Contraponto
É de nota o artigo encampado pelo dr. Ricardo Silva, publicado dia 15 de junho de 2009, no respeitoso periódico que ora recebe este pequeno e sucinto contraponto ao tema ilustrado pelo referido articulista.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Atualizado em 26 de junho de 2009 10:39
Contraponto
João Paulo de Campos Echeverria*
Kildare Araújo Meira*
É de nota o artigo encampado pelo dr. Ricardo Silva, publicado dia 15 de junho de 2009, no respeitoso periódico que ora recebe este pequeno e sucinto contraponto ao tema ilustrado pelo referido articulista (Migalhas 2.161 - 15/6/09 - clique aqui).
O tema abordado, com conhecimento de causa, refere-se à necessidade da formação de entidades autônomas e paralelas às organizações religiosas para que estas possam ser reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social e receber as benesses da lei, entre elas à percepção de recursos públicos para o fomento de suas atividades assistencialistas (subvenções sociais). Segundo consta do artigo, tal exigência seria não só ilegal, na forma da redação atualizada do art. 44, inciso IV, do CC (clique aqui), como propriamente inconstitucional, haja vista à disposição constituinte ressaltar tanto a liberdade de credo, em sua ampla acepção e interpretação, quanto à liberdade de associação.
Ao que se percebe do texto, a perspectiva adotada caminha no sentido de que as organizações religiosas não poderiam receber recursos públicos ou incentivos públicos de qualquer natureza por não serem qualificadas como instituições beneficentes de assistência social.
Pois bem, sobre o tema devem ser feitas algumas reflexões, já que a premissa da qualificação como entidade beneficente de assistência social se insere em medidas que avançam sobre outros temas, notadamente de ordem tributária.
Primeiramente, quanto à qualificação das organizações religiosas, há que se compreender que embora exerçam atividades voltadas à assistência, assim não podem ser qualificadas, e sobre o tema já se debruçou o próprio Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS - Autos 44006.000664/2000-31 - já que a finalidade em tal prestação assistencial, em geral, é eminentemente proselitista, ou seja, o fim não está na assistência, mas propriamente na propagação da fé, seja qual for o credo.
Aqui, apenas um parêntese. Já que se esta tratando de qualificação, há que se observar, tal como fez o articulista, que as organizações religiosas prescindem de formação estatutária ou qualquer outra formalidade para existir e, portanto, a regra da finalidade institucional voltada à assistência exigida pela lei para que qualifique a instituição como beneficente de assistência social não deve ser considerada para efeito de exclusão do sistema, ou seja, tal condição, em tese, não as desqualificaria como assistencial, ao menos não por conta do requisito estatutário. Entretanto, também não é por isso que a regra ilustrada pelo CNAS esteja equivocada, pois o fato de haver sido cumprido, hipoteticamente, o requisito estatutário não quer dizer que as organizações religiosas não sejam proselitistas, pois assim o são por sua própria natureza.
Contudo, inobstante às questões de ordem tributária, há que se fazer o registro de que, mesmo sem tal qualificação, essas organizações religiosas podem receber recursos públicos e participar de programas Governamentais de incentivo à assistência em projetos e atividades especiais. Ou seja, assim como qualquer outra instituição, seja ela religiosa ou não, podem as organizações religiosas formar parcerias com o Poder Público e receber subvenções para o fomento de determinado projeto, que, por sua vez, pode ser direcionada a uma demanda assistencial.
Portanto, no caso, entendo que a discussão acerca da necessidade de formação de outra instituição, paralela às organizações religiosas, não é exatamente sobre a possibilidade de percepção de recursos públicos, mas sim e objetivamente voltada à premissa da garantia constitucional à imunidade descrita pelo art. 195, parágrafo 7º, da CF/88 (clique aqui) (embora, em sua finalidade, essa seja uma forma de benefício fiscal assemelhado à forma das subvenções). Senão vejamos :
"§7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei."
Uma das principais consequências da qualificação da instituição como beneficente de assistência social é, justamente, a imunidade sobre as contribuições sociais - que chegam à até 30% de carga tributária sobre a receita, variando, com grande margem, de acordo com a instituição e sua atividade, consideradas as contribuições sobre folha, PIS e COFINS - que serão verificadas desde que preenchidos os requisitos da lei (vou me abster da discussão acerca do conceito de "isenção e imunidade" e, da mesma forma, da discussão sobre qual a legislação regulamentadora, se a lei 8.212/91 (clique aqui) ou o CTN (clique aqui)).
Nesse caso, independente da legislação de regência, considerando a premissa adotada pelo CNAS para que as instituições sejam qualificadas de assistência social e, com efeito, possam gozar da garantia à imunidade, é razoável que essas organizações religiosas, desprendendo-se da conceituação proselista que lhes é conferida quando da qualificação com beneficente de assistência social, possam criar instituições paralelas, nos moldes da legislação, para que estas possam receber o direito à imunidade que a CF/88 prescreve às instituições beneficentes de assistência social, sem irradiar essa garantia às atividades de proselitismo e, ao mesmo tempo, sem vedar o exercício pleno da garantia à imunidade descrita pelo art. 195, parágrafo 7º, da CF/88 às atividades eminentemente assistenciais.
Essa "saída" de criação de uma instituição paralela, na verdade, visa a proteger o sistema, pois, se por um lado não é razoável atribuir à imunidade as atividades proselisitas e beneficiar as organizações religiosas, pelo outro lado também não é minimamente condizente com o texto constitucional vedar o exercício dessa garantia à imunidade sobre as atividades estritamente assistenciais.
As organizações religiosas, diga-se, já possuem uma proteção própria no seio constitucional, tal como descreve o art. 150, inciso VI, letra "b", da CF/88, diferentemente das instituições de assistência social, educação e saúde, que além da imunidade aos impostos - art. 150, VI, letra "c" - goza do direito à imunidade às contribuições sociais, tal como reza o art. 195, parágrafo 7º, e art. 213, também da CF/88, e legislação infraconstitucional.
Nestes termos, por todas essas considerações, é de se notar o artigo apresentado pelo dr. Ricardo Silva, que traz a tona uma discussão de grande relevância e que vem suscitando dúvidas cada vez mais numerosas por parte da instituição.
Assim, temos a louvar o ilustre articulista.
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*Sócios do escritório Covac - Sociedade de Advogados
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