A reforma do Cade e as agências reguladoras
Como se sabe, o bom funcionamento das instituições de um país e seu consequente e positivo impacto sobre o desenvolvimento econômico é tema presente nas agendas de acadêmicos e formuladores de políticas públicas.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Atualizado às 10:01
Denis Alves Guimarães*
Laércio Farina**
Como se sabe, o bom funcionamento das instituições de um país e seu consequente e positivo impacto sobre o desenvolvimento econômico é tema presente nas agendas de acadêmicos e formuladores de políticas públicas.
Em artigo acadêmico relativamente recente - "The Unseen Elephant: What Blocks Judicial System Improvement?", publicado pela Universidade de Berkeley e de autoria de Robert M. Sherwood, foram apontados três aspectos estreitamente relacionados ao bom funcionamento do Judiciário, à credibilidade das instituições das democracias ocidentais e aos efeitos econômicos derivados dessas questões institucionais. São eles: a qualidade da legislação, a credibilidade das políticas públicas e o apoio prestado pelo Judiciário a outras instituições. Três aspectos de suma importância para a realidade brasileira atual.
No que toca à defesa da concorrência, e aqui falamos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a qualidade da legislação é sem dúvida tópico muito importante, em especial neste momento em que o projeto de lei de reforma dos órgãos antitruste é discutido no Senado. Anote-se que essa discussão por vezes faz com que se retomem debates sobre o polêmico projeto de lei de reforma das agências reguladoras. Tal projeto enfrentou forte resistência por parte de partidos políticos de oposição ao governo federal e diversos segmentos da sociedade civil: dizia-se que o governo pretendia restringir a autonomia das agências reguladoras para tomarem suas decisões de caráter técnico e ampliar as influências políticas sobre essas decisões por meio da expansão das competências dos ministérios. Nesse sentido, vai o marco regulatório do pré-sal proposto pelo governo, que tenta estabelecer um crescimento do papel do próprio governo e da Petrobras e a criação de uma nova estatal, em detrimento da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A questão da credibilidade das políticas públicas, segundo aquele autor, pode ser analisada sob os aspectos de correção e estabilidade. Ambos novamente nos remetem à discussão institucional sobre independência e caráter técnico das decisões tomadas no âmbito dos órgãos de defesa da concorrência e das agências reguladoras, bem como ao meio pelo qual essas decisões são analisadas pelo Judiciário quando eventuais partes descontentes batem à sua porta pleiteando uma revisão.
Correção e estabilidade das políticas públicas dependem, portanto, do sistema de nomeação dos dirigentes desses órgãos (mandatos fixos), mas dependem mais ainda do grau em que o modelo institucional de órgãos independentes é efetivamente respeitado, quer dizer, dependem do real compromisso do chefe do Executivo em indicar nomes que detenham preparo técnico para atuar em determinado setor - ao invés de fazer indicações cujo objetivo único seja atender a pleitos de partidos políticos da base governista -, bem como do empenho dos senadores na defesa de tal modelo no momento em que cumprem seu papel de sabatinar os indicados - o Senado atua como instituição responsável pela redução do risco de politização do Estado.
A partir daí, constata-se que a solidez das instituições depende não só da existência de normas jurídicas que delineiem modelos institucionais com determinadas características, mas também (e talvez principalmente) da existência de uma cultura de preservação institucional. No caso do modelo institucional de órgãos independentes, as normas protegem os órgãos técnicos de influências políticas, mas não chegam a blindá-los dessas influências. Diante das resistências que sofreu, o projeto de lei de reforma das agências enviado pelo governo federal à Câmara dos Deputados em 2004, não foi aprovado, mas desde 2003 o governo vem utilizando diversos meios para enfraquecer as agências reguladoras. Este ano, a Advocacia-Geral da União editou portaria que submete a seu comando a defesa judicial de decisões de agências e do Cade perante os tribunais superiores. Dessa forma, em última análise, a defesa judicial dessas decisões fica sob o comando do chefe do Executivo, pois este nomeia o advogado-geral da União a seu livre critério.
Como contribuição ao aprimoramento institucional do projeto de lei de reforma dos órgãos de defesa da concorrência, o Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC) apresentou diversas sugestões à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, tais como: exclusão da possibilidade de que o presidente do Cade indique um conselheiro interino para atuar em cargo vago antes que o Senado sabatine o novo indicado; necessidade de que o Senado sabatine os indicados aos cargos de procurador-chefe e Eeconomista-chefe do Cade; necessidade de que a fiscalização do cumprimento das decisões do Plenário do Cade seja feita pelo próprio órgão; necessidade de que qualquer decisão tomada pelo órgão responsável pela instrução dos processos possa ser revista pelo plenário do Cade; dentre outras.
Note-se que os três aspectos apontados no artigo acadêmico referido estão estreitamente relacionados: a credibilidade das políticas públicas em algum grau depende da qualidade da legislação, bem como ambas estão também relacionadas com o apoio prestado pelo Judiciário a outras instituições. Por exemplo, ao revisar decisões tomadas pela administração pública, o Judiciário pode tomar uma posição entre apoiar ou não apoiar a credibilidade de entes administrativos como os órgãos de defesa da concorrência e as agências reguladoras. Se além de analisara legalidade das decisões administrativas, o Judiciário se impuser o papel de revisar os aspectos técnicos ou o mérito dessas decisões, muitos dirão que ele estará atuando em conformidade com a Constituição (clique aqui) - com base na vaga disposição de que nenhuma questão pode ser subtraída à avaliação do Poder Judiciário -, mas certamente não estará apoiando instituições, os órgãos do Poder Executivo responsáveis pela implementação de políticas públicas, cujo bom funcionamento é tão importante para a economia quanto o bom funcionamento do próprio Judiciário.
Em tempos em que muito se critica o inchaço do Executivo, muito descrédito se lança sobre o Legislativo e muitas expectativas se depositam sobre o Judiciário, como se este último pudesse ser foro adequado para resolução de todas as demandas econômico-sociais, é importante o debate sobre essas questões que tratam de um relacionamento interinstitucional democrático e economicamente eficiente, justamente para que os problemas enfrentados por nossas instituições não sirvam de pretexto para desacreditá-las, mas sim, ao contrário, para que constituam incentivos para seu eventual aperfeiçoamento e para seu fortalecimento. Em outras palavras, para que as instituições funcionem bem.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico de 17/9/09.
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*Doutor em direito econômico e financeiro pela USP e sócio do escritório L. Farina Advogados
**Pós-graduado em direito civil e processual pela USP e sócio do escritório L. Farina Advogados
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