Sociedade Anônima: é possível a negociação com suas próprias ações?
A lei 6.404/76, que regula as sociedades anônimas, proíbe, como regra geral, as sociedades anônimas de negociarem com suas próprias ações. São dois os motivos para essa proibição. O primeiro é impedir a redução disfarçada do capital social, ou seja, se a sociedade compra suas próprias ações ela está adquirindo bens, mas em caso de liquidação da Companhia esses bens não terão valor.
terça-feira, 26 de maio de 2009
Atualizado em 25 de maio de 2009 11:00
Sociedade Anônima: é possível a negociação com suas próprias ações?
Juliana Mancini Henriques*
A lei 6.404/76 (clique aqui), que regula as sociedades anônimas, proíbe, como regra geral, as sociedades anônimas de negociarem com suas próprias ações. São dois os motivos para essa proibição. O primeiro é impedir a redução disfarçada do capital social, ou seja, se a sociedade compra suas próprias ações ela está adquirindo bens, mas em caso de liquidação da Companhia esses bens não terão valor. O segundo, aplicado especialmente às sociedades abertas, é impedir que a sociedade interfira na variação do valor de suas ações no mercado.
O art. 30 da Lei das Sociedades Anônimas, entretanto, elenca quatro exceções à regra de negociação com as próprias ações. A primeira exceção é a negociação em casos de operações de resgate, reembolso ou amortização previstas em Lei. O resgate consiste na retirada das ações do mercado, o reembolso é o pagamento ao acionista dissidente a fim de formalizar sua saída da sociedade e a amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam caber em caso de liquidação da companhia.
Na verdade, nenhuma dessas operações representa negociação propriamente dita, vez que o preço das ações não é negociado. Se paga na realidade nestes casos o preço determinado em Lei ou previsto no Estatuto Social da companhia, sob pena de se constituir fraude na administração.
A possibilidade de compra de ações para mantê-las em tesouraria ou cancelá-las é a segunda exceção à proibição de negociação com as próprias ações. Trata-se de um procedimento inequivocamente administrativo, cabendo aos gestores da sociedade decidir sobre a conveniência ou necessidade de sua utilização, observando, por óbvio, o disposto no Estatuto Social. Fundamental observar, contudo, que essa compra de ações só é permitida se for feita com valores contabilizados como lucros ou reservas, exceto a reserva legal que não poderá ser utilizada para esse fim. Desta forma, o capital social da companhia não é alterado. Vale ressaltar que essas ações mantidas em tesouraria não terão direito a voto nem gerarão dividendos (parcela do lucro distribuído aos seus acionistas em proporção ao seu número de ações).
Se as ações compradas pela sociedade forem canceladas haverá um aumento do valor nominal das demais ações, mantendo-se, contudo, o valor do capital social.
Vale destacar que a aquisição das próprias ações por sociedade anônima aberta deverá observar as normas baixadas pela Comissão de Valores Imobiliários, sob pena de nulidade.
A doação de ações também é abarcada nessa segunda exceção, vez que é possível que a sociedade receba, a título gratuito, ações de sua própria emissão.
A terceira exceção à proibição da sociedade anônima negociar com as próprias ações é a possibilidade de alienação das ações mantidas em tesouraria, adquiridas com lucros ou reservas (salvo a legal). A partir do momento em que tais ações são vendidas, elas recuperam seu direito a voto e a dividendos.
A quarta exceção se aplica somente às sociedades anônimas abertas e se refere à redução do capital social com restituição aos acionistas de parte do valor das ações. Ensina Fábio Ulhoa Coelho1 que "quando o valor a ser restituído supera o da cotação das ações na bolsa, a companhia, em vez de proceder à restituição, adquire-as". Isto porque é mais vantajoso à sociedade comprar as ações no mercado que restituir parte da ação aos acionistas.
Conclui-se, portanto, que para que a sociedade negocie suas próprias ações dentro das exceções previstas em Lei há que se ter o cuidado de cumprir rigorosamente os parâmetros existentes, para que não haja o risco de administrador ou diretores da companhia serem responsabilizados pessoalmente por violação da Lei ou Estatuto, conforme art. 158 da LSA.
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1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial - Direito de Empresa. Vol II, 12ª Ed, Editora Saraiva, 2008, p.124.
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*Gerente do Departamento Empresarial/Societário do escritório Manucci Advogados
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