2ª seção do STJ vai decidir se seguradora pode se recusar a renovar seguro de vida contratado há mais de 30 anos
O ministro Fernando Gonçalves, da 2ª seção do STJ, leva a julgamento hoje, o seu voto-vista no RE que vai decidir se é possível às seguradoras se recusarem fazer a renovação de contrato de seguro de vida de segurado com quem mantinha vínculo há mais de trinta anos, apenas notificando de sua intenção de não renovar nas mesmas bases vigentes durante esse tempo.
Da Redação
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Atualizado às 09:09
Liberdade contratual ?
2ª seção do STJ vai decidir se seguradora pode se recusar a renovar seguro contratado há mais de 30 anos
O ministro Fernando Gonçalves, da 2ª seção do STJ, leva a julgamento hoje, o seu voto-vista no RE que vai decidir se é possível às seguradoras se recusarem a fazer a renovação de contrato de seguro de vida de segurado com quem mantinha vínculo há mais de trinta anos, apenas notificando o cliente de sua intenção de não renovar o contrato nas mesmas bases vigentes durante esse tempo. A questão está sendo discutida no RE de um segurado de Minas Gerais contra a Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A.
Ele entrou na Justiça após receber, no final de 2006, notificação da companhia de seguro informando de sua intenção de não mais renovar o seguro individual, contratado, continuamente, há mais de 30 anos, mediante renovação automática de apólice. Em 1999, manteve o vínculo com a empresa, aderindo a uma apólice coletiva, vigente a partir de 2000, também renovada automaticamente ano após ano. Na correspondência, a empresa oferecia três alternativas que o autor considerou excessivamente desvantajosas.
Na ação, o segurado argumentou, entre outras, que: (a) a seguradora estaria impedida de rescindir o contrato ou de alterar suas condições unilateralmente, em especial tendo em vista que o autor pagou regularmente o prêmio do seguro; (b) que a Circular nº 302/05, da Susep, que autoriza a não-renovação de apólices de seguro desde que haja notificação prévia, lesa o ato jurídico perfeito; (c) que o princípio da boa-fé objetiva inibe a modificação brusca do critério de renovação do contrato. Pediu, ao final, a aplicação do CDC (clique aqui) ao caso e que fosse estendida a validade da apólice à qual vinha aderindo, com a respectiva emissão de boletos para pagamento e tolerando-se seu reajuste anual segundo o INPC/IBGE.
Em sua defesa, a empresa alegou, entre outros argumentos, que: (a) os contratos de seguro não são vitalícios, mas anuais, de modo que a recusa à renovação, tanto por parte do segurado como da seguradora, não pode implicar rompimento do contrato; (b) a Circular 317/06, da Susep, expressamente autoriza o aumento do seguro de vida com fundamento na mudança de faixa etária do segurado; (c) não há ofensa ao CDC (clique aqui), mas exercício, por parte da seguradora, de seu direito de liberdade contratual.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente. "O consumidor não tem direito adquirido à renovação automática e perpétua da avença, podendo a seguradora, com amparo no princípio da liberdade contratual, alterar os termos dos contratos ofertados no mercado, visando à manutenção do equilíbrio contratual", entendeu o magistrado.
O segurado apelou, mas o TJ/MG negou provimento à apelação. "Prevendo o contrato de seguro a não-renovação da apólice pelas partes, mediante aviso prévio de 30 dias, não há abusividade da seguradora ao dar por findo o pacto após a vigência da apólice, posto haver cláusula expressa nesse sentido", concluiu o TJ/MG. O consumidor recorreu, então, ao STJ, alegando violação aos artigos 6º, V, 39, X e XI, 46 e 51, XI e XIII, todos do CDC (clique aqui), bem como ao artigo ao art. 765, do CC (clique aqui).
Entendimento
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, votou pelo provimento do recurso especial. "No moderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes", observou.
Segundo a relatora, um jovem que vem contratando ininterruptamente o seguro de vida oferecido pela recorrida não pode ser simplesmente abandonado quando se torna um idoso. "O cidadão que depositou sua confiança na companhia seguradora por anos, ininterruptamente, deve ter essa confiança protegida. O abandono do consumidor, nessa situação, não pode ser tomado como medida de boa fé", asseverou.
Para a ministra, a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo. "Constatado prejuízos pela seguradora, e identificada a necessidade de modificação da carteira de seguros em decorrência de novo cálculo atuarial, compete a ela ver o consumidor como um colaborador, um parceiro que a tem acompanhado ao longo dos anos."
Ressalvou, no entanto, o direito da empresa à contrapartida. "Não se pode exigir, indistintamente, que a seguradora permaneça amargando prejuízos para a manutenção do vínculo contratual. É claro que a colaboração que deve orientar a relação entre o consumidor e a seguradora deve produzir seus efeitos para ambos, de modo que o consumidor também deve colaborar com a seguradora", afirmou em seu voto.
Ao dar provimento ao RE, ela sustentou que os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. "Com isso, a seguradora colabora com o particular, dando-lhe a oportunidade de se preparar para os novos custos que onerarão, ao longo do tempo, o seu seguro de vida, e o particular também colabora com a seguradora, aumentando sua participação e mitigando os prejuízos constatados", assinalou.
A ministra ressaltou que, na hipótese de o plano preparado pela seguradora já contemplar todas essas circunstâncias, como alegado oralmente na Tribuna durante o julgamento, fica-lhe facultado oferecer, novamente, o mesmo plano, para apreciação do consumidor. "Se este entender que o escalonamento não contempla seus interesses, fica-lhe facultado discutir novamente a matéria em juízo, em ação na qual se discutirá, especificamente, não o direito à descontinuação do contrato de seguros, mas a adequação do plano apresentado, de acordo com os princípios que regem os contratos relacionais, expostos neste voto", defendeu.
Após pedir vista, o ministro João Otávio de Noronha votou não conhecendo do recurso. Em seguida, após respectivos pedidos de vista, os ministros Sidnei Benetti e Luiz Felipe Salomão, concordaram com o voto da relatora. Foi a vez, então, do ministro Fernando Gonçalves pedir vista do caso.
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Processo Relacionado : Resp 1073595 - clique aqui.
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