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A diferença entre o dano moral e o mero aborrecimento

Sem dúvida um dos grandes desafios do direito é estabelecer a distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento. Uma descortesia com o cliente ou um atraso aéreo, por exemplo, causariam abalo moral?

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Atualizado em 26 de outubro de 2009 10:29


A diferença entre o dano moral e o mero aborrecimento

Arthur Rollo*

Sem dúvida um dos grandes desafios do direito é estabelecer a distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento. Uma descortesia com o cliente ou um atraso aéreo, por exemplo, causariam abalo moral?

Não há uma fórmula mágica que responda, de forma segura, a esse tipo de questão. A avaliação inevitavelmente passa pelo exame do caso concreto. E é aí que os problemas começam.

Existe hoje uma forte tendência do Judiciário a rebaixar danos morais evidentes a meros aborrecimentos. A diferença prática entre ambos é que aqueles devem ser indenizados e estes não.

Diante do receio de banalizar o dano moral, juízes vêm considerando problemas sérios do dia a dia como meros aborrecimentos. É certo que quem viaja de avião está sujeito a atrasos aéreos. No entanto, quando esses atrasos são significativos resta frustrada a expectativa do consumidor que, em relação a essa modalidade de transporte, é a rapidez.

Um atraso de três horas para um vôo da ponte aérea São Paulo - Rio de Janeiro é desproporcional e, a nosso ver, ensejaria o dever de indenizar a tormentosa espera, até porque as condições dos nossos aeroportos não permitem que esperas longas sejam agradáveis. Entretanto, a lei estabeleceu que atrasos de até quatro horas devem ser considerados meros aborrecimentos, surgindo o dever de indenizar quando extrapolado esse limite.

Afora essa situação de distinção legal entre o dano moral e o mero aborrecimento, injusta no nosso entender, a avaliação depende do critério do juiz na análise do caso concreto.

O dano moral, há muito deixou de ser considerado apenas como o "abalo psicológico injusto e desproporcional". Ele contrapõe-se ao dano material, que é palpável e pode ser comprovado. A indenização pelo dano moral tem a função dupla de compensar o ofendido pelo constrangimento que passou e de punir o ofensor, desestimulando práticas semelhantes.

Bem por isso que diversas situações constrangedoras do dia a dia podem ensejar a configuração do dano moral e gerar o dever de reparação. Muitos juízes consideravam a devolução indevida de cheques mero aborrecimento. O STJ resolveu a questão por meio da súmula 388, afirmando que esse tipo de situação configura dano moral.

O mesmo aconteceu em relação ao cheque pré-datado. A súmula 370 do STJ afirma que caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.

Essas súmulas vieram para corrigir injustiças que vinham sendo cometidas, porque, infelizmente, alguns julgadores ainda relutam em admitir a caracterização do dano moral e em fixar a indenização correspondente.

Inúmeras outras situações não sumuladas continuam sendo alvo de injustiças. Para exemplificar, fornecedores estão vendendo no mercado sem ter condições de entregar. O desrespeito aos prazos de entrega é corriqueiro e, sem dúvida, esse é um dos fatores levados em conta pelo consumidor no momento da compra. Ele compra esperando ansiosamente a data de entrega e, quando esta não ocorre, tem suas expectativas frustradas.

Esse tipo de situação não configura mero aborrecimento e merece indenização, até com fundamento na teoria do desestímulo, que utiliza a indenização pelo dano moral como forma de punição.

É impossível estabelecer distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento por meio de súmulas ou leis para todas as situações práticas. É preciso que o Judiciário, nas suas diferentes esferas, esteja mais atento às agruras pelas quais passam os consumidores diuturnamente, que configuram dano moral, e estão ainda hoje sendo interpretadas como meros aborrecimentos.

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*Advogado e professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

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