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O direito eleitoral francês e o uso da internet nas campanhas eleitorais

Olivia Raposo da Silva Telles

Na França, país com cerca de 32,3 milhões de internautas em junho de 2008, o regime jurídico das campanhas eleitorais na internet está ainda em construção. O país não dispõe de uma lei única que discipline toda a matéria, nem há consenso sobre se a elaboração de uma lei assim seria conveniente.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Atualizado às 07:24


O direito eleitoral francês e o uso da internet nas campanhas eleitorais

Olivia Raposo da Silva Telles*

Na França, país com cerca de 32,3 milhões de internautas em junho de 2008, o regime jurídico das campanhas eleitorais na internet está ainda em construção. O país não dispõe de uma lei única que discipline toda a matéria, nem há consenso sobre se a elaboração de uma lei assim seria conveniente. Os candidatos guiam-se por normas gerais, orientações de autoridades administrativas e construções jurisprudenciais.

A disciplina das eleições na França, em aspectos como o financiamento de campanhas, a propaganda eleitoral e os modos de escrutínio, difere da brasileira em pontos cardeais, que convém explicitar desde logo. Em primeiro lugar, as contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais são totalmente vedadas, qualquer que seja a fonte e o valor; as doações em dinheiro de pessoas físicas para partidos e candidatos são permitidas, mas a lei prevê um teto igual para todos os doadores (cada pessoa física pode doar 4.600 euros por eleição para os candidatos e 7.500 euros por ano para os partidos), não guardando relação com os rendimentos de cada doador, como acontece no Brasil; o financiamento público reveste-se de grande importância, porque o financiamento militante é extremamente modesto, ao contrário do que ocorre nos EUA.

Em segundo lugar, a propaganda paga na imprensa escrita é totalmente vedada nos 3 meses que antecedem o primeiro dia do mês da eleição até a data do turno em que ela for decidida, ressalvados os anúncios pagos destinados unicamente a pedir doações; quanto ao rádio e à TV, há horário eleitoral gratuito nas redes públicas, e a propaganda paga é vedada em todos os canais em qualquer tempo ou época. Em terceiro lugar, o sistema eleitoral para eleição dos deputados é o sistema majoritário uninominal, denominado entre nós "sistema distrital", em que o país é dividido em tantas circunscrições (distritos) quantos são os deputados a eleger, e cada uma elege um deputado, o que reduz muito o custo da campanha para as eleições legislativas. A eleição para o Senado é indireta.

Dito isso, vejamos os principais tópicos relativos às campanhas na internet.

Para começar, a questão da propaganda paga. Não há disposição expressa de lei que se aplique a essa matéria. A jurisprudência tem feito aplicação analógica do art. L 52-1 do Código Eleitoral, segundo o qual "durante os três meses anteriores ao primeiro dia do mês da eleição até a data do turno em que ela for decidida, a utilização com fins de propaganda eleitoral de todo procedimento de publicidade comercial por meio da imprensa ou por qualquer meio de comunicação audiovisual é proibida"1.

Recentemente, o Conselho de Estado julgou em grau de recurso a seguinte questão: um candidato, cabeça de lista na eleição para o Conselho Municipal no pequeno município de Fuveau, inseriu um anúncio pago no Google, anúncio esse que aparecia no alto da página à direita toda vez que alguém fizesse uma busca com a palavra-chave "Fuveau", mesmo que a pesquisa não tivesse relação com a eleição municipal. Em decisão de 13 de fevereiro de 2009, o Conselho de Estado anulou as operações eleitorais ocorridas em 9 de março de 2008 no município, considerando que se tratava de uma forma de propaganda eleitoral por meio de comunicação audiovisual, proibida por aquele artigo do Código Eleitoral.

Como dito, os anúncios pagos na imprensa escrita destinados única e exclusivamente (sem nenhuma outra menção) a pedir doações de pessoas físicas para a campanha são permitidos, mesmo nos 3 meses que antecedem o 1º dia do mês da eleição até a data em que ela for decidida. A questão é: é lícito publicar anúncios pagos com a mesma finalidade na internet? A lei é omissa sobre essa questão e o Poder Judiciário ainda não se manifestou. Todavia, o entendimento predominante, com base no espírito da lei, é o de que o artigo do Código Eleitoral (art. L 52-8) que excepciona a regra geral proibitiva deve ser interpretado à luz da evolução dos meios de comunicação. Assim, seria lícito incluir a imprensa on-line no campo de aplicação dessa exceção, sendo permitidos os anúncios pagos, destinados unicamente a pedir doações, nos jornais on-line.

O site do próprio candidato na internet não é considerado pela jurisprudência como um "procedimento de publicidade comercial" para os fins do art. L 52-1. Há julgados no sentido de que esses sites são um meio de propaganda que os eleitores escolhem livremente acessar ou não. Por essa razão, estão excluídos do campo de aplicação da proibição. No entanto, há algumas regras que lhes são aplicáveis. Quanto ao conteúdo do site, a regra geral é a liberdade da comunicação ao público pela via eletrônica. Todavia, há alguns limites: direitos autorais, inviolabilidade da honra e da vida privada, vedação de qualquer forma de discriminação, etc.

Quanto às regras sobre finaciamento eleitoral:

a) se a hospedagem do site for gratuita, o candidato deve assegurar-se de que a gratuidade é oferecida a todos os que recorrem a esse serviço, sob pena de estar recebendo uma contribuição de pessoa jurídica, o que é vedado pelo Código Eleitoral;

b) é estritamente vedado aos candidatos financiar a criação e a hospedagem de seu site com a venda de espaço para publicidade comercial; a jurisprudência e a Comissão Nacional das Contas de Campanha e dos Financiamentos Políticos - CNCCFP consideram que seria uma forma de financiamento de campanha por pessoa jurídica, proibida pelo Código Eleitoral;

c) as despesas com a criação e a manutenção de um site na internet pelo candidato e/ou partido político devem ser lançadas na prestação de contas da campanha.

Além disso, se o site do candidato coletar informações a respeito de seus visitantes, o candidato deve fazer uma declaração formal de que está em conformidade com a Lei "informática e liberdades" (Lei 78-17, de 6 de janeiro de 1978, modificada em 2004). O art. 8 garante uma proteção específica do tratamento dos dados relativos às opiniões políticas das pessoas.

Ressalvadas as restrições ao conteúdo impostas pela lei civil e penal, a lei eleitoral na França não impõe qualquer restrição ao conteúdo dos blogs, relativamente à manifestação do pensamento, opinião, etc. Juridicamente, os blogs são considerados sites, porém a interatividade apresenta a questão de saber de quem é a responsabilidade pelos comentários postados, se do titular do site (editor) ou do autor do comentário. Em princípio, considera-se que o editor do site é responsável por todo o seu conteúdo, seja ele o autor dos textos ou não. Assim, no caso de blogs de candidatos, a recomendação é de que exerçam uma moderação a priori sobre os comentários postados pelos leitores, para afastar o risco de responsabilização civil ou penal. Como é evidente, o mesmo vale para todo e qualquer blog. Há um aspecto dos blogs relativo ao financiamento eleitoral: no caso de blogs de simpatizantes, se o candidato os integrar em sua estratégia eleitoral, pode vir a ter que declarar as despesas respectivas em suas contas de campanha.

Quanto às campanhas de e-mailing político, a Comissão Nacional da Informática e das Liberdades - CNI) recomenda estender a elas as regras contidas na Lei para a Confiança na Economia Numérica (LCEN, Lei 2004-575, de 21 de junho de 2004) relativas às campanhas de prospecção comercial. No momento da coleta dos dados, as pessoas devem ser advertidas da possível utilização de seus dados para fins de prospecção política; as pessoas devem poder se opor à transmissão de seus dados a terceiros; e a prospecção política por e-mail só deve alcançar as pessoas que consentiram. A mensagem deve declarar a origem do cadastro do eleitor; deve possibilitar ao eleitor se opor ao recebimento de tais mensagens; deve informar que o partido ou o candidato não dispõe do endereço utilizado, mas recorreu a um prestador terceirizado (isso porque a Comissão estima que o partido ou o candidato não pode tratar ele mesmo do cadastro com os dados pessoais das pessoas que não querem mais ser contactadas; um tal cadastro poderia revelar, direta ou indiretamente, as opiniões políticas das pessoas cadastradas). Por fim, a Comissão preconiza aos partidos e candidatos que não utilizem meios de prospecção particularmente intrusivos.

O art. 6-IV da LCEN prevê direito de resposta para toda pessoa citada em um site. No prazo de 3 meses da data da publicação da mensagem ofensiva, o candidato pode requerer diretamente ao editor do site que publique uma resposta, nos termos do Decreto 2007-1527, de 24 de outubro de 2007, o que deve ocorrer no prazo de três dias. O tamanho da resposta é limitado ao tamanho do artigo que a provocou; a resposta deve ser inserida nas mesmas condições da ofensa, de modo a assegurar uma audiência equivalente; em caso de recusa, o candidato pode entrar em juízo.

O art. L 49 do Código Eleitoral, com redação dada pela Lei 2004-575, de 21 de junho de 2004, determina que "a partir da véspera do escrutínio a zero hora, é proibido difundir ou fazer difundir por qualquer meio de comunicação ao público pela via eletrônica qualquer mensagem com natureza de propaganda eleitoral". Os juízes têm interpretado essa disposição, que com a redação de 2004 passou a abranger expressamente a comunicação pela internet, no sentido de que não é necessário fechar o site do candidato na véspera da eleição, basta não fazer nenhuma modificação. A proibição aplica-se não apenas aos sites mas também ao envio de e-mails.

Além disso, na véspera e no dia da eleição a lei proíbe, por qualquer meio que seja, inclusive internet, a publicação, a difusão e o comentário de resultados de pesquisas de opinião (Lei 77-808, de 19 de julho de 1977, com redação dada pela Lei 2002-214, de 19 de julho de 2002).

A lei francesa autoriza aos candidatos o recebimento de doações por meio da internet, isto é, por cartão de crédito. O art. L 52-8 do Código Eleitoral foi modificado em 2005 pela Lei 2005-1719, que incluiu, além do cheque, as transferências eletrônicas e o pagamento por cartão. Os doadores devem ser devidamente identificados: o candidato deve apresentar um formulário no qual o doador deve informar, no mínimo, seu nome completo e seu endereço. O candidato deve se assegurar de que o doador é uma pessoa física. Antes de consumar a doação, o doador on-line deve fazer uma declaração solene de que é uma pessoa física, e de que a soma doada provém de sua conta pessoal.

Além dos pontos mencionados, há ainda outros aspectos da comunicação eleitoral pela internet, como os sites de relacionamento (Orkut, Facebook) e de compartilhamento (Youtube) que não foram objeto de regras específicas na França, e que em princípio se submetem às regras gerais do direito eleitoral, mas que como toda essa matéria ainda estão na origem de muitas dúvidas e incertezas.

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1 Esse art. L 52-1 foi inserido no Código Eleitoral pela Lei nº 90-55, de 15 de janeiro de 1990; acontece que essa mesma Lei nº 90-55, além de alterar o Código Eleitoral, alterou também a lei relativa à liberdade de comunicação (Lei nº 86-1067, de 30 de setembro de 1986, chamada "Loi Léotard") e proibiu totalmente, em qualquer tempo ou época, a propaganda política paga no rádio e na televisão. Sendo assim, a disposição referida do Código Eleitoral, que proíbe a propaganda paga nos 3 meses anteriores ao 1º dia do mês da eleição, refere-se principalmente à imprensa escrita, porque nos meios de comunicação audiovisual a proibição não se limita a esse prazo - ela é permanente.

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*Doutora pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), e autora do livro "Direito eleitoral comparado - Brasil, Estados Unidos, França" (Ed. Saraiva), escrito sob os auspícios do IDPE - Instituto de Direito Político e Eleitoral. Advogado do escritório Silva Telles Advogados - Dras. Maria Eugenia e Olivia Raposo da Silva Telles

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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