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Limites à utilização da ação rescisória sob a alegação de literal violação à disposição de lei

Os tribunais pátrios têm assistido uma verdadeira proliferação do uso da ação rescisória. Na maioria dos casos o primeiro argumento do autor da ação, na tentativa de demonstrar o cabimento da ação rescisória, é de que as decisões rescindendas teriam sido proferidas em violação a literal disposição de lei. Por isso, oportuna a compreensão da expressão contida no inciso V do artigo 485 do CPC que prevê ser possível a rescisão da sentença de mérito quando esta violar literal disposição de lei.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Atualizado em 15 de dezembro de 2009 11:25


Limites à utilização da ação rescisória sob a alegação de literal violação à disposição de lei

Ulisses César Martins de Sousa*

Os tribunais pátrios têm assistido uma verdadeira proliferação do uso da ação rescisória. Na maioria dos casos o primeiro argumento do autor da ação, na tentativa de demonstrar o cabimento da ação rescisória, é de que as decisões rescindendas teriam sido proferidas em violação a literal disposição de lei. Por isso, oportuna a compreensão da expressão contida no inciso V do artigo 485 do CPC (clique aqui) que prevê ser possível a rescisão da sentença de mérito quando esta violar literal disposição de lei.

Humberto Theodoro Júnior, comentando a norma acima referida, ensina que:

"Por violação literal entende-se não a decorrente de divergências de interpretação, entre vários sentidos razoáveis admitidos, mas apenas a frontal ofensa à exegese unívoca ou inconteste do texto de lei; e nunca a relativa à apreciação dos fatos e provas do processo, para o fim de subsumi-los à regra legal. Nesse sentido, pode-se afirmar que é pacífico, na doutrina e jurisprudência, o entendimento de ser 'inviável reapreciar-se os aspectos fáticos da res iudicata no bojo de rescisória."1

Prossegue ainda o mesmo autor, afirmando:

"Violar a literalidade de uma lei não equivale a errar no exame da verdade de um fato sobre o qual se aplicou a norma. Viola-se a lei quando a tese nela enunciada é entendida de forma a contrariar seu verdadeiro sentido, não quando se pratica a injustiça de aplicá-la a um fato mal interpretado. O erro quanto aos fatos, ou à prova, ofende o direito subjetivo do litigante. Não ofende, entretanto, o direito em tese, o direito objetivo, que é o que conta para a rescisória."

Oportuno trazer também a lição do saudoso jurista baiano J.J. Calmon de Passos, para quem:

"A rescisão de um julgado sob a invocação de violência à literalidade de dispositivo legal reclama um juízo comedido e prudente, dado que se alguma coisa é incompatível com o direito, máxime num mundo marcado pela celeridade das mudanças como o mundo contemporâneo, no qual nada mais se pode fazer senão administrar problemas, é admitir-se haver uma interpretação única de dispositivos legais e uma única solução razoável para cada caso concreto. Daí porque se exige, para que de ofensa à letra da lei se cuide, a absoluta incompatibilidade entre a norma construída para a decisão do caso concreto e o sistema de onde foram retirados os dispositivos que mereceram interpretação para construção da norma a ele aplicada."2

Segundo a jurisprudência do Egrégio STJ, "a violação da lei que autoriza o remédio extremo da ação rescisória é aquela que consubstancia desprezo pelo sistema de normas no julgado rescindendo". Isso porque "para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, prospere, é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade"3.

Infelizmente está se tornando comum que os jurisdicionados, sob a alegação de violação a normas de lei federal, ajuízem ações rescisórias nas quais, inegavelmente, o que buscam é rediscutir fatos e provas do processo originário, o que é incabível em sede de ação rescisória.

O exame da jurisprudência do STJ sobre o tema revela que o entendimento dessa Corte é de que "a rescisão baseada no artigo 485, V, do CPC, só é admissível em situações em que a lei é ofendida em sua literalidade, ensejando exegese atípica"4, restando sedimentado o entendimento de que a afronta ao texto da lei "deve ser direta - contra a literalidade da norma jurídica - e não deduzível a partir de interpretações possíveis, restritivas ou extensivas, e controvertidas nos Tribunais"5.

Cabendo aqui lembrar que, segundo a súmula 343 do STF, "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais".

É preciso se ter em mente que a ação rescisória não é um recurso de prazo longo. Não se pode reclamar da justiça - ou injustiça - de uma decisão em sede de ação rescisória. Trata-se de meio excepcional de impugnação das decisões judiciais, cuja utilização não pode ser banalizada. Por isso, é recomendável que os tribunais pátrios não alarguem a interpretação da regra do inciso V do artigo 485, sob pena de se transformar a ação rescisória em recurso ordinário, com o sacrifício da segurança jurídica originada da coisa julgada.

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1 AÇÃO RESCISÓRIA - VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI - Humberto Theodoro Júnior (Publicada no Juris Síntese nº 36 - JUL/AGO de 2002)

2 AÇÃO RESCISÓRIA - J. J. Calmon de Passos (Publicada no Juris Síntese nº 49 - SET/OUT de 2004)

3 (AgRg no Ag 854.368/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/03/2008, DJe 7/5/2008)

4 (AgRg no REsp 548.394/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2009, DJe 30/3/2009)

5 (AgRg no REsp 1002800/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 23/5/2008)

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*Advogado em São Luís/MA. Conselheiro Federal da OAB e sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados










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