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A natureza jurídica das reduções certificadas de emissão do protocolo de Quioto

Guilherme Sartori Testa

Por força da grande movimentação da mídia e do crescimento das discussões sobre a problemática ambiental, surge, como instrumento jurídico Internacional, o Protocolo de Quioto e suas Reduções Certificadas de Emissão, cujo objetivo maior é mitigar os efeitos da interferência humana no meio ambiente.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Atualizado em 27 de novembro de 2009 10:35


A natureza jurídica das reduções certificadas de emissão do protocolo de Quioto

Guilherme Sartori Testa*

Introdução

Por força da grande movimentação da mídia e do crescimento das discussões sobre a problemática ambiental, surge, como instrumento jurídico Internacional, o Protocolo de Quioto e suas Reduções Certificadas de Emissão, cujo objetivo maior é mitigar os efeitos da interferência humana no meio ambiente.

Tal instrumento ofereceu aos juristas um campo de estudo pouco desenvolvido até então. Dentre as principais discussões e estudos desenvolvidos recentemente, são de maior magnitude os relativos à natureza jurídica das Reduções Certificadas de Emissão e à delineação dos princípios de direito comercial que devem reger sua circulação no mercado, posto serem fundamentais ao desenvolvimento de negócios relativos às Reduções Certificadas de Emissão no Brasil.

Assim, tem o presente artigo o objetivo de conceituar a natureza jurídica de tais instrumentos, através da análise dos instrumentos jurídicos internacionais relacionados ao Protocolo de Quioto e da legislação Brasileira.

Ficará, por fim, demonstrado que o Brasil dispõe de aparelhamento jurídico suficiente para o bom desenvolvimento de negócios relacionados ao comércio de Créditos de Carbono, sendo possível sua caracterização como instrumento típico de nosso Direito Civil.

1. A natureza jurídica das reduções certificadas de emissão

A correta definição da natureza jurídica das RCEs (ou Créditos de Carbono) é tida como de fundamental importância para seu tratamento pelo direito brasileiro, seja do ponto de vista comercial, seja para fins tributários e/ou regulatórios.

Essa questão, bem resolvida, confere aos investidores, estrangeiros e nacionais, a segurança jurídica necessária à boa realização dos negócios realizados no âmbito do MDL.

Mesmo sendo de tão relevante importância, a Natureza Jurídica dos Créditos de Carbono tem sido tema de abrangentes divergências e acaloradas discussões no meio jurídico nacional e internacional.1

Assim sendo, abordaremos cinco institutos jurídicos que nacionalmente já foram aplicados ou entendem-se como aplicáveis às RCEs. São eles:

(i) commodity;

(ii) prestação de serviço;

(iii) título mobiliário;

(iv) valor mobiliário e

(v) bem incorpóreo.

Seguiremos à análise de cada um dos institutos mencionados.

1.1 Commodity

Infere-se do tratamento dispensado às RCEs pela própria Convenção Quadro (UNFCCC, 2009), que estas são equiparadas com as commodities, tendo em vista sua negociabilidade entre as Partes2.

Tal tratamento, em parte, justifica-se pela origem histórica do MDL, principalmente em relação ao Clean Air Act norte-americano que, embora descaracterize a detenção das Allowances por ele reguladas como um Direito de Propriedade (GEHRING; STRECK, 2009), declara expressamente que sua negociabilidade se dará como qualquer outra Commodity, visando, principalmente, facilitar a comerciabilidade destes papéis e alinhar eventuais julgados sobre o tema (WATCHMAN, 2008).

Ainda, se faz necessária, para esta discussão, conceituarmos o que vem a ser uma commodity. Para tanto, transcrevemos aqui os dizeres de Paulo Sandroni (2005, apud Sister, 2007, p. 38), para o qual:

O termo significado literalmente "mercadoria" em inglês. Nas relações comerciais internacionais, o termo designa um tipo particular de mercadoria em estado bruto ou produto primário de importância comercial, como é o caso do café, do chá, da lã, do algodão , da juta, do estanho, do cobre etc. Alguns centros se notabilizaram como importantes mercados desses produtos (commodity exchange). Londres pela tradição colonial e comercial britânica, é um dos mais antigos centros de compra e venda de commodities, grande parte das quais nem sequer passa por seu porto.

Dando diferente escopo, Eduardo Fortuna (2004) busca a definição de commodity de acordo com seus efeitos para a economia:

(...) todo e qualquer produto variável macroeconômico cuja incerteza quanto a seu preço futuro possa influenciar negativamente a atividade econômica.

Buscando definir o significado de commodity, José Eduardo Soares de Melo (2006, apud Sister, 2007, p. 39) expõe:

"Mercadoria", tradicionalmente, é bem corpóreo da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o caso do ativo permanente.

Grau Neto (2009), complementa, dizendo que a fungibilidade e comercialização em larga escala são características intrínsecas das commodities.

Na esteira de todas as definições acima expostas, podemos sumarizar o conceito commodity como referente a bens corpóreos: mercadorias com valor econômico intrínseco, fungíveis: em decorrência de sua identificação padronizada, por gênero e espécie e cuja precificação é variável, de acordo com os anseios do mercado e as perspectivas de demanda futura.

Embora haja divergências3, temos, com base no entendimento expresso por Watchman (2008), por Jeffrey M. Hirsch4 e por Markus W. Gehring5, que tratam-se as RCEs de instrumentos fungíveis, uma vez que, mesmo vinculadas a um projeto específico, com número de série único e referentes a um período de compromisso específico - fatores que retirariam das mesmas características necessárias à fungibilidade - a RCE é um instrumento padronizado, por representar, unitariamente, o sequestro ou a não-emissão de uma tonelada de CO2e na atmosfera, independentemente de seu número ou projeto originador.

Através da leitura do texto do Protocolo (BRASIL, 2002), temos como certo que os mecanismos de flexibilização foram criados como forma de auxílio às partes Anexo I, a fim de que estas atinjam suas metas compromissadas no âmbito da UNFCCC.

Desta feita, só poder-se-á falar em não-fungibilidade caso as RCEs que se pretenda substituir se refiram a períodos de compromisso diferentes; uma vez que, ao compreenderem o mesmo período de compromisso, poderão compor a conta do país Anexo I gerando efeitos idênticos, sendo indiferente, i.e., terem as RCEs origem na trigeração de energia termoelétrica ou o manejo de resíduos sólidos orgânicos6.

Não obstante, embora presente a primeira característica, em conformidade com o entendimento de Grau Neto (2009), a RCE possui natureza incorpórea, por se tratar de uma declaração que não existe fisicamente, representada por dados inseridos no Registro do MLD e vinculada a uma conta virtual específica: tal condição impossibilita, então, seu enquadramento no conceito exposto de mercadoria, uma vez que esta pressupõe um bem corpóreo.

1.2 Prestação de serviços

A definição de prestação de serviço para as RCEs advém da Circular emitida pelo Banco Central sob o nº 3.291/067, pela qual foi atribuído o código "Serviços Diversos - Créditos de Carbono 29/(NR) 45500" para a realização de operações de câmbio com créditos de carbono, que segue in verbis:

Serviços diversos - Créditos de Carbono 29/(NR) 45500. Observadas as disposições da Res. 3.265, quanto à legalidade da transação, fundamentação econômica e responsabilidades definidas na respectiva documentação, podem as operações ser cursadas diretamente junto aos bancos autorizados a operar no mercado de câmbio.

TÍTULO: 1 - Mercado de Câmbio CAPÍTULO: 8 - Codificação de Operações de Câmbio SEÇÃO: 2 - Natureza de Operação SUBSEÇÃO: 10 - Serviços Diversos - Créditos de carbono Código 45500

Tal entendimento, conforme clara descrição de Fernando Dantas Casillo Gonçalvez (apud SOUZA, 2007. P. 261) não observa que, para a existência de um serviço se faz necessária uma obrigação de fazer, que não esta presente quando a obrigação é de dar alguma coisa, presente quando a RCE é cedida, a qualquer titulo.

Ainda, mesmo que considerada apenas a RCE, e não o negócio jurídico que tem como objetivo a transação de sua titularidade, essa classificação não é cabível, pois a ideia de prestação de serviço se prolonga em um espaço específico de tempo e a RCE, por sua vez, tem na sua emissão um fato pontual, tornando-se imutável após isso, representando uma declaração de que um projeto específico evitou que fosse emitido ou realizou o sequestro de uma tonelada de CO2 e na atmosfera, não representando, portanto, uma obrigação de fazer ou a realização de um serviço a alguém.

Adicionalmente às observações acima expostas, impossível se faz classificar as RCEs como prestação de serviço, em virtude da própria concepção da expressão, a saber:

Exercício ou desempenho de quaisquer atividades materiais ou intelectuais, com o fim produtivo ou lucrativo; execução de determinado trabalho físico ou mental. Duração deste trabalho (NUNES, 1974, apud MARTINS, 2006, p. 14).

A Circular BACEN 3.291/06 bem cabe para a classificação de transação cambial que envolva o pagamento de serviços de geração de RCEs, sendo estas o produto final de um processo produtivo contratado por empresa estrangeira, ou ainda a transferência de RCEs resultantes de um projeto de Joint Implementation. Contudo, constata-se não ser possível o enquadramento das RCEs como prestação de serviços, tampouco a classificação de simples operações de transferência de RCEs como tal.

1.3 Título mobiliário

A noção de título mobiliário encontra-se atrelada à conceituação de títulos de crédito, configurando estes "[...] documentos representativos de obrigações pecuniárias." (COELHO, 2007, p. 231)

Para fins meramente didáticos, com o intuito de melhor posicionar o leitor acerca deste conceito, trataremos primeiramente da noção de Crédito, tida como objeto imediato de um Título Mobiliário. Conceituando tal noção, Orlando Gomes (2007), sempre claro, explica:

Elemento decisivo do conceito é a prestação. Para constituir uma relação obrigacional, uma das partes tem de se comprometer a dare, facere ou prestare, como esclareceu o jurisconsulto Paulo, isto é, a transferir a propriedade de um bem ou direito real, a praticar ou abster-se de qualquer ato ou a entregar alguma coisa sem constituir um direito real. Necessário, finalmente, que a prestação satisfaça o interesse do titular do direito de crédito, porque o vínculo se estabelece estritamente para este fim.

Encarada pela face ativa, a relação obrigacional apresenta-se com direito de crédito, correspondente a uma de suas partes, o credor.

[...]

O objeto do direito de crédito é a prestação, isto é, a ação ou omissão da parte vinculada, mas, por abreviação, costuma-se dizer que a coisa a ser entregue ou o fato a ser prestado constituem-no.

O conteúdo compreende o poder de exigir, do credor, e a necessidade jurídica de satisfazer, do devedor.

Cabe ainda transcrever a clássica e sempre atual definição de crédito (obrigação) de Clóvis Bevilaqua (1954):

(...) adoptei o seguinte modo de definir obrigação: - é a relação transitória do direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que, por acto nosso ou de alguém comnosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa acção ou omissão.

Por sua vez, a densa doutrina de Maria Helena Diniz (2008), adicionalmente, dá definição mais sucinta aos títulos de crédito:

[...]

Daí afirmar-se que os direitos de crédito são:

1º) Direitos relativos, uma vez que se dirigem contra pessoas determinadas, vinculando sujeito ativo e passivo, não sendo oponíveis erga omnes, pois a prestação apenas poderá ser exigida do devedor.

2º) Direito a uma prestação positiva ou negativa, pois exigem certo comportamento do devedor, ao reconhecerem o direito do credor de reclamá-la.

De Plácido e Silva (1998), por sua vez, contribui para a definição de crédito:

Conceito de Crédito - No sentido econômico, o crédito, na expressão de Charles Guide, não é mais que o alargamento da troca - a troca no tempo, em lugar de ser no espaço. É assim, por sua definição, a troca de uma riqueza presente por uma futura.

Em matéria comercial, e mesmo na civil, o crédito resulta da confiança depositada por uma dos contratantes no outro. E, baseada nela, se permite que a obrigação de um deles, ou a contraprestação, a que estava obrigado, seja cumpria em espaço de tempo mais dilatado, ou com um intervalo de tempo entre a prestação cumprida e a que se vai cumprir no futuro.

Documentada e delineada a noção de crédito, passemos ao estudo da noção de Títulos Mobiliários. Tanto a doutrina clássica quanto a contemporânea entende que, para que um documento seja considerado como título de crédito, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos. Nos dizeres de Coelho (2007, p. 233):

Três são os princípios que informam o regime jurídico cambial: cartularidade, literalidade e autonomia. Para que o credor de um título de crédito exerça os direitos por ele representados é indispensável que se encontre na posse do documento (também conhecido por cártula). [...] Outro princípio é o da literalidade. Segundo ele, não terão eficácia para as relações jurídico-cambiais aqueles atos jurídicos não-instrumentalizados pela própria cártula a que se referem. [...] Finalmente, pelo princípio da autonomia, entende-se que as obrigações representadas por um mesmo título de crédito são independentes entre si. [...]. (G. N.)

Autores diversos apresentam exceções ao princípio da cartularidade, exceções estas que não serão aqui expostas uma vez que, como se verá, mesmo que relativizado este conceito, o instrumento em questão não pode ser considerado um Título Mobiliário.

Com base em todas as definições expostas, podemos definir um Título de Crédito, ou Título Mobiliário, como uma cártula - documento que existe fisicamente - autônoma, pois não depende de nenhum outro documento para que seja integramente válida - e literal, por representar não mais nem menos que o crédito nela expressa, crédito este que nada mais é que uma obrigação de dar, fazer ou não fazer oponível contra o devedor pelo credor que detém a cártula ou que tenha, a qualquer outro título, o direito de exigir a obrigação nela expressa.

Trata-se a RCE de um certificado emitido de acordo com a aprovação do Executive Board e cuja custódia se dá em um sistema eletrônico, no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, (artigo 12 do Protocolo de Quioto, Parte A(1)(c) das Modalidades de MDL, Decisão 17/CP.7.), sendo que cada RCE decorre da atividade de um projeto e representa a verificação de redução de uma tonelada de gás de efeito estufa a partir de uma linha de base.

Assim, não podemos classificar o que é representado pela RCE como um crédito, uma vez a declaração ali contida não representa uma obrigação, seja de dar, fazer ou não fazer, e sim apenas e tão somente a comprovação de que a atividade de algum projeto aprovado no âmbito do MDL, completou todo o ciclo necessário para a efetiva redução de uma tonelada de CO2e na atmosfera, que foi medida por uma EOD e certificada pelo Executive Board, de acordo com todas as regras do MDL.

A definição das RCEs por o que representam de fato, em conformidade com o parágrafo anterior, demonstra como a denominação "Crédito de Carbono" pode, muitas vezes, confundir um leigo, vez que, conforme demonstrado, a noção de crédito está, e muito, distante da natureza jurídica das RCEs.

Ante todo o exposto, inferimos que relativamente à natureza jurídica das RCEs, é incabível a hipótese de constituírem tais certificados títulos de crédito, ou ainda títulos mobiliários, em virtude de não representarem, de per si, obrigações de dar, fazer ou não fazer junto a qualquer entidade ou pessoa.

No mais, na medida em que em relação ao título de crédito tem-se sempre a certeza de quem é o devedor da obrigação nele representada, para as RCEs - no momento de sua emissão - podemos afirmar tão-somente quem figuraria no pólo passivo da suposta obrigação que ela representaria8.

1.4 Valor mobiliário

Nelson Eizirik sumarizou o conceito de valores mobiliários ao tratá-los como "[...] papéis ou documentos, passíveis de negociação em massa, representativos de investimento ou de crédito, que a Lei considera valores mobiliários e submete, em consequência, a uma disciplina especial e ao poder de polícia da CVM." (EIZIRIK, 1998)9.

A lei 6.385/76, de 7 de setembro de 1976 (Lei do Mercado de Capitais - clique aqui), em seu artigo 2º, traz o rol taxativo, de acordo com o entendimento da CVM, dos valores mobiliários no direito brasileiro, in verbis:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;

III - os certificados de depósito de valores mobiliários;

IV - as cédulas de debêntures;

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

VI - as notas comerciais;

VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

[...]

Defensores da classificação das RCEs como Valor Mobiliário divergem em dois principais grupos, sendo que o primeiro entende serem estes ativos enquadráveis na hipótese do inciso VIII e o segundo busca classificá-los na previsão do inciso IX.

Cabe, aqui, citação ao entendimento de Grau Neto (2008) segundo o qual

"[...] pende entre o bem incorpóreo e o valor mobiliário a classificação para o certificado de emissões reduzidas. Parece correto dizer que o objeto do certificado pode ser havido como um bem, de natureza incorpórea, enquanto que o certificado propriamente dito não seria um bem, mas sim um valor mobiliário. O bem da atividade de MD é a redução de emissão de gases de efeito estufa. O certificado representa o valor equivalente, de natureza mobiliária, desse bem. [...] Preferimos ver o certificado como o título que representa o valor equivalente deste bem, não com ele se confundindo. Nesse contexto, tratando-se de valor mobiliário, sujeita-se o certificado às regras e condições a serem definidas pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, de forma a disciplinar sua circulação."

Em publicação recente, o jurista Otávio Yazbek (CVM, 2009), Diretor da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, manifestou seu entendimento à respeito da possibilidade de enquadramento das RCEs nas hipóteses dos incisos do Artigo 2º da Lei do Mercado de Capitais. Em detrimento das opiniões favoráveis ao tema e, diga-se, de forma muito coerente, entendeu Yazbek que os Créditos de Carbono não podem ser definidos como Valores Mobiliários e, por isso, não estariam sob o guarda-chuva regulatório da CVM.

Ao combater a definição dos papéis aqui tratados como contratos derivativos, Yazbek (CVM, 2009) asseverou que tais instrumento não são "resgatáveis", posto não serem passíveis de transformação em uma vantagem econômica concreta, servindo tão somente aos países Anexo I como meio para cumprir suas metas, de acordo com as disposições do Protocolo (BRASIL, 2002). Desta forma, entendeu o Diretor não serem as RCEs "derivativos, mas os próprios ativos", não cabendo, portanto, enquadrá-las na hipótese do inciso VIII, supracitado.

Em relação à segunda definição possível, que remete ao conceito norte-americano de securities, presente no inciso IX do art. 2º da Lei do Mercado de Capitais, entendeu Yazbek (CVM, 2009) que tais ativos não podem ser assim classificados, vez que

"[...](i) não havendo a manutenção de vínculo, em razão da aquisição de uma RCE, entre o adquirente desta e o agente econômico que implantou o projeto de MDL; e (ii) não se destinando as RCEs a corporificar um investimento propriamente financeiro, não há que se falar na caracterização dos créditos de carbono em si como valores mobiliários também por força do inciso IX do art. 2º da lei 6.385/76."

Adicionalmente, em relação a esta classificação, em outra oportunidade, manifestou-se a CVM10 no mesmo sentido do voto analisado: ao definir a caracterização de uma Oferta Pública de valores mobiliários, o órgão manifestou entendimento no sentido de que quaisquer papéis não previstos nos incisos I à VIII do artigo 2º da Lei do Mercado de Capitais, podem ser definidos como valores mobiliários, enquadráveis no inciso IX do mesmo artigo, caso estejam presentes os seguintes elementos caracterizadores:

1) fornecimento de recursos (dinheiro ou bens) por parte do investidor;

2) gestão dos recursos por terceiros, ou seja, o investidor não controla o montante que investiu no negócio;

3) trata-se de empreendimento comum, cujo sucesso é almejado tanto pelo investidor quanto pelo gestor, havendo entre ambos uma comunhão de interesses econômicos interligados juridicamente;

4) expectativa de obtenção de lucros, a serem auferidos por meio de participação, parceria ou remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços; e

5) investidor assume os riscos de financiador do negócio (ou os do empreendimento) e também aqueles que possam resultar na perda total ou parcial dos recursos investidos.

Temos, então, que, em análise superficial, seria possível afirmar que a hipótese prevista no inciso IX aplica-se às RCEs - porém, as reduções certificadas não representam necessariamente um investimento, mas tão-somente a redução de emissão de GEEs (SISTER, 2007).

Desta forma, não seria possível atribuir a característica de valor mobiliário para as RCEs, tendo em vista que o parágrafo 2º não faz qualquer menção a tal certificado.

Embora a caracterização das RCEs como Valores Mobiliários seja extremamente inoportuna, por todos os motivos expostos e por serem tais ativos registrados e emitidos no exterior, é relevante a menção ao PL que tramita na Câmara dos Deputados, o PL 493/07 (clique aqui), em que se pretende elevar a RCE a tal categoria.

1.5 Bem incorpóreo

A definição das RCEs como bem incorpóreo é acompanhada por diversos doutrinadores brasileiros. Principal, para o entendimento este instituto, é entender a noção de bens, que, segundo Monteiro (2003, p. 168), são "[...] valores materiais ou imateriais que podem ser objeto de uma relação de direito."

Buscando conceituar as espécies material e imaterial do gênero bens, Silvo de Sávio Venosa (apud Sister, 2007, p. 36) ensina:

Bens corpóreos são aqueles que os nossos sentidos podem perceber: um automóvel, um animal, um livro. Os bens incorpóreos não têm existência tangível. São os direitos das pessoas sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto, ou em relação a outra pessoa, com valor econômico: direitos autorais, créditos, invenções.

Conceituada a noção de bens materiais e bens imateriais e, fazendo uso de outra citação direta, cabe aqui mencionar o coerente entendimento de Sister (2007), segundo o qual

"[...] embora os bens intangíveis não possuam existência física, é inquestionável o seu interesse ao mundo jurídico, vez que apresentam utilidade e valor econômico para os seres humanos e podem ser objeto de negociação entre partes.

[...]

As RCEs são certificados que atestam o cumprimento das normas do MDL, o que, em uma última análise, significa que a redução das emissões ou o sequestro de carbono está ocorrendo conforme o plano previamente estabelecido pela parte que o apresentou. Representam, dessa maneira, verdadeiro direito daquele que cumpriu com as exigências estabelecidas no texto normativo. Assim, com base na classificação de bens sedimentada pela legislação e doutrina pátria, é possível afirmar que as RCEs enquanto direitos sem existência tangível, todavia com valor econômico, enquadram-se com perfeição na acepção de bens intangíveis."

Com base nestas simples definições, o mais correto entendimento tende a enquadrar trais ativos na categoria de bens incorpóreos, como o fazem Sister (2007), Sabbag (2008) e Souza (2007).

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Referências

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WATCHMAN, Paul Q. (Coord.). Climate Change: A Guide to Carbon Law and Practice. London: Globe Law and Business, 2008.

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1 Vale, aqui, referência aos diversos entendimentos expressos no presente trabalho.

2 Angelim (2006) acompanha este entendimento.

3 Sister (2007) e Souza (2007), por exemplo, não corroboram com o aludido entendimento, vez que não entendem serem as RCEs fungíveis entre si.

4 Autor expressa tal entendimento em artigo publicado no New York University Environmental Law Journal, cujo escopo foi a análise do Clean Air Act norte-americano, mercado tido como a principal base para a criação do MDL.

5 Autor expresa tal entendimento em artigo publicado pelo Environmental Law Institute, entitled Emissions Trading: Lessons From SOx and NOx Emissions Allowance and Credit Systems Legal Nature, Title, Transfer, and Taxation of Emission Allowances and Credits.

6 A trigeração de energia termoelétrica e o manejo de resíduos sólidos orgânicos são duas metodologias de mitigação de geração de CO2e já aprovadas pelo Executive Board do MDL.

7 O texto de tal normativo pode ser consultado no site , acesso em 24 de agosto de 2009.

8 Vale a consulta ao artigo de Contrucci (2008), para o qual tratam-se as RCEs de títulos de crédito.

9 A doutrina diverge nesse aspecto, sendo que o autor demonstra-se adepto à corrente legalista, majoritária, pela qual apenas é valor mobiliário aquele definido no rol da Lei.

10 Tal entendimento foi manifestado pela CVM, dentre outras oportunidades, em resposta à consulta formulada por Rodrigo Romani - Processo RJ2008/10302. Registro nº 6349/09. Relator: SRE/GER-2.

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*Artigo baseado na monografia de conclusão de curso intitulada "Mercado de Carbono do Protocolo de Quioto: Principais Aspectos e Tributação", de autoria da dra. Camila de Camargo, apresentada na Universidade Presbiteriana Mackenzie.  

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*Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie





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