MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Nego porque pede

Nego porque pede

Logo após o suicídio do Presidente Vargas, Café Filho passou a dirigir o Brasil. Surgiu um fato relevante. Tendo Juscelino sido eleito para a Presidência, os políticos adversários de Vargas, agora apoiadores de Café, iniciaram um movimento público no sentido de impedir sua posse. Os derrotados na urna exigiam um segundo turno porque o vitorioso havia conseguido apenas 36% dos votos.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Atualizado em 23 de novembro de 2009 10:32


Nego porque pede

Sérgio Roxo da Fonseca*

Logo após o suicídio do Presidente Vargas, Café Filho passou a dirigir o Brasil. Surgiu um fato relevante. Tendo Juscelino sido eleito para a Presidência, os políticos adversários de Vargas, agora apoiadores de Café, iniciaram um movimento público no sentido de impedir sua posse. Os derrotados na urna exigiam um segundo turno porque o vitorioso havia conseguido apenas 36% dos votos. Acionada a Justiça Eleitoral, o segundo turno foi indeferido por então não constar da Constituição.

No enterro do General Caronbert Pereira da Costa, o Coronel Bizarria Mamede discursou, alinhando-se ao lado da oposição. O alto escalão do Exército postulou a sua punição. Café, pretextando um súbito mal-estar, afastou-se da Presidência da República, que passou a ser dirigida pelo deputado mineiro Carlos Luz. Por apenas quatro dias.

O Exército tomou as ruas do Rio, então capital federal. Carlos Luz, a bordo do cruzador Tamandaré, rumou para São Paulo, supondo que o então Governador Jânio Quadros ficaria ao seu lado. Não ficou.

Os generais Henrique Lott e Odílio Denis lideraram as suas tropas, propondo uma solução dentro dos quadros da legalidade. O congresso depôs Carlos Luz e o substituiu por Nereu Ramos.

Café Filho imediatamente ficou bom e anunciou que voltaria para a Presidência da República. Os militares do Exército cercaram a sua residência, impedindo que se dirigisse para a sede presidencial, o então Palácio do Catete.

Naquele momento, os adversários de Juscelino, tendo à frente o jornalista Lacerda, reuniram-se para preparar um mandado de segurança ou um "habeas corpus" em favor de Café. Será um mandado de segurança expedido contra ato administrativo ilegal? Será "habeas corpus" que ampararia o direito de ir e vir do Presidente da República?

Instalada a questão jurídica, uma comissão foi procurar Milton Campos, reserva moral da oposição. Qual será a medida adequada, perguntaram. Milton Campos deu uma resposta histórica. Se fosse ministro do Supremo Tribunal Federal, proferiria o voto mais curto da sua história: "nego porque pede".

O que é isso? O grande mineiro esclareceu, se o Presidente da República pede a um juiz autorização para exercer suas funções é porque já não é mais Presidente da República. "Nego porque pede". O presidente que pede não é mais presidente. A questão teve desdobramento com a queda de Café e a posse de Juscelino.

Somos contra todos os golpes de Estado. Indistintamente. O golpe que destituiu o Presidente Zelaya em Honduras foi um golpe e, portanto, os democratas devem permanecer contra.

Da importantíssima opinião dos democratas, todavia, não resulta força suficiente para reconduzir Zelaya ao poder. Podemos e devemos ficar contra os golpistas. Mas o direito já se pronunciou tanto contra Café como contra Zelaya. Um e outro deixaram de ser presidentes. Na Argentina ocorreu fato análogo.

Zelaya não é mais presidente de Honduras. Não mais comanda Honduras. A regularização do exercício do poder tem que ser feita em nome e pelo povo hondurenho. Cabe ao Brasil e aos democratas tomarem uma posição crítica contra o golpe. Mas, forçoso reconhecer, não temos força física para contrariá-lo. O remédio tem de ser encontrado pelos hondurenhos.

Cabe aqui aplicar o mesmo pressuposto utilizado por Milton Campos. Se Zelaya necessita do apoio internacional e dos democratas para voltar ao poder é porque já não é mais presidente de Honduras. "Nego porque pede", na seca e hipotética sentença de Milton Campos.

________________



*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor da Faculdades COC




 

 

__________________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca