Regras sobre contingenciamento e seu impacto nas atividades empresarias
O direito, como sistema de normas que regulam as relações interpessoais, não poderia deixar de abranger outras ciências, como a contabilidade e a economia.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Atualizado em 23 de junho de 2009 10:13
Regras sobre contingenciamento e seu impacto nas atividades empresarias
Henrique Martins Vidigal*
O direito, como sistema de normas que regulam as relações interpessoais, não poderia deixar de abranger outras ciências, como a contabilidade e a economia. Assim, as sociedades anônimas, que muitas vezes possuem um poderio econômico maior que Governos e Estados, vêm sendo objeto de severa regulamentação jurídica para coibir abusos por parte dos administradores, com o objetivo maior de evitar crises econômicas que geram nefastos impactos sociais.
Como este tipo de sociedade possui como principal característica a arrecadação de recursos para seu desenvolvimento e o incentivo do ingresso de novos sócios, torna-se imprescindível a criação de mecanismos de controle, criando barreiras contra abusos à ordem econômica.
Visando a regulação deste quadro, as empresas devem obrigatoriamente manter seus balanços sociais corretos, de forma que, antes de gastar, arrecadem quantia suficiente para evitar que seus gastos sejam acima de sua arrecadação. Contudo, não basta apenas esse esforço para evitar distorções, mas que também suas contas reflitam corretamente a situação patrimonial da empresa, devendo as contas de ativo e passivo espelhar veridicamente suas demonstrações financeiras, evitando a ocorrência de quadros caóticos, principalmente nas contas passivas, devendo ser contabilizados todos os encargos e riscos conhecidos como também aqueles que possam ser calculados.
Neste sentido, torna-se imprescindível o planejamento de riscos futuros, através da constituição de reservas financeiras para compor eventuais perdas vindouras, sendo este procedimento obrigatório por determinação legal. As reservas constituem-se na quantia separada do lucro líquido, que, não distribuindo, servirá de garantia e reforço do capital social para aos credores.
Dentre as reservas previstas pelo legislador, encontramos a reserva para contingências, prevista no art. 195 da lei 6.404/76 (clique aqui), e definida pelo mestre Rubens Requião, onde "é possível que a administração da companhia julgue que possa ocorrer uma perda em exercício futuro, tendo condições de estimar o seu valor: Nessa hipótese admite-se, no exercício, ser constituída uma reserva para compensar a diminuição de lucro no exercício para o qual foi criada. Essa é a reserva para contingências. É criada, como se disse, especificamente para assembléia, por proposta dos órgãos da administração. Essa reserva será revertida no exercício em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição ou em que ocorrer a perda."1 Por conseguinte, a finalidade deste tipo de reserva será compensar a diminuição dos lucros decorrente da perda considerada provável, cujo valor possa ser estimado.
Para as demandas judiciais, em que se torna necessário o parecer de advogados qualificados para a estimativa dos riscos, deverão ser adotados os seguintes critérios, concomitantemente:
I - o direito invocado encontra-se amparado na norma jurídica vigente;
II - analisando todo o conjunto probatório, se será suficiente para amparar o pedido e;
III - a existência de precedentes, permitindo confrontar decisões favoráveis e desfavoráveis bem como argumentos que sirvam de suporte a tais julgados.
De forma a facilitar e regular a análise de risco e perda, o Ibracon - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil expediu a norma NPC 22 (clique aqui), que foi devidamente aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários por intermédio da Resolução 489, tudo com vistas a adequar a regulamentação pátria às normas contábeis internacionais como, v.g., a Lei Sarbanes-Oxley - Lei SOX.
As referidas normas fornecem elementos precisos para a correta escrituração dos valores contingenciados, na medida em que definem objetivamente as bases de mensuração aplicáveis a provisões e definem conceitos diariamente utilizados para o contingenciamento de demandas judiciais:
- Contingência passiva é uma possível obrigação presente cuja existência será confirmada somente pela ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros, que não estejam totalmente sob o controle da entidade (item 6.viii);
- Passivo é uma obrigação presente de uma entidade, decorrente de eventos já ocorridos, cuja liquidação resultará em uma entrega de recursos (item 6.v);
- Provisão é um passivo de prazo ou valor incertos (item 6.ii);
- Risco provável - a chance de um ou mais eventos futuros ocorrer é maior do que a de não ocorrer (item 9);
- Risco possível - a chance de um ou mais eventos futuros ocorrer é menor que provável, mas maior que remota (item 9);
- Risco remoto - a chance de um ou mais eventos futuros ocorrer é pequena (item 9).
Com essas definições, verifica-se que uma provisão apenas poderá ser objeto de desembolso quando da ocorrência do evento ao qual foi originalmente relacionada. Assim, somente após a ocorrência do evento é que o valor provisionado deixará de ser contingenciado, ou seja, a reserva da empresa transformar-se-á em perda, constituída na liquidação da obrigação com o pagamento do evento.
Portanto, para demandas judiciais, devem ser adotados os critérios previstos naquele regulamento, adaptando-os à realidade jurídica e, desta forma, liquidando a obrigação criada pela decisão judicial.
Provável - Há decisão judicial parcial ou totalmente desfavorável aos interesses da empresa;
Possível - Ainda não há decisão judicial, mas é possível que a mesma venha a ser contrária aos interesses da empresa.
Remota - Há decisão judicial favorável aos interesses da empresa ou obrigação, já foi devidamente cumprida.
Finalmente, ao ser prolatada decisão judicial que tenha impacto direto no valor contingenciado, o provisionamento deverá ser imediatamente revisto, de forma a adequar-se à nova orientação, alterando-se o risco progressivamente até a sua efetiva perda.
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1 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, vol. 2, atualizada por Rubens Edmundo Requião, São Paulo: Saraiva, 2003, 25 ed., 2ª Tiragem. p. 248.
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*Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados
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