Recomeços
Não custa nada captar pelo espelho do retrovisor, numa olhadela do ainda há pouco, o restante da poeira.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Atualizado em 11 de novembro de 2009 10:55
Recomeços
Edson Vidigal*
Não custa nada captar pelo espelho do retrovisor, numa olhadela do ainda há pouco, o restante da poeira.
O passado hoje, quando muito, é uma foto em sépia, retrato novo de cobranças antigas e recentes.
Estaríamos menos sobrecarregados agora se com os relógios e as agendas que tivemos à mão tivéssemos sido mais atentos às insistências do calendário.
O tempo não pára. Quem disse isso escrevendo foi Aldous Huxley, grande inspirador de Cazuza e Zé Ramalho, de Admirável Gado Novo.
A estrada é a mesma da viagem interrompida e no recomeço agora temos a favor um pouco mais do que a coragem e a cara.
O conhecimento melhor das coisas é para não se deixar enganar. A experiência enriquecida com o que deu certo e encouraçada com os enganos e as enganações são para a gente nunca mais bancar o besta.
Essa vontade de ser livre, de viver livre, tem tudo a ver com o pé na estrada. É ensaiar-se alguma amarra e a reação é seguir adiante.
Imagine no cenário disso um povo inteiro.
Ninguém é obrigado a se submeter a ordens tendenciosas emitidas para beneficiarem os que se mantém na vilania sob a proteção das leis injustas.
Henry Thoreau, o inspirador de Ghandi, de Martin Luther King e de Nelson Mandela, defende o direito à revolução, ou seja, o direito de se negar lealdade e de se oferecer resistência ao governo sempre que se tornam grandes e insuportáveis a sua tirania e a sua ineficiência.
O anacronismo que reveste a decadência e a crueldade dos nossos dias está como aquela coisa madura do general da banda, coisa madura que não cai, mas futuca por baixo que ele cai...
Maribondos de fogo nem abelhas rainhas em suas selvagerias nos farão arredar da jornada.
No quintal da infância, quando a gente dava conta de que os maribondos depois de se fartarem nas flores das laranjeiras e dos mangueirais ainda se camuflavam entre os galhos em suas quase invisíveis moradas, esperávamos chegarem às noites.
Era só um molambo embebido em óleo queimado fazendo fumaça e fogo na ponta de uma vara enroscando as moradas e pronto - estávamos conversados.
Assim também agora com essas intimidações contra o nosso recomeço.
As armas de destruição em massa da vontade inteira da maioria de um Povo que usaram na manipulação da boa fé de juízes se voltarão contra eles, definitivamente, antes da travessia do próximo arroio na jornada.
Não é possível tornar a pessoa humana menor ainda do que tem sido na sua dignidade, no seu direito de viver livre. Os déspotas se nutrem do ódio enrustido que dissimulam em suas adulações sazonais às certas camadas populares que aprisionam e vitimam.
Assistir a essas mazelas todas e não reagir, é concordar. Ver de perto os grilhões invisíveis acorrentando um povo inteiro à miséria visível e não fazer nada é assumir a cumplicidade.
Saber que essa gente que apanha no tabefe da dependência deles é mantida surda porque só escuta a mentira das rádios e das televisões deles e é mantida cega porque continuam lhe confinando no curral da morte cívica do analfabetismo, é ter que fazer de todo dia e de toda noite um interminável recomeço.
Uma guerra de guerrilha com as metralhadoras do verbo e as emboscadas das ações inteligentes para só terem fim quando a humanidade local, enfim, alcançar a certeza de que o mundo, afinal, está definitivamente livre deles.
Como na Romênia de Ceauscescu, não será preciso tanto.
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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