Derivativos cambiais: teoria da imprevisão?
Em 1932, quando publicou o seu "Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão", Arnoldo Medeiros da Fonseca relatou de que forma o mundo jurídico empenhou-se em estudar, compreender e, logo, equacionar as conseqüências - no direito - das reviravoltas econômicas geradas pela primeira guerra mundial. Naquele ambiente, os juristas voltaram a dedicar especial interesse ao assunto.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Atualizado em 28 de abril de 2009 14:01
Derivativos cambiais: teoria da imprevisão?
Rodrigo Lins e Silva Candido de Oliveira*
Em 1932, quando publicou o seu "Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão", Arnoldo Medeiros da Fonseca relatou de que forma o mundo jurídico empenhou-se em estudar, compreender e, logo, equacionar as conseqüências - no direito - das reviravoltas econômicas geradas pela primeira guerra mundial. Naquele ambiente, os juristas voltaram a dedicar especial interesse ao assunto.
Na Itália, em 1915, editou-se decreto reconhecendo que "... la guerra è considerata come caso di forza maggiore non solo quando renda impossibile la prestazione, ma anche quando la renda eccessivamente onerosa, ...". Seguindo no esforço para atender a essas situações absolutamente anormais e graves, a França votou a Lei Failliot, em janeiro de 1918, que dispôs o seguinte: "Pendant la durée de la guerre et jusqu'à l'expiration d'um délai de trois móis à partir de la cessation des hostilités, les dispositions exceptionelles suivantes sont applicables aux marchés et contrats ayant un caractère commercial pour les parties ou pour l'une d'elles seulement, qui ont été conclus avant le 1er. août 1914 et qui comportent soit dês livraisons de marchandises ou de denrées, soit d'autres prestations successives ou seulement différées."
A obra tornou-se clássica, recebendo acolhimento extraordinário. A segunda edição veio em 1943, em plena segunda guerra mundial. Inteiramente revisto e atualizado, o livro analisou o tema também sob o prisma da nova conflagração. E o autor passou a considerar, ao contrário do que fizera na primeira edição, acolhido em nosso direito positivo o instituto da imprevisão.
O número de países envolvidos na luta, a duração, a grandeza do campo de batalha e os meios de destruição utilizados fazem da guerra, como observou Voirin a respeito da anterior (1914/1918), um terreno fértil para o florescimento da Teoria da Imprevisão.
Os requisitos para a sua aplicação são vários, passando pela superveniência de acontecimentos imprevistos que alterem radicalmente o estado de fato no qual se firmou o contrato, gerando, no tempo, excessiva onerosidade para uma das partes.
Menciona o autor, além das guerras mundiais, a Revolução de 1930, no Brasil, ou terremotos na Itália, ou ainda alterações radicais nos custos da matéria prima de uma indústria, envolvida em contrato de longo prazo (por alguns anos), gerando um descompasso de mais de 300 % (trezentos por cento), como circunstâncias às quais se aplica a Teoria da Imprevisão. Afinal, as conseqüências não correspondem, nem de longe, à intenção presumível das partes.
Com a evolução do mundo financeiro e a sofisticação dos seus instrumentos, tudo aliado à globalização dos mercados, surgiram contratos novos, atrelados a índices ou variações diversas de cotações em bolsas ao redor do mundo.
A variação cambial teve ampla repercussão no Brasil em 1999, quando a desvalorização do Real atingiu em cheio os contratos atrelados ao dólar, os quais fizeram a festa da classe média abastada, que se utilizou do leasing para comprar carros importados. Veio uma avalanche de processos na Justiça. Ali, aplicando-se inclusive a legislação de proteção ao consumidor, muitos contratos foram revistos.
Passaram-se quase dez anos até que, nesta crise financeira internacional que ora se atravessa, originada nas hipotecas americanas, a desvalorização cambial mais uma vez causou estragos: grandes e ricas empresas, poderosos conglomerados perderam fortunas - calculadas na casa dos bilhões - em instrumentos derivativos cambiais.
Nesses contratos, pelos quais se aposta em determinadas cotações futuras em data preestabelecida, a alteração cambial é o norte do negócio. Aposta-se na queda ou na elevação da moeda estrangeira, de acordo com as estratégias adotadas pelos interessados em obter hedge (proteção) cambial.
O Poder Judiciário, depois de tantos anos examinando causas envolvendo variações cambiais, passou a conhecer melhor e a tratar com mais intimidade os meandros desse mundo financeiro (ultra) sofisticado.
Por todos, vale transcrever o seguinte trecho do acórdão proferido pelo STJ no Julgamento do Recurso Especial 591.357-RJ (clique aqui):
"As operações de swap com cobertura hedge representam a aplicação de determinada quantia em moeda nacional em negócio cuja rentabilidade leva em conta uma moeda estrangeira, o que evita maiores prejuízos para a empresa contratante (hedger), que possua dívidas em moeda estrangeira , ficando sujeita à oscilação da referida moeda. Seu escopo original é servir para cobertura de riscos provenientes da taxa cambial flutuante, não obstante prestar-se também para a especulação financeira, desde que se aposte na elevação da moeda estrangeira cuja variação remunera aquele investimento e inexista passivo em tal moeda".
Como bem se pode ver, o Poder Judiciário, a essas alturas, compreende as minúcias dessas complexas operações financeiras e aplica o direito cabível. Ora, naturalmente esses instrumentos não se confundem com os meros contratos de leasing para consumidores finais, com variação cambial, mote da enxurrada de processos na virada brusca do dólar em 1999.
Não há como se confundir as hipóteses. Passados dez anos, como se viu, muito foi esclarecido: seja para os players do mercado, seja para os aplicadores, para os comerciantes ou para os julgadores. Quem atua no mercado de derivativos cambiais, apostando em certas e determinadas cotações, para mais ou para menos, dispõe de informações para tanto.
Parece, assim, que a Teoria da Imprevisão não será o melhor instrumento para embasar pedidos de revisão judicial desses contratos. Não se pode esquecer, aliás, que o Novo Código Civil (clique aqui), de 2002, excluiu dessas operações as irregularidades inerentes ao "jogo e aposta", ressalvando, expressamente, que nelas nada há de ilegal. Confira-se o art. 816 do Novo Código Civil:
"As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste".
Os chamados contratos diferenciais (em que se ganha ou perde, exatamente, pela diferença apurada no intervalo), assim, ao contrário do que dispunha a legislação anterior (art. 1.479 do Código Civil de 1916 - clique aqui), são plenamente válidos e eficazes.
Feita uma aposta em determinada cotação, utilizando-se dessas operações, o contratante assume os riscos inerentes à variação cambial, que aliás é da própria essência do contrato.
Talvez também por isso duas das maiores perdedoras nesses mercados tenham resolvido - segundo noticiam os jornais - fazer acordos com os bancos e processar os seus próprios (então) diretores financeiros por má-gestão. Ou seja: assumiram a responsabilidade pelas suas milionárias apostas cambiais. Quem estava na ponta errada assume que apostou errado. Nada além disso.
Nesse contexto, parece que as lições de Arnoldo Medeiros da Fonseca permanecem atuais, pois a Teoria da Imprevisão nada tem com essas mais que sofisticadas (e puras) apostas financeiras.
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*Advogado do escritório Coelho, Ancelmo & Dourado Advogados
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