O sindicato de trabalhadores na recuperação judicial da empresa
A egrégia 4ª Câmara Cível do TJ/RJ, ao julgar o Agravo de Instrumento 2005.002.22516, decidiu, pela unanimidade dos seus ilustres integrantes, que há "flagrante incompatibilidade entre a regra do art. 37, § 5º, da nova lei 11.101/05 (LFRE) e o dispositivo constitucional do art. 8º, III, visto que restringe a atuação do sindicato, fazendo-o representante apenas dos trabalhadores associados, quando a Carta Magna dá-lhe poderes para representar toda categoria, o que deve prevalecer".
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Atualizado em 28 de julho de 2009 10:26
O sindicato de trabalhadores na recuperação judicial da empresa
Jorge Lobo*
A egrégia 4ª Câmara Cível do TJ/RJ, ao julgar o Agravo de Instrumento 2005.002.22516 (clique aqui), decidiu, pela unanimidade dos seus ilustres integrantes, que há "flagrante incompatibilidade entre a regra do art. 37, § 5º, da nova lei 11.101/05 (LFRE) e o dispositivo constitucional do art. 8º, III (clique aqui), visto que restringe a atuação do sindicato, fazendo-o representante apenas dos trabalhadores associados, quando a Carta Magna dá-lhe poderes para representar toda categoria, o que deve prevalecer".
Para entender a controvérsia, é mister conhecer ambos os dispositivos e, para dirimi-la, é indispensável dominar a doutrina que trata da classificação das normas constitucionais em razão da sua eficácia.
Quanto à eficácia, as normas constitucionais classificam-se em normas de eficácia:
(i) plena,
(ii) contida ou relativa restringível e
(iii) limitada; neste caso, interessa-nos apenas as de eficácia contida, que são aquelas que podem ter a sua eficácia reduzida nos casos e na forma que a lei ordinária estabelecer.
Quanto aos citados dispositivos, ei-los:
Art. 37, § 5º, da LFRE: "Os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus associados titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho que não comparecerem, pessoalmente ou por procurador, à assembleia".
Art. 8º, III, da CF/88: "Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas".
Isto posto, indaga-se: são, de fato, incompatíveis os arts. 37, § 5º, da LFRE e o art. 8º, III, da CF/88, ou, por ser o art. 8º, III, da CF/88 norma jurídica de eficácia contida, o legislador ordinário poderia limitar o seu campo de aplicação através do art. 37, § 5º, da LFRE?
A simples interpretação literal do art. 37, § 5º, da LFRE deixa evidenciado que a representação dos trabalhadores pelos sindicatos de suas respectivas categorias nas ações de recuperação judicial se limita a seus associados e, ademais, somente se verificará em relação àqueles que não comparecerem pessoalmente ou por procurador à assembléia geral de credores, o que está em conformidade:
(a) com o princípio da autonomia privada e de associação, positivados nos arts. 5º, XX, e 8º, V, da CF/88, e
(b) com a norma constitucional de eficácia contida do art. 8o, III, da CF/88, que pode sofrer limitações por lei ordinária.
Chegar-se-á a igual conclusão através da escorreita interpretação sistemática e finalista daqueles dispositivos, eis que a LFRE, no art. 37, § 5º, apenas e tão somente visou definir o âmbito de aplicação do direito social de defesa, explicitado na norma constitucional de eficácia contida do art. 8º, III, da CF/88, nos casos especialíssimos de empresas em estado de crise econômico-financeira em regime de recuperação judicial.
Foi, por certo, o que quis, expressamente, o legislador da LFRE, como se verifica da Emenda 64 - PLEN ao Substitutivo ao PLC 71/03, da lavra do eminente Senador Aloysio Mercadante, ao fazer constar, na Exposição de Motivos, por três vezes, a palavra associados, verbis: "A fim de facilitar e estimular a participação dos trabalhadores nas assembléias gerais de credores, a lei de falências deve atender à reivindicação das centrais sindicais ouvidas nas audiências públicas, prevendo expressamente a possibilidade de representação pelos sindicatos de seus associados", "(...) o sistema proposto prevê que os sindicatos representarão somente os associados ausentes à assembléia geral de credores, ou seja, basta que o trabalhador compareça a assembléia, ou nomeie procurador que compareça em seu nome, para que vote por si mesmo, sem representação do sindicato", "(...) que os sindicatos deverão apresentar a relação de seus associados que pretendem representar" (grifos nossos).
Por isso, admitir que o sindicato de trabalhadores representa toda a categoria nas assembleias gerais de credores, podendo contrair obrigações, reconhecer e renunciar a direitos e transigir em nome de pessoas que decidiram, livre e espontânea vontade, a ele não se associar,
(a) não é descobrir o verdadeiro espírito do art. 37, § 5o, da LFRE c/c o art. 8º, III, da CF/88, mas negar-lhes vigência;
(b) não é privilegiar o sentido que melhor se adapta à ordem constitucional, mas encontrar o sentido que as regras não possuem;
(c) é negar o princípio da autonomia da vontade;
(d) é proclamar a inconstitucionalidade do art. 37, § 5º, da LFRE;
(e) é tornar "letra morta" norma infraconstitucional, concebida e elaborada no Congresso Nacional por um Senador da República que conhece como poucos o "movimento sindical brasileiro" e sabia o que estava fazendo, ao escrever, numa Exposição de Motivos de poucas linhas, a palavra "associados" três seguidas vezes e reproduzi-la no art. 37, § 5º, da LFRE, para deixar patente que, na ação de recuperação judicial, os sindicatos só representam aqueles que a eles forem filiados;
(f) é, enfim, interpretar o art. 37, § 5º, da LFRE de forma absolutamente incompatível com o art. 8º, III, da CF, eis que as normas de eficácia contida ou relativa restringível - como a do art. 8º, III, da CF/88 - podem ter a sua eficácia reduzida na forma e para os fins e efeitos que a lei ordinária estabelecer.
Concluo, portanto, que, se, no caso de normas com várias significações possíveis, o juiz deve encontrar a significação que apresente conformidade com a CF/88, a norma do art. 37, § 5º, da LFRE se adequa e é perfeitamente compatível com a do art. 8º, III, da CF/88, apenas lhe reduzindo o campo de aplicação, por força da especificidade e relevância da matéria, que está longe de ser a simples e rotineira defesa de certa categoria numa convenção coletiva de trabalho ou em uma ação coletiva como substituto processual, mas a participação no intrincado e complexo processo de recuperação judicial de empresas em estado de crise econômico-financeira.
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