A importância da auditoria jurídica, de sua regulamentação na crise atual e da responsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados
Em 2004 defendi minha dissertação de mestrado sobre a responsabilidade civil do auditor jurídico, ou seja, do advogado que realiza auditoria jurídica.
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Atualizado em 8 de outubro de 2009 11:13
A importância da auditoria jurídica, de sua regulamentação na crise atual e da responsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados
Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme*
I - Introdução
Em 2004 defendi minha dissertação de mestrado sobre a responsabilidade civil do auditor jurídico, ou seja, do advogado que realiza auditoria jurídica. O que seria, primeiramente, a auditoria jurídica? Conforme conceito formulado pelo Dr. Jayme Vita Roso: "este tipo de auditoria é trabalho que pode ser desempenhado unicamente por advogado no regular exercício da profissão mediante contratação prévia e escrita, dentro do comprometimento conferido por lei; destinada a operar a revisão de processo de qualquer natureza ou proceder a avaliação de uma ou plúrimas situações concretas que lhes são apresentadas, no âmbito da advocacia, para emitir, concluído o trabalho, nas duas hipóteses, com observância dos princípios éticos e legais, parecer vinculante."
Naquela época o gosto pelo tema nasceu pelos debates que haviam sobre a falência da Enron e do envolvimento de empresas de auditorias e escritórios de advogados na "quebra" da empresa de energia americana. Os debates levaram à tona a sucessão de fraudes ocorridas nesta e em outras empresas, não só nos Estados Unidos como no mundo, como, por exemplo, a "WorldCom", "MCI" e Parmalat.
A falência da Enron causou a ruptura no pensamento do sistema até então empregado nas empresas de auditoria e nos escritórios de advocacia, que prestam o serviço acima descrito.
Mas não só isso, a globalização da economia transformou o mundo dos negócios e o dia-a-dia dos advogados. As empresas tendem a estender suas atividades a mercados mais amplos, atuando em mercados e realidades não conhecidas com a profundidade necessária.
Não tendo havido resposta pronta e eficaz das autoridades a esta nova realidade, constituindo um instituto jurídico próprio, foi necessário que a sociedade civil reagisse objetivamente, criando mecanismos capazes de conferir maior segurança ao mercado, por isso a criação da auditoria jurídica, que tem por objetivo reduzir os riscos envolvidos nas operações de aquisição, fusão, incorporação, transformação societária, financiamento, joint ventures.
As auditorias jurídicas tem se adequado à realidade, tornaram-se efetivas, ampliadas e pragmáticas. Deixou de existir o simples parecer contábil e as áreas administrativa, operacional, jurídica e financeira também não escapam de uma análise, na busca de possíveis fraudes e erros.
Uma das vantagens do processo de auditoria é não possuir sequer um conceito ou instituto jurídico que estabeleça regras e normas jurídicas próprias, permitindo assim que os procedimentos adotados possam ser adaptados a cada situação.
O conceito de auditoria pressupõe assim uma idéia prévia de controle, verificação, onde o advogado deverá estar preparado para atuar a fim de detectar, inclusive, corrupção na empresa ou em entes públicos.
Por isso, foi proposto à Ordem dos Advogados do Brasil regulamentar tal questão, por parte do Dr. Jayme. Infelizmente a OAB não se posicionou, porém, o Congresso Nacional terá que o fazer, principalmente, a partir desta crise que arrasa a economia e está corroendo o sistema bancário mundial.
O Estado, por meio de lei específica que regulamentará a auditoria jurídica, deverá sair a campo para resguardar a sociedade e empresas sediadas no país de possível vulnerabilidade do sistema de controle, a ineficiência da fiscalização administrativa, a corrupção generalizada de centenas de administradores profissionais, além do conluio de empresas internacionais de auditoria e, ainda, a participação efetiva de advogados no engendramento de fraudes, que atingiram no final a pessoa individual que confiaram seus recursos em ações com boas perspectivas de rendimento, por exemplo.
O momento da auditoria jurídica é este. Deverá ser regulamentada não somente como um novo campo de trabalho para o profissional do direito, mas como forma de resguardar a sociedade como um todo de fraudes e quebras ilícitas de empresas no país.
II - Do contrato entre cliente e auditor jurídico
O contrato entre cliente entre e auditor jurídico é nominado pelo Código Civil - clique aqui (arts. 593 a 609): prestação de serviço.
Pode-se conceituar contrato de prestação de serviço - contrato pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos serviços a uma outra mediante remuneração - e terá sempre como obrigação a de meio. Portanto, na auditoria jurídica a responsabilidade civil será sempre subjetiva, seja pela Lei específica, seja pela natureza da obrigação.
III - Da responsabilidade civil dos advogados numa auditoria jurídica
Em relação ao assunto acima delineado, tema principal do nosso artigo, o advogado-auditor não tem relação de consumo com seu cliente. O entendimento do STJ sobre a matéria em valioso precedente àquele Egrégio Tribunal, ao apreciar o Recurso Especial 5322.377/RJ, reconheceu que: "não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a lei 8.906/94 (clique aqui), seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo". No julgamento referido, o relator, Min. César Asfor Rocha, foi claro ao afirmar que: "ainda que o exercício da nobre profissão de advogado possa importar, eventualmente e em certo aspecto, espécie do gênero prestação de serviço, é ele regido por norma especial, que regula a relação entre cliente e advogado, além de dispor sobre os respectivos honorários, afastando a incidência de norma geral".
O auditor-jurídico responde pela contratação, sempre subjetivamente, ou seja, a responsabilidade pautada pela culpa, tendo em vista estar prevista no Estatuto da OAB (lei 8.906/94) já que pressupõe que ele transgrediu um dever de conduta imposto no contrato de prestação de serviços assinado com seu cliente e extracontratualmente por produzir um dano causado por uma ação ou omissão a outro por haver transgredido o genérico dever de se abster de um comportamento lesivo frente ao público em geral, ou seja, às pessoas terceiras diferentes do contrato assinado entre auditor-jurídico e cliente.
Dentro desta visão, prevê o artigo 32 do Estatuto da Advocacia: "o advogado é responsável por dolo ou culpa no exercício profissional".
Portanto, o advogado responde contratualmente pelos danos causados ao cliente e extracontratualmente pelos danos causados a terceiros que utilizam o mesmo parecer.
Em suma, o auditor-jurídico responde contratualmente já que pressupõe que ele transgrediu um dever de conduta imposto no contrato de prestação de serviços assinado com seu cliente, e extracontratualmente por produzir um dano causado por uma ação ou omissão a outro por haver transgredido o genérico dever de se abster de um comportamento lesivo frente ao público em geral, ou seja, à pessoas terceiras diferentes do contrato assinado entre auditor-jurídico e cliente.
Na hipótese do auditor jurídico trabalhar numa sociedade de advogados, a sociedade se responsabilizará em conjunto com os sócios, conforme veremos abaixo.
IV - Da responsabilidade civil da sociedade de advogados numa auditoria jurídica
A sociedade de advogados, como pessoa jurídica distinta da de seus sócios, age na vida civil, na busca do seu objeto social, como sujeito de direitos e obrigações. Pelas obrigações que assume e por aquelas que derivam do exercício de sua atividade, responde a sociedade como qualquer pessoa, direta e ilimitadamente. Não possuindo patrimônio suficiente para saldar todas as suas obrigações, cai em insolvência e se sujeita ao respectivo processo judicial (artigos 748 e seguintes do CPC - clique aqui), sem prejuízo da responsabilidade subsidiária de seus sócios1.
Nas auditorias jurídicas o contrato para a prestação de serviços advocatícios é estabelecido com a sociedade e responde esta pelo ato de seu sócio e, subsidiariamente, o sócio, lembrando que a responsabilidade civil será subjetiva por força do próprio Estatuto da OAB, não se utilizando, portanto, a regra genérica do Código Civil (artigo 932, III c.c. 933 do CC).
V - Conclusão
O que se extrai das breves considerações acima, mostra que a advocacia é uma profissão importantíssima para a sociedade democrática, onde possui função social e indispensável à administração da justiça.
A auditoria jurídica, por sua vez, deve ser exercida somente por advogados e, já poderia ter chancela da OAB, conforme defendido por nós em sessões já realizadas perante a Federação Internacional dos Advogados e na Associação dos Advogados de São Paulo.
O advogado que desempenhar os serviços de auditoria deverá ser um profissional que tenha uma formação ampla e será responsabilizado contratualmente, no caso de emitir parecer com informações incorretas causando danos e extracontratualmente será responsável por terceiros prejudicados pela relação obrigacional principal, ou seja, do advogado perante seu cliente.
Já a sociedade de advogados, além da responsabilidade da própria associação em relação aos danos que venham a sofrer seus clientes, fruto de ação ou omissão no exercício da auditoria jurídica, são também seus sócios responsáveis, ainda que de forma subsidiária, mas sem limite de comprometimento de seu patrimônio pessoal e, em acréscimo, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer o agente lesionador ou o sócio responsável.
VI - Bibliografia:
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Responsabilidade Civil do Advogado e da Sociedade de Advogados nas Auditorias Jurídicas, São Paulo: Quartier Latin, 2005.
ROSO, Jayme Vita. Auditoria jurídica para a sociedade democrática, São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 2001.
Artigo baseado na palestra: "Responsabilidade Civil do Advogado e da Sociedade de Advogados nas Auditorias Jurídicas", realizado no dia 17.06.2009 na AASP, sob coordenação do Dr. Jayme Vita Roso. Este tema já foi tratado na dissertação de Mestrado defendida perante banca na PUC-SP em 2004.
1 A solidariedade não se presume no direito brasileiro.
*Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos cursos de graduação e pós graduação, e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC (Cogeae). Sócio de escritório Almeida Guilherme Advogados Associados