O projeto das PPPs e a redução de risco
As parcerias público-privadas (PPPs) funcionam como uma espécie de sociedade entre o Estado e os investidores privados, com o intuito de tornar o investimento em infra-estrutura um negócio atrativo para investidores privados.
segunda-feira, 29 de novembro de 2004
Atualizado em 26 de novembro de 2004 11:08
O projeto das PPPs e a redução de risco
Natalie Sequerra Mariani
Pedro Bicudo*
As parcerias público-privadas (PPPs) funcionam como uma espécie de sociedade entre o Estado e os investidores privados, com o intuito de tornar o investimento em infra-estrutura um negócio atrativo para investidores privados. De um lado, o Estado contrata o ente privado para a execução de determinada obra pública ou prestação de serviço público, podendo conceder garantias em seu favor e arcar, eventualmente, com parte dos custos do empreendimento. De outro, o parceiro privado se responsabiliza, nos termos do projeto de lei em trâmite no Senado Federal, pelo financiamento e exploração do projeto.
Ao que tudo indica, as mudanças trazidas pelo projeto de lei não implicarão em significativas inovações no atual sistema de licitações e concessões de serviços públicos. Uma das inovações que merece exame mais detido é o compartilhamento de riscos entre o Estado e o investidor privado. De acordo com o projeto, o Estado poderá custear o projeto parcialmente - ou, em casos justificados, integralmente -, outorgar garantia a terceiros em favor do ente privado ou ainda oferecer garantia em cumprimento de suas próprias obrigações, através da integralização de recursos em um fundo fiduciário de incentivo às PPPs.
Mesmo que, de certa forma, o Estado compartilhe os riscos inerentes ao projeto com o ente privado e o eventual investidor financeiro, o fato é que a redução dos riscos para o parceiro privado não é tão contundente como parece. Ao definir PPP, o projeto de lei prevê que "o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem ao parceiro privado" (artigo 2º). Assim, ao que parece, caberia ao investidor angariar os recursos necessários para a realização do projeto, implementá-lo e assumir os riscos de um possível insucesso.
Ainda que a extensão da participação do Estado seja fixada pelos respectivos editais, não há no projeto de lei referências, ao menos genéricas, da maneira pela qual o custeio dos projetos por parte do Estado poderá ocorrer, o que poderá acarretar um grau elevado de incerteza para o parceiro privado.
Ademais, a outorga de garantia por parte do Estado para o cumprimento das obrigações assumidas pelo ente privado depende do oferecimento de uma contragarantia de igual ou maior valor por parte do investidor, conforme o disposto no artigo 40 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, ainda que o ente privado tenha o respaldo da garantia outorgada pelo Estado, o poder público estará resguardado à vista da contragarantia que recebeu do investidor.
Por fim, apesar de se prever a constituição do aludido fundo fiduciário, é certo que os seus recursos servirão, como diz o projeto de lei, para garantir as obrigações do Estado e não aquelas do parceiro privado. Além disso, embora o funcionamento do fundo dependa ainda de regulamentação específica, não há no projeto indicação, ao menos em linhas gerais, de quem será beneficiário do referido fundo, tampouco como, e em que casos, os recursos nele investidos poderão ser utilizados. Assim, ainda que o Estado participe no custeio do projeto e na outorga de garantias, o risco do projeto continua, essencialmente, a cargo do parceiro privado.
É fundamental, para o sucesso a longo prazo das PPPs, que o investidor privado seja capaz de minimizar os riscos inerentes ao negócio. Com relação aos contratos de PPP que tenham por objeto concessões de serviços públicos, uma alternativa que tem sido pouco discutida é a exploração imobiliária ou comercial de áreas complementares ao objeto da concessão, matéria essa que é objeto de emendas ao projeto de lei em discussão.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu artigo "Obra Pública a Custo Zero" (RTDP 3/32), sugere que estações ferroviárias, metroviárias ou rodoviárias, por exemplo, possam ser construídas ou reformadas, outorgando-se aos empreendedores que se disponham a realizá-las às suas próprias expensas a exploração imobiliária ou comercial de parte do solo, do subsolo ou do supersolo edificável. Assim, as áreas complementares poderiam ser utilizadas para a construção de shoppings, hotéis, lojas etc, constituindo, por si só, atrativo suficiente para motivar o afluxo de capitais privados para custear o empreendimento público.
A exploração imobiliária ou comercial pode se dar através de concessão de uso ou de direito real de uso, dentre outros. A exigência legal de autorização legislativa para a alienação ou oneração de tais bens está suprida pelo próprio projeto de lei, que prevê a possibilidade de contraprestação por parte da administração pública mediante a outorga de direitos sobre bens públicos.
Assim, em síntese, o Estado poderá dispor de parcela de seu patrimônio que não esteja destinada à utilização coletiva, concedendo ao parceiro privado, por exemplo, o direito de superfície sobre determinado imóvel. Tal alternativa não só incrementaria o projeto e traria contraprestação adicional ao ente privado, mas reduziria concretamente os riscos do projeto, o que é essencial para o sucesso a longo prazo das PPPs.
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* Advogados do escritório Lobo & Ibeas Advogados