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A representação no novo Código Civil

O legislador do novo código deveria ter sido mais claro, embora se reporte, no artigo 721, à aplicação de legislação especial, a qual, no caso, a principal delas protege e regula o representante comercial (Lei nº 4.886/65). A harmonização dessa nova lei com os novos dispositivos é complexa.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2003

Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49

 

A representação no novo Código Civil

Sílvio de Salvo Venosa*

O novo Código Civil introduz no mesmo capítulo, os dispositivos sobre os contratos de agência e distribuição. Nesses contratos há inúmeros pontos de contato com a representação comercial. A nova posição legal mais serve para baralhar a questão, pois o contrato de representação comercial costuma ser identificado pela doutrina e pela jurisprudência com o de agência e distribuição. O legislador do novo código deveria ter sido mais claro, embora se reporte, no artigo 721, à aplicação de legislação especial, a qual, no caso, a principal delas protege e regula o representante comercial (Lei nº 4.886/65). A harmonização dessa nova lei com os novos dispositivos é complexa. Assim, o novo código dispõe no artigo 710:

"Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos."

Portanto, conforme a nova lei, a disponibilidade da coisa em mãos do sujeito caracteriza a diferença entre a agência e a distribuição. Pela lei, se a pessoa tem a coisa que comercializa consigo será distribuidor; caso contrário, será agente. No mais, procura a lei unificar os direitos de ambos e, conseqüentemente, aplicam-se ao representante comercial, no que couber. A primeira conclusão inafastável é no sentido da aplicação da lei do representante comercial sempre que este for devidamente registrado, nos termos do artigo 5º da Lei nº 4.886/65, e realiza negócios em razão dessa profissão habitual. Pouco importa que pratique ele negócios de agência ou de representação segundo o novo código. Tratando-se de profissão regulamentada, estando o sujeito inscrito nos Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, subordinados estes ao Conselho Federal, aplica-se essa lei, que lhe é protetiva e cria, na verdade, um microssistema jurídico. Subsidiariamente poderá ser aplicado o novo código.

Há que se levar em conta, contudo, que essa lei atribui os direitos básicos do representante, que doravante devem ser harmonizados com os dispositivos do novo Código Civil. Assim, naquilo que o contrato e a lei protetiva forem omissos, preponderarão as disposições do novo código. Leve-se em conta que os dispositivos contratuais do código são de direito dispositivo. Quanto ao representante comercial, não há de se ter preocupação se sua atividade é de agência ou representação de acordo com o novo código, porque, conforme os princípios da lei específica, para o representante é irrelevante ter ou não a posse dos bens comercializados.

Questão maior vai se colocar quando o agente e o distribuidor em sentido amplo, sem a compreensão de representante, pretenderem os mesmos direitos expostos na Lei nº 4.886/65. Não há que se entender que somente os representantes comerciais devidamente inscritos em sua corporação de ofício tenham direito à aplicação da lei específica. Eventual transgressão administrativa é irrelevante para a definição dos direitos e a respectiva natureza jurídica dos contratos. Desempenhando a função de representante, o sujeito fará jus aos benefícios da lei respectiva, segundo remansosa jurisprudência, que se lastreia em princípios constitucionais sobre a liberdade do trabalho. Caberá à jurisprudência definir, pois, se adotada a caracterização de representante para a relação jurídica, fará jus o sujeito aos direitos respectivos conforme os artigos 31 e seguintes da lei específica. Essa tendência, que já vinha sendo adotada, deverá persistir. Nada impede, contudo, que as próprias partes indiquem no contrato

como aplicável essa lei do representante comercial autônomo. O que será ineficaz, sob o prisma de direito cogente, é afastar-se contratualmente sua aplicação.

Nessa introdução à nova problemática é importante estabelecer que os contratos de agência e distribuição podem, em princípio, ser firmados com qualquer pessoa e a esta situação se dirigem os dispositivos do novo Código Civil, os quais se aplicam, também, aos representantes comerciais oficiais, no que não conflitar com seu estatuto específico, o qual garante direitos básicos a esses profissionais. A situação não fica clara, mormente quando as partes não definem claramente suas obrigações, como já não estava clara no sistema anterior e qualquer das soluções apresenta dificuldades. De qualquer modo, em princípio, se o sujeito adquire os bens do produtor ou fornecedor e os revende, atendendo a cláusulas de exclusividade e de área geográfica, sua situação será de distribuidor, excluindo-se a possibilidade de ser considerado representante. As gradações entre um extremo e outro deverão ser definidas no caso concreto.

Sempre que se examina a comercialização de produtos ou serviços por terceiros, existirão sempre duas partes, pois o fornecedor de produtos e serviços sempre atribuirá a outrem essa função. Nesse sentido, alude-se à distribuição como referência genérica a vários fenômenos. Como regra geral, a empresa concentra sua atividade principalmente na produção, atribuindo a intermediários a atividade de promover e vender. Nesse sentido, a própria legislação comercial, consagrada pelo nosso velho Código Comercial, disciplinava os auxiliares de comércio, os corretores, os comissionistas e os agentes de comércio. O novo universo da empresa cria novas formas de comercialização, com a intervenção de terceiros, como a franquia, a concessão, a representação.

Sob essa égide, a palavra "distribuição" é equívoca, absorvendo vários significados, técnicos ou não. No conceito há um sentido amplo, de caráter geral, que inclui todas as formas que uma empresa se utiliza para colocar bens e serviços no mercado, diretamente, ou por meio de terceiros, mandatários, agentes, representantes etc. Por outro lado, há um conceito restrito, que é aquele doravante presente no Código Civil, que diz respeito à relação jurídica que vincula o produtor e o sujeito que coloca seus produtos no mercado, referindo-se aí expressamente ao contrato de distribuição. Como já de início apontamos, há confusão terminológica entre os contratos de representação mercantil, agência e distribuição, que não foi aclarada pelo legislador.

Desse modo, surge assim uma nova família de contratos, para desenvolvimento de uma antiga função econômica, qual seja, a de colocar no mercado os bens ou serviços de uma empresa produtora, quando ela não o faz por si mesma. Esses contratos possuem características comuns, o que contribui, por vezes, para a confusão terminológica. Assim, pressupõem a existência de empresas e sujeitos independentes que desempenham atividade em favor dela; há possibilidade de que a empresa celebre muitos contratos da mesma natureza, com várias pessoas, naturais ou jurídicas. Nesses contratos há um forte aspecto de colaboração entre as partes e a possibilidade de exclusividade dentro de determinada área geográfica. São contratos, por natureza, de duração, com prazo mais ou menos longo. O distribuidor, agente ou representante deve se submeter a uma séria de diretrizes impostas pelo produtor em prol do bom andamento do negócio. A regra de exclusividade é importante nesses contratos, embora possa não se fazer presente. Caberá às partes mantê-la ou não.

Por seu lado, o distribuidor ou qualquer nome ou natureza jurídica que se lhe dê, não importando qual a modalidade de contrato que lhe permite comercializar bens de terceiros (distribuição, representação, agência, franquia), obtém uma posição vantajosa no mercado, pois, em princípio, terá exclusividade sobre determinada região ou goza de benefícios e vantagens para adquirir bens da empresa produtora. Geralmente, o nome do produtor já outorga aos intermediários um patamar de ganhos superior. Sob esse prisma, a moderna empresa cria uma rede de distribuição, nem sempre juridicamente homogênea, cuja finalidade é cobrir uma cidade, uma região, um Estado ou Província, um país ou o exterior. Essa distribuição mais ou menos ampla seria muito custosa e difícil para que o produtor a encetasse com recursos próprios, além de esbarrar em leis de proteção econômica, que proíbem a cartelização ou o truste. Inúmeros outros aspectos devem ser estudados em função desses novos contratos que ora se tipificam no novo Código Civil.

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* Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil - sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados - Autor de obra completa de Direito Civil em seis volumes

 

 

 

 

 

 

 

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