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Erro de fato e ação rescisória

Prevê a norma do inciso IX do artigo 485 do CPC que "a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa".

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Atualizado em 28 de maio de 2009 14:16


Erro de fato e ação rescisória

Ulisses César Martins de Sousa*

Prevê a norma do inciso IX do artigo 485 do CPC (clique aqui) que "a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa".

Inúmeros são os casos nos quais, no afã de rediscutir fatos e provas, a parte vencida no processo originário ajuíza ação rescisória sob o argumento de que a sentença estaria fundada em erro de fato. Por isso é essencial, para perfeita compreensão do tema, a busca da definição do erro de fato a que se refere a norma acima referida como razão para ajuizamento de ação rescisória.

A doutrina sedimentou quatro requisitos para que possa ser cabível a ação rescisória com base no inc. IX do art. 485 do CPC, ou seja, com base na alegação de erro de fato. É o que ensina Nelson Nery Júnior:

"Devem estar presentes os seguintes requisitos para que se possa rescindir sentença por erro de fato: a) a sentença deve estar baseada no erro de fato; b) sobre ele não pode ter havido controvérsia entre as partes; c) sobre ele não pode ter havido pronunciamento judicial; d) que seja aferível pelo exame das provas já constantes dos autos da ação matriz, sendo inadmissível a produção, na rescisória, de novas provas para demonstrá-lo." (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2006, pág. 681).

Essas conclusões coincidem com as lições de José Carlos Barbosa Moreira:

"Quatro pressupostos hão de concorrer para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade: a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) que 'não tenha havido controvérsia' sobre o fato (§ 2º); d) que sobre ele tampouco tenha havido 'pronunciamento judicial' (§ 2º)." (José Carlos Barbosa Moreira, in Comentários ao CPC, Volume V - Arts. 476 a 565, 11ª ed., Ed. Forense, págs. 148/149).

O conceito de erro de fato delineado pelo § 1º do art. 485 do CPC deve ser compreendido como um erro de apreciação ou de percepção da prova trazidos aos autos do processo, mas, frise-se, não há como admitir a rescisória pela valoração ou interpretação do acervo probatório, pois "o erro de fato, a que se refere o art. 485, IX, do CPC, não consiste em erro de valoração ou de interpretação sobre a subsistência ou relevância de um fato, mas, na verdade, consubstancia-se em falsa percepção dos sentidos, de tal sorte que o juiz supõe a existência de um fato inexistente ou a inexistência de um fato realmente existente"1.

A jurisprudência do Egrégio STJ elucida bem a questão, ao assinalar que "o erro de fato supõe fato suscitado e não resolvido, porque o fato não alegado fica superado pela eficácia preclusiva do julgado - tantum iudicatum quantum disputatum debeat (artigo 474, do CPC). Em conseqüência, o erro que justifica a rescisória é aquele decorrente da desatenção do julgador quanto à prova, não o decorrente do acerto ou desacerto do julgado em decorrência da apreciação dela porquanto a má valoração da prova encerra injustiça, irreparável pela via rescisória"2. Registrando ainda, o mesmo precedente, que "a interpretação autêntica inserta nos §§ 1º e 2º dissipa qualquer dúvida, ao preceituar que há erro quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato".

Para deixar ainda mais claro o tema, pode-se dizer que "o erro de fato que autoriza a ação rescisória é o que se verifica quando a decisão leva em consideração fato inexistente nos autos ou desconsidera fato inconteste nos autos. Erro de fato se dá, por outras palavras, quando existe nos autos elemento capaz, por si só, de modificar o resultado do julgamento, embora ele não tenha sido considerado quando de seu proferimento ou, inversamente, quando leva-se em consideração elemento bastante para o julgamento que não consta dos autos do processo"3.

Basta o exame dos argumentos aqui alinhados para que conclua que não é possível, em sede de ação rescisória, buscar-se o reexame das provas com base nas quais o juízo formou sua convicção em relação aos fatos relevantes e controvertidos do processo. Aliás, o STJ, em reiterados julgamentos, tem decidido que "não cabe ação rescisória para melhor exame da prova dos autos"4.

E mais.

Caso tenha havido no processo originário controvérsia acerca dos pontos que o autor da ação rescisória classifica como erro de fato e pronunciamento judicial sobre a matéria, inviável se torna o ajuizamento da ação rescisória com base na regra do artigo 485, IX do CPC.

Há de se ter em mente que, segundo jurisprudência mais abalizada:

"AÇÃO RESCISÓRIA - ERRO DE FATO - INEXISTÊNCIA.

I - A inconformidade da parte, com a interpretação dada aos fatos e com a apreciação da prova produzida nos autos, não é suficiente para a rescisão do julgado com base no art. 485, IX do CPC.

II - Rescisória improcedente.

(AR .847/RJ, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/12/2000, DJ 12/3/2001 p. 84)

Portanto, é preciso que se avalie com cautela o cabimento da ação rescisória sob a alegação de erro de fato, de forma a se evitar que a ação rescisória se transforme em recurso com prazo de 2 anos, o que ameaça a segurança jurídica e a efetividade das decisões judiciais.

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1 (RT 571/164)?

2 (REsp 839.499/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/08/2007, DJ 20/09/2007 p. 234)

3 (REsp 218.079/CE, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 03/05/2007, DJ 28/05/2007 p. 342)

4 (AgRg na AR 3.731/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2007, DJ 04/06/2007 p. 283)

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*Advogado em São Luís/MA. Conselheiro Federal da OAB e sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados










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