Aspectos da produção de provas na arbitragem internacional - sistemas da common law ou da civil law
O artigo 22 da Lei brasileira de arbitragem (L 9307/96) estabelece que o árbitro ou o tribunal arbitral poderá "tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício." O árbitro, da mesma forma que o juiz togado, diz C. A. Carmona1, "deverá instruir as causas, ou seja prepará-las para decisão, colhendo as provas úteis, necessárias e pertinentes para formar o seu convencimento".
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Atualizado em 19 de novembro de 2009 10:18
Aspectos da produção de provas na arbitragem internacional - sistemas da common law ou da civil law - a barreira da ordem pública - a Discovery na common law americana
José Maria Rossani Garcez*
Produção de Provas na Arbitragem
O artigo 22 da Lei brasileira de arbitragem (9.307/96 - clique aqui) estabelece que o árbitro ou o tribunal arbitral poderá "tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício." O árbitro, da mesma forma que o juiz togado, diz C. A. Carmona1, "deverá instruir as causas, ou seja prepará-las para decisão, colhendo as provas úteis, necessárias e pertinentes para formar o seu convencimento".
Equiparar os poderes instrutórios do juiz e do árbitro, prossegue Carmona, tem conseqüências importantes: "pode o árbitro requisitar documentos públicos, como faria o juiz, bem como solicitar informações aos órgãos estatais; pode determinar exames e vistorias (se necessário com o concurso do Poder Judiciário); pode determinar a oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes; pode exigir que as partes apresentem documentos, entre tantas outras possibilidades."
O princípio do livre convencimento do árbitro, entretanto, é o do convencimento motivado, ou o da persuasão racional, o mesmo estabelecido no artigo 131 do CPC (clique aqui) em relação ao Juiz2, em que fica o árbitro limitado aos elementos que foram trazidos e são úteis ao debate no contraditório, justificando as razões que o levaram a dar maior valor a certa prova em detrimento de outra, em sentido contrário. A motivação da decisão arbitral é um elemento que daí emerge e se impõe porque decorre, necessariamente, da garantia do devido processo legal.
Dentro de nosso direito, o Código Civil (clique aqui) dispõe, no artigo 229, II, que ninguém é obrigado a depor sobre fato "a que não possa responder, sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; e III - que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano pessoal patrimonial imediato". Este princípio é encontrável, mutatis mutandi, no "Pacto de San José da Costa Rica", incorporado ao nosso ordenamento jurídico com essência constitucional, nos termos do § 3º do art. 5° da CF (clique aqui), que, em seu artigo 8°, item 2, alínea "g" dispõe que nenhuma pessoa será obrigada a "depor contra si mesma" e nem a "declarar-se culpada", inscrevendo-se aí a norma garantidora da não produção de prova contra si mesmo.
Além disto, a Constituição brasileira dispõe de maneira categórica serem inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, salientando Ada Pellegrini Grinover3, tratar-se de "não ato, de não-prova" que as conduz à categoria de inexistência jurídica. È o caso, por exemplo, da polêmica em torno da gravação de conversação com terceiros, feita através de fita magnética, sem o consentimento de um dos sujeitos da relação dialógica, que não pode ser contra este utilizada pelo Estado em juízo. Embora a licitude desse modo de gravação tenha sido aceita pelo STF no HC - 75.338-8/RJ, sendo Relator o Ministro Nelson Jobim (DJU 25/9/98), ainda que reste a polêmica e outros ministros daquela Corte, como o Ministro Celso de Mello, entendam que essas gravações, feitas dessa maneira, são imprestáveis como prova em processo judicial.
Nosso Direito Internacional Privado, a sua vez, estabelece no artigo 13 da Lei de Introdução ao Código Civil - LICC (clique aqui), que "a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro, rege-se pela lei que nele vigorar, quanto aos ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça". O fato é que este artigo se refere à jurisdição, não se admitindo no curso da ação provas que não sejam autorizadas pela lei do julgador, que, no caso, se supõe estar no território nacional. Se o permitíssemos estaríamos ferindo o princípio da territorialidade da disciplina do processo. Exemplos com o da aceitação de venda no exterior de imóvel situado no Brasil por instrumento particular faz parte de um elenco, neste caso, trivial e variado.
Produção de provas no exterior - os sistemas legais e as barreiras da ordem pública.
A produção de prova no exterior no âmbito de arbitragem produzida no exterior, ou, ainda mais rotundamente, cuja sentença arbitral seja também proferida no exterior, constitui um aspecto relevante para que se entendam os meandros da arbitragem internacional.
A Convenção Européia de 1961 sobre Arbitragem Comercial Internacional, cujo âmbito de aplicação é o dos países do continente europeu, determinou pela primeira vez o conteúdo da moderna corrente que passou a ser aceita quanto aos princípios para determinação da lei aplicável ao procedimento arbitral. Ela previu, no Artigo IV, Parágrafo 1 (b) (iii), que as partes no acordo arbitral são livres para determinar o procedimento a ser seguido pelos árbitros. Quando elas não o fizerem, entretanto, as regras da Convenção serão seguidas e, segundo o mesmo artigo, em seu Parágrafo 4 (d), os árbitros poderão determinar as regras procedimentais a serem observadas.
Os professores Fouchard, Gaillard e Goldman, registram4 que a melhor ilustração da aplicação desse princípio é o das regras de arbitragem da CCI, ao estabelecerem que as regras a serem seguidas na arbitragem serão as das próprias regras da entidade e quando estas forem silentes, quaisquer regras que as partes (ou na falta delas, os árbitros) possam escolher, com referência ou não a uma lei procedimental nacional. Alguns viram nesta estipulação uma orientação para além da existência subsidiária e mandatória da aplicação da lei do "fórum" (Lex fori) em favor de uma combinação de poderes das partes e dos árbitros, sem referência a qualquer lei nacional, combinação esta adotada pelo art. 1494 do Código de Processo Civil francês.
Não obstante, são os mesmos e consagrados autores que (pág. 644 da obra citada) observam que as leis do país em que a sentença arbitral for sujeita a ação anulatória (court review) estas não podem ser ignoradas pelos árbitros e representam, efetivamente, as únicas leis que impõem limites à autonomia das partes e dos árbitros na condução do procedimento arbitral.
Neste sentido e com toda a relevância, o escrutínio legal toma em consideração, acima de outros fatores, os relacionados à ordem pública, seja do país da emissão da sentença arbitral, ou, em juízo de delibação5, do país em que a sentença deverá ser conhecida e homologada, para efeitos de execução.
Assim, existe a dependência da arbitragem comercial internacional aos sistemas nacionais, o que é visto, algumas vezes, como apresentando controvérsias na solução de disputas no comércio internacional. Na última década a discussão entre os especialistas trabalhou com a idéia de um sistema deslocalizado ("delocalized") para que a arbitragem comercial internacional pudesse estar imune a sistemas legais nacionais, ao menos o do lugar em que a arbitragem tivesse lugar, ou onde fosse emitida a sentença arbitral.
Este sistema, mais um desejo dos arbitralistas do que uma realidade se subordina, pelo menos, a uma limitação constituída por Convenção Internacional, no caso do ICSID - International Centre for Settlement of Investments. Esta Convenção, criada no âmbito do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD (Banco Mundial) tem a finalidade de solucionar por arbitragem (ou mediação) conflitos sobre investimentos entre Estados e nacionais de outros Estados, dispondo como condições a que os Estados signatários da Convenção aceitaram e não podem renunciar, cláusulas prevendo a capacidade do Centro para estabelecer procedimentos legais (art. 18), jurisdição (art. 25) e que os Estados Parte não poderão dar proteção diplomática nem discutirão em outros foros uma disputa que tenham, dessa forma, aceito submeter ao Centro.
Em resumo: a "deslocalização" da arbitragem através da seleção da lei aplicável ao procedimento, que, normalmente, é a da lei do local onde a sentença arbitral é emitida, embora possível, assim como é possível a escolha de procedimento regulado pela lei nacional de outro país que não o da sede da arbitragem, essa última hipótese referida na Convenção de Nova Iorque e em algumas leis de arbitragens de alguns países, podem gerar interferências com as liminares e recursos interpostos nos locais em que ocorrem as arbitragens e que tenham de ser conhecidos pela justiça local.
Nos litígios em questões transnacionais o impacto de múltiplos sistemas legais, baseado na convenção arbitral, pode surgir, pois sua efetividade depende do modo como as cortes nacionais tratarão a sentença e, em especial, se houverem questões na sentença que afetem a ordem pública dos países, quando de sua homologação.
Embora o conceito de ordem pública seja multifacetado e importe numa série de definições as regras processuais destinadas ao resguardo de direitos fundamentais, tais como a ampla defesa e o contraditório, mesmo sendo normas infraconstitucionais, deverão ser respeitadas no procedimento arbitral, mesmo na arbitragem realizada no exterior quando do juízo de delibação pelo STJ para homologação da sentença estrangeira, que é a proferida fora do território nacional, segundo o Parágrafo único do artigo 34 da Lei de Arbitragem. Caso contrário, não será possível a homologação dessa sentença arbitral estrangeira.
A ordem pública processual representa a garantia do respeito ao devido processo legal e assim, deverá ser sempre respeitada no processo arbitral e na sentença arbitral, sob pena desta não ser homologada em caso de sentença arbitral estrangeira (artigo 39, II da Lei de Arbitragem e artigo V (2) (b) da Convenção de Nova Iorque) ou de ser declarada nula (artigo 32, VIII c/c 21, parágrafo 2º da Lei de Arbitragem).
A "Discovery" como método de apuração de evidências antes do julgamento da questão arbitral.
Enfatizamos o valor seletivo da escolha de um sistema procedimental conhecido para realização da arbitragem, seja pela fixação da lei a aplicar, ou através da "deslocalização" do epicentro da arbitragem em relação às leis de outro país, seja pela realização da arbitragem no país que as partes escolheram e cujo sistema legal conheçam.
Na França e na Alemanha, assim como no Brasil, a produção de provas fica sob o controle exclusivo do juiz (ou do árbitro) e geralmente é pouco comum que a parte requeira ao condutor do julgamento que ordene à outra parte que apresente um documento ou evidência, a não ser que descreva concretamente ao julgador o documento que deseja seja exibido e que se encontra na posse da outra parte e demonstre, a critério do julgador, a evidência que o documento é relevante para a solução da controvérsia. De outro lado, a produção ou exibição de um documento dessa forma não é imposta coercitivamente pelo julgador, mas só indiretamente. E quando é produzida prova oral, as testemunhas são consideradas as testemunhas da Corte ou dos árbitros não testemunhas de uma parte em particular.
A mais importante fonte individual de conflitos e má interpretação entre os sistemas judiciais, reconhecidamente, é a prática norte americana do levantamento de evidências preliminares ao julgamento das questões, a 'pre-trial Discovery". Um sistema utilizado, genericamente, por todos os países da common law, a que não estão habituados os practitioners dos países da civil law. O que diferencia esse sistema dos demais é o escopo amplo de coleta de evidências que ele permite.
Não expomos esse ponto de vista devido a alguma posição pessoal, mas sim em razão de comentários e críticas, vigorosas, feitas por especialistas internacionais, como Christian Bühring-Uhle, Lar Kirchhoff e Gabrielle Sherer, em sua obra "Arbitration and Mediation in international business", editada pela credenciadíssima Kluwer Law International.
Referem-se esses especialistas a algumas circunstâncias conhecidas dos que tem prática da "Discovery".
A máxima fundamental da Discovery é que "o conhecimento mútuo de todos os fatos relevantes coligidos pelas partes é essencial e adequado à solução do litígio" e nisto a idéia por detrás da "Discovery" é proporcionar a ambas as partes uma oportunidade igual para conduzir sua própria investigação do caso e dar acesso a cada parte a evidências na posse ou sob controle da outra parte. Na prática, dizem os referidos críticos e especialistas, a "batalha" da Discovery parece encorajar táticas do jogo de pôquer, assim como preservar para um último momento, por exemplo, a inspeção de bens perecíveis, ou, num exemplo macabro que dão, o testemunho, de uma vítima que está morrendo.
O método da pre-trail Discovery compreende o depoimento pessoal tomado de testemunhas (inclusive das partes) através de interrogatórios "escritos", que devem ser respondidos por escrito. Nisto as testemunhas serão ouvidas e "cross-examined"6 pelos advogados de ambas as partes ou responderão oralmente a um interrogatório escrito, perante um funcionário que tomará as respostas por escrito. Adicionalmente pode ser requerido às partes que afirmem ou neguem certas alegações a elas apresentadas pela outra parte na forma de uma "Requisição de Admissão".
Evidência física, documental ou outra, na posse de uma parte ou de um terceiro à lide pode ser "descoberta" através de requisição para a produção de documentos ou outras peças de evidência física e sob a premissa da partes interessadas conduzirem essas investigações.
É requerido às partes que cooperem com as exigências da Discovery e as cortes aplicam um arsenal variado de sanções contra a não cooperação, o qual inclui sentenças de descumprimento ou desobediência e multas, a contento da corte.
Nas palavras, em tradução livre, dos especialistas citados, o enorme custo da "Discovery" representa um instrumento efetivo para se chegar a acordos, mediante uma técnica extorsiva: a perspectiva de terem de gastar centenas de milhares ou mesmo milhões de dólares na defesa de uma causa serve como um forte incentivo para afastar da controvérsia uma das partes, mesmo se esta não acredita que a causa possua grandes méritos para a parte oponente. A "Discovery" é tida como consumindo cerca de 60% do tempo e dinheiro nas demandas legais nos Estados Unidos e (ainda nas palavras dos referidos especialistas), de acordo com uma ampla pesquisa a grande maioria dos litigantes, sejam demandantes ou demandados, dizem que o sistema da "Discovery" é utilizado como uma arma para aumentar os custos da demanda e estender o tempo de julgamento, sendo que metade dos participantes da pesquisa declarou também que serve para os advogados aumentar seus próprios honorários.
Isto nos leva a pensar, em benefício de partes que em seus países se subordinam a princípios da civil Law, devam elas tentar evitar a aplicação da Discovery em seus processos arbitrais.
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1 CARMONA, Carlos Alberto "Arbitragem e Processo" - Editora Atlas, 2ª Edição, pág. 259.
2 "Art. 131 - O Juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento".
3 GRINOVER, Ada Pellegrini, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho - "As nulidades no processo penal" - Editora Revista dos Tribunais, 6ª Edição
4 "FOUCHARD, GAILLARD, GOLDMAN on International Commercial Arbitration", Ed. Kluwer Law International.
5 Assim se chama o Juízo de verificação formal, feito entre nós pelo STJ, que homologa ou não a sentença arbitral, para os fins de que seja executada
6 O Black's Law Dictionary registra que a cross-examination consiste numa audiência ou interrogatório perante um juízo, ou das partes, ou a tomada escrita desse depoimento para ser analisada pela parte oponente, a fim de concluir ou extrair a verdade, ou verificar possíveis inconsistências.
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*Advogado do escritório escritório J. M. Garcez Advogados Associados
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