela. "No caso, a deflagração de ação penal mostra-se carente de justa causa, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, é absolutamente irrelevante". Assim, por unanimidade, a Turma acolheu o pedido de habeas corpus e absolveu o paciente, com base no artigo 386, inciso III, do CPP.
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Processo Relacionado : HC 157594 - clique aqui.
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HABEAS CORPUS Nº 157.594 - MG (2009/0246329-8)
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO : SILVANA LOURENÇO LOBO - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : S. DA S. N.
ADVOGADO : PAULO ALFREDO UNES PEREIRA - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública em favor de S. DA S. N., apontando como autoridade coatora a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Informa que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 155, caput, do Código Penal pela subtração de uma galinha, avaliada em R$ 10,00 (dez reais), restando condenado à pena de 1 ano de reclusão, em regime aberto, substituída por restritiva de direitos, além do pagamento de 10 dias-multa.
Ajuizada apelação criminal perante a Corte de origem, foi-lhe dado parcial provimento, tão-somente para reconhecer a forma privilegiada do delito e substituir a pena de reclusão por detenção.
Nesse contexto, sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal ante a atipicidade material da conduta, à luz do princípio da insignificância, mostrando-se irrelevantes os fatos narrados para o direito penal.
Pugna, assim, pela concessão sumária da ordem, suspendendo-se o mandado de prisão expedido em seu desfavor, e, no mérito, seja absolvido o paciente, ou, alternativamente, seja mitigada a reprimenda imposta.
Instruiu o pedido com os documentos de fls. 10 a 222.
Indeferida a liminar pelo Exmo. Sr. Ministro Presidente (fls. 225/226), foram solicitadas informações ao Tribunal indicado como coator, que as prestou a fls. 233 e 244-247.
Instado, o Ministério Público Federal opinou pela concessão do writ (fls. 270-272).
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 157.594 - MG (2009/0246329-8)
VOTO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
Consta dos autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 155, caput, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória:
Consta que na noite de 21 DE FEVEREIRO DE 2006 (TERÇA-FEIRA) , em horário indeterminado, na residência sita no n.º xxx da Rua xxxx, bairro xxxxx, São João Nepomuceno, o denunciado S. DA S. N., SUBTRAIU PARA SI algumas galinhas caipiras à vítima S. G. X. .
Apurou-se que o denunciado, por residir nas imediações, sabia que a vítima S. mantinha algumas galinhas no quintal de sua residência.
Assim, por ocasião dos fatos, violou o mencionado quintal e evadiu com as penosas debaixo do braço.
Alertada por um telefonema anônimo a Polícia Militar empreendeu perseguição, logrando prender o denunciado em flagrante delito, ainda de posse de uma galinha. (fls. 26/27 - grifos no original)
Após regular instrução do feito, o paciente restou condenado à pena de 1 ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por restritiva de direitos, além de 10 dias-multa, reprimenda esta que foi transformada pelo Tribunal de origem, em sede de apelação, no mesmo quantum de detenção, reconhecendo a forma privilegiada do delito.
Agora, por meio deste habeas corpus, pretende o douto defensor que seja aplicado ao caso o princípio da insignificância, sob a alegação de que o bem subtraído possuía valor ínfimo, levando à atipicidade da conduta narrada na exordial.
A aplicação do princípio da insignificância, ou a admissão da ocorrência de um crime de bagatela, reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
Veja-se, sobre o tema, a lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT:
O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin, em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor. A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.
[...].
Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em razão ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como por exemplo, nas palavras de Roxin, 'mau-trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade".
Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, "a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada"
(Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 14ª ed., Saraiva: SP, 2009, p. 21 e 22).
Certo que o referido princípio jamais pode surgir como elemento gerador de impunidade, mormente em se tratando de crime contra o patrimônio, pouco importando se o valor da res furtiva seja de pequena monta, até porque não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante ou irrisório, já que para aquela primeira situação existe o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal.
A propósito, a preocupação de LUIZ REGIS PRADO:
De acordo com o princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin e relacionado com o axioma minima non curat praetor, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância.
O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.
[...].
De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores - v. g., valoração sócio-econômica média existente em determinada sociedade - tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica. (Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 - Parte Geral - Arts. 1º a 120 -7ª ed., RT:SP, 2007, p. 154 e 155)
A orientação do Supremo Tribunal Federal mostra-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar-se em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Nesse sentido, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:
"PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - ATO INFRACIONAL EQUIVALENTE AO DELITO DE FURTO - 'RES FURTIVA' NO VALOR DE R$ 110, 00 (EQUIVALENTE A 26,5% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
"- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.
"O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: 'DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR'.
"- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. 'O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social'
(HC n. 94.505/RS, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, j. em 16-9-2008).
Assim, a aplicação do princípio da insignificância, causa excludente de tipicidade material, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em observância aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, demanda o exame do preenchimento de certos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do bem tutelado e na favorabilidade das circunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e de suas conseqüências jurídicas e sociais, pressupostos que, no caso, se encontram preenchidos.
Com efeito, na hipótese em exame, embora a conduta do paciente - furto simples - se amolde à tipicidade formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma incriminadora, e à tipicidade subjetiva, pois comprovado o dolo do agente, não há como, na hipótese, reconhecer presente a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado, já que o animal furtado - uma galinha caipira - fori infimamente avaliado - R$ 10,00 (dez reais) - não havendo qualquer notícia de que a vítima tenha logrado prejuízo, seja com a conduta do acusado, seja com a conseqüência dela, mostrando-se carente de justa causa a deflagração de ação penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
Nesse diapasão, desta Quinta Turma:
"HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.
"1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.
"2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.
"3. A subtração de um par de chinelos, um frasco de shampoo e um frasco de VEJA, avaliados em R$ 19,00 (dezenove reais), por seis adolescentes, embora se amolde à definição jurídica do crime de furto, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a sanção penal, uma vez que a ofensividade das condutas se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade dos comportamentos foram de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.
"4. Ordem concedida para determinar o restabelecimento da sentença" (HC n. 67.905/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, j. em 7-8-2008).
"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO DE 09 LÂMINAS DE ALUMÍNIO AVALIADAS EM 20 REAIS. LESÃO MÍNIMA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
"1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade.
Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.
"2. Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.04).
"3. No caso em apreço, aplicável o postulado permissivo, eis a mínima reprovabilidade e ofensividade da conduta. Precedentes.
"4. Ordem concedida, para, aplicando o princípio da insignificância, absolver o ora paciente, com fulcro no art. 386, inciso III do Código de Processo Penal, apesar do parecer ministerial em sentido contrário" (HC n. 99.990/SP, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. em 18-9-2008).
Vale destacar, por outro lado, a existência de corrente jurisprudencial no sentido de que a presença de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência não seriam impeditivas do reconhecimento da atipicidade material da conduta pela incidência do princípio da insignificância, "pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal" (HC 108.615/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2008, DJe 16/02/2009).
A propósito, pode-se colacionar os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima.
2. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que tentou subtrair de um estabelecimento comercial mercadorias avaliadas em R$ 18,00 (dezoito reais), sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta.
3. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância.
4. Ordem concedida" (HC 142.662/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 17/09/2009).
"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RÉU REINCIDENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A reincidência e os maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância.
2. O pequeno valor do bem subtraído é insuficiente para caracterizar o fato típico previsto no artigo 155 do Código Penal.
3. Constrangimento ilegal caracterizado.
4. Ordem concedida" (HC 132.492/MS, Rel. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2009).
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO TENTADO. INCIDÊNCIA.AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE DO AGENTE. CIRCUNSTÂNCIAS DE CARÁTER PESSOAL. NÃO-INFLUÊNCIA NA ANÁLISE DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.
2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.
3. A tentativa de subtração de uma bateria de 12 volts e um alicate, os quais foram restituídos à vítima, embora se amolde à definição jurídica do crime, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzido e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.
4. As circunstâncias de caráter pessoal do agente, tais como a reincidência, os maus antecedentes e a personalidade do agente, não têm influência na análise da insignificância penal.
5. Recurso especial improvido" (REsp 1008535/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2009).
Diante do exposto, evidenciada a ausência de ofensa ao artigo 155, caput, do Estatuto Repressivo, já que o fato denunciado é penalmente irrelevante e, por isso, atípico, concede-se a ordem para absolver o paciente, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
É o voto.
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