Instabilidade tributária
Recente estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT, divulgado em 17 de junho do ano corrente, apresenta os números da carga tributária brasileira para o primeiro trimestre de 2009.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Atualizado em 16 de julho de 2009 10:59
Instabilidade tributária
Wilfrido Augusto Marques*
Recente estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT, divulgado em 17 de junho do ano corrente, apresenta os números da carga tributária brasileira para o primeiro trimestre de 2009.
Segundo o Estudo divulgado1, a carga tributária no 1º trimestre de 2009 atingiu 35,45% do PIB, com uma queda de 0,5 ponto percentual em relação ao 1º trimestre de 2008 (No 1º trimestre de 2008 a carga tributária atingiu 35,95% do PIB). A queda, contudo, deve ser avaliada com temperança, especialmente porque na verdade houve um crescimento nominal de R$ 4,00 bilhões na arrecadação total. O total arrecadado no primeiro trimestre de 2009 foi de R$ 263,22 bilhões, contra R$ 259,22 bilhões do primeiro trimestre de 2008.
Em um momento de crise mundial, com quedas emblemáticas de grandes corporações e dos indicadores econômicos de diversos países, é surpreendente que a arrecadação continue batendo recordes no Brasil. Especialmente porque o PIB teve queda representativa, cerca de 1,8% em relação ao primeiro trimestre de 2008, segundo estudo do IBGE divulgado em 9 de junho2.
Os números negativos impressionam. A queda na indústria de transformação foi de cerca de 12,6%, a maior queda da série (desde 1996) nessa base de comparação. Também houve retração de 9,8% no valor adicionado da construção civil, seguida por eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana (-4,2%) e extrativa mineral (-1,1%). As exportações de bens e serviços caíram 15,2% em relação ao primeiro trimestre de 2008 e as importações de bens e serviços também apresentaram redução, da ordem de 16%, o primeiro declínio desde o terceiro trimestre de 20033.
Nesse cenário, de crise enraizada também no Brasil - conquanto o Governo Federal não o admita, como que abatido pela epidemia do filme "Ensaio sobre a Cegueira" -, o aumento na arrecadação, ainda que apenas nominal, revela um problema grave. Alta arrecadação num cenário econômico devastador como o presente, é certamente vangloriar os interesses corporativos do Estado em prejuízos aos interesses públicos.
Se o Estado não realiza seu papel, o momento exige da sociedade um comportamento mais efusivo, entusiástico e exigente de que as políticas públicas realmente se voltem para o interesse público. De que o sistema tributário e fiscal respeite os direitos mínimos do cidadão. Porque o que se vê, ao revés, é o desmonte instalado e propagado desse sistema.
Com pequenas e sucessivas ações, o Estado vai, aos poucos, tornando o sistema tributário nacional cada vez mais ineficiente, mais acobertado pelo manto do sigilo e da complexidade normativa, para manter-se fora do foco do controle social.
Exemplificando, ao fim do ano de 2008, a sociedade foi tomada de assombro pela edição da MP 449/08 (clique aqui), que entre outras modificações, trouxe sérias e importantes mudanças no órgão administrativo incumbido de julgar a legalidade dos lançamentos tributários lavrados em desfavor dos contribuintes.
Na verdade, o antigo Conselho de Contribuintes, criado em 1924, vem sofrendo desde há muito ataques constantes. Via-se aqui e acolá várias tentativas de desarranjar o órgão, cuja qualidade das decisões administrativas foi várias vezes bradada pelo Poder Judiciário, inclusive pelos Tribunais Superiores. Mas tudo foi concretizado de uma só vez, na MP 449, publicada já no apagar das luzes do ano de 2008.
O antigo Conselho de Contribuintes, de repente teve seu nome alterado (para Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), sua estrutura modificada, de tal sorte que antes mesmo de que a Medida Provisória fosse convertida em lei (lei 11.941, publicada em maio de 2009 - clique aqui), o órgão já tomasse aquela outra estrutura, sequer debatida pelo Poder incumbido da defesa dos interesses públicos, o Congresso Nacional.
Medida de um só, de interesse do Estado, sem qualquer debate público e transparente, desnudando a quebra do pacto entre a sociedade e o Estado, o arrepio ao direito mais comezinho na democracia, qual seja, a transparência pública e o controle social.
O colorido dessa medida no quadro do sistema tributário é inesquecível! Provocou a paralisia do órgão desde aquela data. Os julgamentos, quando formalizados, o foram com maioria de Conselheiros convocados de outras Turmas ou com suplentes. O acesso ao andamento dos processos foi e continua obstaculizado, pela ineficiência completa do órgão. Mais recentemente, foi publicada a Portaria 58 do CARF que (pasmem!) tem sido usada para obstaculizar a entrada de advogados às dependências do órgão, em frontal e inconteste violação ao artigo 7º, inciso VI, alínea "c" da lei 8.906/94 (Estatuto da OAB - clique aqui).
Enfim, instalou-se o caos! Caos preparado, orquestrado, pensado e que evoluiu lentamente, em mais uma tentativa do Estado-Grande Irmão de corromper o interesse público, beneficiando o interesse corporativo, com o que a sociedade não pode pactuar.
E o Código de Defesa dos Contribuintes? Tramita no Senado Federal desde 1999 o PL 646, de autoria do Senador Jorge Bornhausen, que dispõe sobre os direitos e as garantias do contribuinte. O Código de Defesa dos Contribuintes é um clamor antigo da sociedade. Com ele, contribuintes e Fazenda Pública teriam claramente definidos seus direitos e obrigações. É um instrumento necessário na modernização da relação contribuinte-fisco, moldada atualmente em um sistema arcaico, onde o contribuinte é visto como subordinado, em uma relação coercitiva não mais admitida.
Já é passada a hora de enfrentar esse problema. A relação entre contribuinte e Fisco tem que ser modernizada, tal qual está sendo modernizada a relação cidadão-Poder Judiciário. O contribuinte tem que confiar no Fisco. Confiar na justiça fiscal-tributária, para que a relação seja eficiente. Para tanto, ele tem que conhecer seus direitos e suas obrigações. Tem que ter acesso aos números sobre o trabalho realizado pelo Fisco, aos números sobre os órgãos de julgamento administrativo, enfim, acesso as estatísticas como um todo. Enfim, quanto mais aberta for a relação, mais ela será eficiente e confiável.
Os momentos de crise, como já dizia John F. Kennedy, são momentos de oportunidade. Essa é a oportunidade para o Brasil mudar os rumos do sistema tributário. Cabe à população, por seus órgãos de representação, sair do berço esplêndido. Levantar, sacudir a poeira, e dar a volta por cima.
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1 2009 - Carga Tributária Primeiro Trimestre. Estudo divulgado em 17 de junho de 2009. Elaborado por Gilberto Luiz do Amaral, João Eloi Olenike, Letícia Mary Fernandes do Amaral e Fernando Steinbruch.
2 Comunicação Social do IBGE de 9 de junho de 2009. "Contas Nacionais Trimestrais - Indicadores de Volumes e Valores Correntes".
3 Comunicação Social do IBGE de 9 de junho de 2009. "Contas Nacionais Trimestrais - Indicadores de Volumes e Valores Correntes".
*Advogado em Brasília desde 1974, ex-membro da Câmara Superior de Recursos Fiscais dos Conselhos de Contribuintes
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