Princípios do Processo Administrativo
Embora a processualidade caracterize o agir administrativo, o tema do Processo Administrativo ganhou grande espaço no últimos anos. Sua crescente importância culminou com a edição recente de normas legais cuidando do assunto.
segunda-feira, 22 de novembro de 2004
Atualizado em 18 de novembro de 2004 12:15
Princípios do Processo Administrativo
Embora a processualidade caracterize o agir administrativo, o tema do Processo Administrativo ganhou grande espaço no últimos anos. Sua crescente importância culminou com a edição recente de normas legais cuidando do assunto. Dentre elas destacam-se a Lei Federal nº 9.784/99 e a Lei Paulista nº 10.177/98. A relativa novidade dos diplomas legais justifica haver, ainda, uma certa divergência na sistematização dos princípios aplicáveis ao processo administrativo. Para enfrentar o tema é necessário, antes, tocar brevemente na noção de processo administrativo e na relevância dos princípios. Após, tentarei apresentar, com alguma sistematização, os princípios que identifico aplicáveis aos processos administrativos.
A idéia de processo administrativo é, antes de tudo, uma decorrência dos princípios constitucionais da legalidade e do devido processo legal. A Constituição de 1988 consignou (artigo 5º, LV) que aos litigantes em processo judicial ou administrativo deverá ser assegurado o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes. Houve quem criticasse a locução constitucional sustentando que, nos processos internos à Administração, não haveria a noção de litígio, inexistindo pois, litigante. Porém, a garantia constitucional já predicava a necessidade de maiores contornos processuais ao agir da Administração Pública.
Diferente não poderia ser. A Administração só pode atuar nos termos da lei e para exclusivo atingimento do interesse público. Se é assim, há que seguir regras e ritos pré-determinados. Daí por que se pode afirmar, como fez a Professora Maria Sylvia há mais de dez anos, que o Processo Administrativo é uma garantia para o administrado. Como a atividade estatal se traduz, no mais das vezes, em atos unilaterais, o processo é meio e garantia para controle, pelo administrado, da adequada ação estatal. Se assim é, não bastará um procedimento qualquer. É necessário um Processo Administrativo que observe os princípios previstos em lei. Princípios estes que consagrem os dois objetivos do processo na Administração: a) dar transparência e objetividade à atividade administrativa; e b) garantir o respeito aos direitos dos administrados afetados pelo agir do poder público.1
O tema daria margem a longas digressões. Não cabe aqui fazê-las. Algumas notas, porém, se põem inescapáveis.
Como normas jurídicas que são, servem, a um só tempo, como parâmetro hermenêutico e como elemento para colmatação de lacunas. Mais que isso, representam os valores estruturantes do sistema jurídico. Canotilho ensina que princípios são normas de grau maior de abstração, que se prestam a mediações concretizadoras a cumprir um papel fundamental: são fundamento das regras2. Ora, se assim é, os princípios assumem para o processo administrativo uma relevância especial, pois servirão de norte para a ativação do administrador e de parâmetro para o juiz, se provocado a controlar os atos praticados ou decorrentes do processo. Como lecionou Miguel Reale3, os princípios são enunciados normativos de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento para sua aplicação e integração. O processo administrativo - acima afirmamos - é importante meio de controlar a Administração. Os princípios são o eficaz instrumento para esse controle. Como diz Jésus Gonzáles Peres4, os princípios têm operatividade direta e imediata no procedimento. Em poucas palavras: têm importância fundamental.
Como se disse, talvez pela novidade das leis de processo administrativo, ainda não se identificam limites claros e uniformes de classificação e sistematização dos princípios nesta seara. Podemos, num esforço de organização, dizer que os princípios aplicáveis ao processo administrativo, advêm de quatro planos: i) os princípios gerais da Administração Pública, previstos na constituição federal (aqueles arrolados no caput do artigo 37); ii) os princípios gerais de direito (como o princípio da segurança jurídica); iii) os princípios gerais de processo (ampla defesa, impulso oficial, obediência à forma e ao rito, contraditório, o primeiro e último também de lastro constitucional); e, por fim, iv) os princípios específicos do processo administrativo (oficialidade, gratuidade, atipicidade, formalismo moderado e verdade material).
Como se percebe, muitos princípios são aplicáveis ao processo administrativo por se inserirem em dois ou mais planos.
A Lei Federal nº 9.784/99 arrolou princípios explícitos (artigo 2º): a legalidade, finalidade, motivação, moralidade, razoabilidade, ampla defesa, segurança jurídica, eficiência, proporcionalidade, interesse público. Outros podem ser identificados, implicitamente ou não, alhures pelo texto.
A Lei Paulista nº 10.177/98 arrola, além de vários já constantes da lei federal, a impessoalidade e a motivação.
Outros princípios são identificados na doutrina como aplicáveis ao processo administrativo. Dada a impossibilidade de eleger um só critério para expô-los, tentarei apresentá-los a partir de uma sistematização própria, que objetiva mais dissertar sobre a generalidade dos princípios desenvolvidos pela doutrina, do que sintetizá-los em grandes categorias. A ver.
IV. PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
IV.1. DEVIDO PROCESSO JUDICIAL
Começo por um princípio que, embora seja vez ou outra arrolado como tal pela doutrina é, para mim, um "meta princípio" no sentido que os constitucionalistas alemães dão ao tema.
Isso por que é a partir do devido processo legal que se justifica e constitui a necessidade de processo administrativo. Todos os demais princípios, pode-se dizer, decorrem do devido processo legal. Especialmente, se o tomarmos em sua acepção mais ampla (devido processo legal material), consagrado em recentes decisões do STF, pois aí estaremos compreendendo no seu âmbito os princípios da proporcionalidade e da legalidade.
Por isso, permito-me discorrer mais aqui sobre o devido processo, por entender que irei desenvolvê-lo adiante.
Há divergência na doutrina acerca de tratar o princípio da igualdade conjunta ou separadamente, de outros princípios como a isonomia e a impessoabilidade. De minha parte entendo que os três princípios podem ser abordados em conjunto.
É sabido que no processo administrativo a igualdade assume feições próprias, diversas do que ocorre no processo judicial. Isso por duas razões. De um lado, a Administração muita vez é parte e juiz no processo. De outro porque, diferentemente do Judiciário, a pauta decisória da Administração não é eqüitativa e sim predominantemente distributiva. Num processo administrativo que oponha particulares, a Administração haverá que agir com absoluta imparcialidade, assegurando a isonomia. Num processo em que há oposição de interesses do poder público em face de um particular, haverá que atuar com impessoalidade.
Frise-se que o dever de agir com impessoalidade decorre também da aplicação do princípio da moralidade.
De todo modo, a melhor maneira de assegurar a igualdade (mesmo numa concepção ativa, distributiva, necessária para reduzir as desigualdades), a isonomia e a impessoalidade é seguir os pressupostos legais predicados para a prática do ato.
É cediço que a Administração tem que atuar dentro, na forma, nos limites e para os fins contidos na lei. Desnecessário dizer quão vetorial, angular, é o princípio da legalidade para a atividade administrativa. Afinal, a Administração - diferentemente do que ocorre com os particulares - só pode atuar quando a lei assim o autorizar (ou, à luz do princípio da função, determinar).
Certo é que há margens de discricionariedade que são legadas pelo legislador como uma certa liberdade para o administrador aplicar a lei à luz de situações concretas.
Porém, é em sede do processo administrativo que o administrador deverá colher e deixar consignados os elementos que fundamentarão a decisão discricionária. O princípio da legalidade, aplicado ao processo administrativo, tem dupla incidência, portanto: a) obriga, o que é óbvio, que sejam respeitadas as normas regentes do processo e aplicáveis ao ato que se busca praticar; b) impõe que o administrador só utilize do processo para a prática de atos que se justifiquem à luz da lei.
Mais ainda: o processo administrativo emerge como elemento para verificação da observância do princípio da legalidade.
Em suma: o processo administrativo a um só tempo se sujeita à legalidade e serve como meio para concretização do princípio da legalidade.
O princípio da finalidade também constitui pedra angular da atividade administrativa. A perseguição de finalidades coletivas é a verdadeira razão de ser da atividade administrativa. O administrador só pode manejar sua competência, só deve praticar ato administrativo se e na exata medida do necessário para cumprir a finalidade prevista na lei que lhe outorgou competência.
Adilson Dallari e Sergio Ferraz5, na sua monografia sobre o processo administrativo, lembram bem que o princípio da finalidade aplicada à matéria decorre e traduz a regra constante no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que determina "na aplicação da lei, o juiz deve atender aos fins sociais e a exigência do bem comum". Se é assim no processo judicial (onde, repita-se, prevalece o juízo eqüitativo - dar a cada um o que é seu), mais ainda deve ser em sede da atividade administrativa (pautada pela justiça distributiva: realizar o interesse público).
A Lei Paulista nº 10.177/98 consagra o princípio ao determinar que: a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da melhor forma para realizar o fim público a que se dirige.
Muitos autores sustentam que o princípio da finalidade é decorrência do princípio da legalidade. Como Celso Antonio Bandeira de Mello, entendo que é uma inerência dele.
O princípio da finalidade, em certa medida, subsume, absorve, os princípios do interesse público, do formalismo moderado e da verdade material que abordarei mais à frente por questões de fluidez da exposição.
O que releva demarcar é que o princípio da finalidade exige que o processo administrativo seja conduzido da melhor maneira para se chegar à finalidade prevista em lei para justificar o ato perseguido. Mais ainda: tal princípio determina que, no processo, sejam verificados, sopesados, os critérios e elementos que arrimarão a decisão final.
A motivação é exigência do Estado de Direito. Tal lição já ficara ente nós assentada por Araújo Cintra no seu "Motivo e Motivação do Ato Administrativo". É pela motivação que se verifica o respeito ao princípio da finalidade. É por ela que se coíbe o desvio de poder6.
O princípio da motivação obriga que os atos praticados no processo sejam fundamentados. Só assim é que se pode aferir se o ato foi praticado em conformidade com a lei, mesmo no caso dos atos discricionários.
De mais a mais, o próprio processo administrativo se presta à observância do princípio da motivação, na medida em que será no seu âmbito que se colherão os elementos que fundamentarão a decisão.
Note-se, pois, que há dois planos de aplicação do princípio da motivação no processo: i) um que exige que os atos (mesmo interlocutórios, desde que não de mero expediente) sejam fundamentados e motivados; ii) outro que determina que a decisão final do processo seja tomada de forma motivada e levando em consideração os elementos colacionados nos autos.
Sabe-se que os vícios de motivação são indícios do desvio de finalidade. Celso Antonio Bandeira de Mello afirma mesmo que a falha de motivação é vício autônomo7.
A motivação deve se revelar pelo sopesamento dos fatos, pelas ilações deles decorrentes e, por fim, pela fundamentação (referência aos pressupostos e normas jurídicas aplicáveis aos fatos e às conseqüências deles inferidas).
A Lei nº 9.784/99, no seu artigo 50, estabelece o dever de motivar, com indicação dos fatos e fundamentos, para oito espécies de processo: i) os que neguem ou afetem direitos ou interesses dos administrados; ii) que imponham ou agravem deveres destes; iii) que decidam processos de concurso ou seleção; iv) que dispensem ou declarem inexigência de licitação; v) que decidam recurso administrativo; vi) que decorram de reexame de ofício; vii) que deixem de aplicar jurisprudência já firmada ou divirjam de pareceres e fundamentos anteriores; viii) nos casos de revogação, suspensão e convalidação de ato administrativo.
Tendo em vista que a lei federal não arrolou o princípio da motivação entre os princípios do processo administrativo, poder-se-ia afirmar que a motivação só é exigida para estas espécies de processo. Não me alinho com esse entendimento. O princípio da motivação é princípio geral de direito administrativo e, como tal, é aplicável como regra geral ao agir da Administração.
Ainda na lei federal, o artigo 50, § 1º, já define como deve ser a motivação: clara, explícita e congruente. Admite que ela seja remissiva a fundamento anterior que faça parte dos autos. Já no § 3º, artigo 50, a lei trouxe uma inovação ao exigir a mesma motivação nas decisões de órgãos colegiados e para aquelas proferidas oralmente.
Eis mais um princípio de grande relevância para o controle da atividade administrativa. O princípio da razoabilidade impõe que o administrador atue dentro de critérios aceitáveis do ponto de vista racional. Augustin Gordillo8 define que um ato será irrazoável quando: i) não existirem fundamentos para ampará-los; ii) desconsiderar fatos ou circunstâncias; iii) não guardar proporcionalidade entre meios utilizados e fins buscados pela lei com o ato (ou para prática do ato).
Por certo, o princípio da razoabilidade se relaciona com o princípio da proporcionalidade, havendo quem entenda que este integra aquele. Em célebre voto exarado quando presidia a Suprema Corte, o Ministro Celso de Mello assim entendeu ao suspender decisão que permitia à Receita Federal estabelecer quantos cigarros deveria conter um maço9.
Certo também é que o princípio da razoabilidade guarda íntima relação com o princípio da finalidade, pois, desatendida a razoabilidade, restará também ferida a finalidade.
Por fim, é o princípio da razoabilidade - ao interditar decisões ou práticas disparatadas, irracionais, discrepantes do mínimo plausível -, um importante veículo de aferição do respeito à legalidade, na medida em que é a lei que define os parâmetros a partir dos quais se constrói a "ratio" administrativa.
Em suma, como mostra Canotilho10, somente será aceitável o agir estatal que se mostre razoável, assim entendida a prática de atos que apresentem: i) conformidade de meios; ii) necessidade; e iii) equilíbrio (proporcionalidade) entre meios e fins.
A lição do constitucionalista português permite introduzir o princípio da proporcionalidade. Como disse há pouco, trata-se de princípio intimamente ligado à razoabilidade.
O princípio da proporcionalidade exige que o administrador se paute por critérios de ponderabilidade e de equilíbrio entre o ato praticado, a finalidade perseguida e as conseqüências do ato. Afinal, mesmo o ato que cumpre sua finalidade, poderá ser desproporcional se trouxer conseqüências que contrariem ou esvaziem a finalidade buscada. Juarez de Freitas pondera, com muita felicidade, que o princípio da proporcionalidade exige sacrificar o mínimo para preservar o máximo.
A Lei Federal nº 9.784/99, no artigo 2º, Parágrafo Único, Inciso VI, consagra o princípio da proporcionalidade ao: a) exigir adequação de fins e meios; e b) vedar o estabelecimento de obrigações, restrições e sanções superiores ao estritamente necessário.
Eis aqui também um princípio aplicável, por força da constituição (artigo 37, caput e decorrentemente artigos 37, § 4º e 85), a toda a administração pública. Tal princípio enseja polêmicas havendo quem sustente que não se trata de princípio autônomo e sim mera decorrência do princípio da legalidade, pois aquela modalidade só pode ser exigível se consagrada no âmbito desta (legalidade).
Não perfilo com esse entendimento. Tomando por base a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro11, forte no ensino de Maurice Houriou, pode-se identificar uma moral administrativa, distinta da moral geral. A moral administrativa se constrói internamente à Administração Pública, a partir dos parâmetros institucionais da atividade administrativa. São estes parâmetros que permitem o crivo entre o agir honesto e o desonesto.
É imperativo que o administrador atue em respeito à moralidade, entendida como um parâmetro geral de boa conduta administrativa. Parâmetro de difícil formulação positiva, mas de fácil identificação negativa: se não se mostra fácil identificar regras da moralidade administrativa (em que pesem, aqui ou acolá, esforços de codificação da ética na Administração Pública), difícil também não é saber quando uma conduta afronta a moralidade administrativa.
Note-se que o princípio da moralidade encontra eco na lei de improbidade (ela mesmo decorre do princípio), especialmente no artigo 11 quando vemos caracterizar ato de improbidade o desrespeito aos princípios da honestidade e da lealdade às instituições. São estes, na verdade, princípios ancilares à moralidade.
No âmbito do processo administrativo, o princípio da moralidade se revela em três pontos: i) interdita que o processo seja conduzido de forma astuta, ardilosa, maligna, transformando-se numa pantomima para validar decisões previamente estabelecidas; ii) veda que a Administração descure do princípio da impessoabilidade, mesmo quando no processo o particular se opuser a interesses pretensamente gerais; iii) veda, ainda, que a própria instauração de processo administrativo seja feita para constranger ou coibir o administrado ou mesmo para simplesmente dar satisfação à suposta opinião pública em situação em que, embora haja um clamor geral, não comparecem os pressupostos para a instauração do processo administrativo.
O princípio da moralidade compreende o princípio da boa-fé que alguns autores tratam de forma segregada.
Como dito, trata-se tal princípio de decorrência direta de preceito constitucional (artigo 5º, LV). Não se faz necessária maior digressão sobre sua formulação.
Deste princípio decorrem várias conseqüências para o processo administrativo, a saber: a) o dever de informar o administrado daquilo que se lhe imputa ou das conseqüências que podem advir do processo; b) o respeito aos prazos e fases do procedimento; c) o direito a ter vista dos autos; d) o direito à defesa técnica, inclusive com apoio de advogado. Sobre este último item é indesviável a referência a artigo da professora Ada Pelegrine Grinover12 que - versando sobre processos na CVM - melhor do que ninguém, estabeleceu a relação entre a defesa técnica e o devido processo na seara administrativa.
O artigo 3º da Lei nº 9.784/99 arrola as prerrogativas inerentes à ampla defesa e ao contraditório no processo administrativo. Na lei vemos que o administrado tem direito a ser tratado com respeito e a ver facilitado o exercício do seu direito. Tem direito a ser cientificado da tramitação e de obter vistas dos autos e cópias de suas peças. Neste ponto, há que se destacar que desse direito decorre a obrigação de que sejam autuados, imediatamente à sua apresentação, todos os documentos relativos ao processo, sob pena de frustrar-se o direito ao acesso pleno aos autos.
O administrado tem ainda, pela lei, direito a formular alegação e produzir documentos. Por fim, a lei federal consagrou o direito de, se assim entender necessário, ser o particular assistido por advogado.
Trata-se, em verdade, de um princípio geral de direito, albergado pela lei federal como princípio específico do processo administrativo.
Sua maior conseqüência é a vedação da desconstituição imotivada de atos e situações jurídicas, implicando na obrigação de motivação ampla dos atos de invalidação (anulação ou revogação).
Mais ainda, tal princípio (a exemplo do que fizera a Lei nº 8.666/93) impõe que se assegure direito de defesa, mesmo no caso de revogação do ato, entendido o risco potencial que a prerrogativa de revogação traz para a estabilidade das relações jurídico administrativas.
Outra conseqüência desse princípio seria a consagração do dever que a Administração tem sempre de convalidar os atos, quando isso for juridicamente possível.
O artigo 55 da lei federal dá concretude ao princípio. De igual modo, vemos o princípio da segurança jurídica refletido no artigo 2º, XIII, que impede a aplicação retroativa do ato administrativo.
Muito identificado com o princípio da finalidade, o princípio do interesse público é apresentado por alguns doutrinadores como princípio autônomo do processo administrativo13.
Importante lembrar que tal princípio é apresentado - na sua aplicação enquanto supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público - como um princípio fundante do direito administrativo.
No processo administrativo ele se apresenta na medida em que o processo e os atos, no seu âmbito praticados, só se justificam se necessários a um fim de interesse público.
Doutro lado, havendo duas soluções possíveis, a decisão decorrente do processo deverá ser aquela que melhor consagrar o interesse público.
Trata-se de princípio que - embora antes houvesse quem já o identificasse para a Administração Pública - tomou base constitucional com a Emenda Constitucional nº 19.
No meu entender, ele se traduz no dever de otimização dos meios à disposição da Administração. No âmbito do processo administrativo ele se revela na obrigação de conduzir o procedimento com vistas ao atingimento dos seus fins.
É a aplicação, no âmbito do processo administrativo, da teoria da instrumentalidade difundida na Teoria Geral do Processo.
Processo é meio; não é fim em si mesmo.
O princípio da eficiência exige que: a) o processo chegue a uma decisão; b) que a decisão seja proferida no menor tempo possível; e c) que os meios despendidos no processo sejam os necessários e suficientes para a decisão colimada.
Vários são os dispositivos da Lei nº 9.784/99 que dão concretude e detalhamento ao princípio da eficiência.
Vários artigos fixam prazos decisórios (artigos 41, 42, 44, 59 e 66); outros tantos predicam a utilização de meios expeditos (artigos 35, 37 e 39). O artigo 48 consigna o dever de decidir. E os artigos 49 e 59, § 1º, impõem que a decisão seja célere e pronta.
No meu entender, está albergado, dentro do princípio da eficiência, o princípio da economia processual que alguns doutrinadores identificam como princípio específico e autônomo13.
É também uma decorrência do princípio da eficiência. Por este princípio termos que a formalidade - porquanto necessária - não pode servir de óbice às finalidades que justificam o procedimento.
Aqui se coloca importante discussão - por vezes interminável e inconclusiva - entre a segurança (garantia) de um lado e a eficiência de outro. É fato que a forma é, no mais das vezes, garantia para o administrado. No entanto, não se pode aceitar um certo "atavismo das formas" que sirva a empacar as finalidades e objetivos do agir administrativo.
Daí por que a doutrina, Gordillo à frente, fala em "informalismo a favor do administrado". O autor argentino15 bem aponta que o informalismo é a porta de entrada para a arbitrariedade.
O artigo 2º - incisos VIII e IX - indica como diretriz legal que as formalidades no processo deverão cingir-se ao estritamente necessário. Já o artigo 7º consagra outra aplicação do formalismo moderado: a exigência de disponibilidade do administrado de modelos e formulários para exercício de direitos. Bem verdade que a regra pode parecer, ao contrário, a consagração do formalismo. Porém, trata-se de providência que justamente impede que argumentos formais (p.e. falta de requisitos) sirvam de impedimento para o bom curso do processo).
O administrador deve se valer da verdade efetiva, real, independente de se ater às provas e elementos do processo. Essa é a formulação doutrinária para o princípio da verdade material.
Decorre ele do princípio do interesse público, pois a administração, adstrita que está a esse princípio, não pode ignorar fatos que conhece, sob a alegação de que tais elementos fáticos não constam dos autos. O princípio da verdade material deflui daquela característica do processo administrativo, onde, diferentemente do processo judicial, a posição do agente público não é passiva. É sim ativa, voltada à justiça distributiva traduzida no atingimento do interesse público.
Porém, a verdade material não dispensa a motivação. Ao revés, dá a ela uma importância ainda maior, pois será pela motivação que os elementos de convicção (verdade material) serão introduzidos nos autos onde, até então, não constavam.
Além de princípio constitucional para toda a Administração Pública, a publicidade é decorrência do contraditório e da ampla defesa.
Deste princípio decorrem várias conseqüências das quais já demos conta ao tratar da ampla defesa e do contraditório.
Questão específica que se coloca em sede de processo administrativo é a que opõe a publicidade ao princípio constitucional da intimidade, especialmente nos processos sancionatórios.
A discussão é longa e não pode ser aqui aprofundada. Apenas duas notas são relevantes.
A primeira é que recomenda que seja adotada para os processos administrativos, a regra - já presente em normas federais - segundo a qual o processo é público, salvo se, por requisição do interessado, se justificar sua conversão em sigiloso. De todo modo, neste particular, não se pode interditar vista do processo (artigo 46 da Lei Federal) àquele que for parte ou demonstrar efetivo interesse, assim entendido a demonstração de que, potencialmente, do processo poderá advir ato que lhe afete direta ou indiretamente.
A segunda nota é a que separa o dever de dar publicidade - a que se sujeitam os agentes públicos - da ação de, indevidamente, dar divulgação de atos e documentos do processo, mormente por intermédio da imprensa. Tal comportamento, além de não guardar relação com o princípio da publicidade, fere o princípio da finalidade e o princípio geral da presunção de inocência (inerente ao devido processo legal).
Como bem indica Maria Sylvia Zanella Di Pietro16, o princípio da oficialidade é princípio específico do processo administrativo que o faz diferente do processo judicial.
A oficialidade no processo administrativo é muito mais ampla do que o impulso oficial no processo judicial. Ela compreende o poder-dever de instaurar, fazer andar e rever de ofício a decisão.
O artigo 2º, inciso XII, da lei federal consagra o impulso oficial. O artigo 29 determina que compete à Administração fazer o processo andar. A prerrogativa de rever seus atos e decisões, a par de constar da lei, já era pacífica desde a súmula 473 do STF.
O fundamento do princípio da oficialidade é o próprio interesse público. Sendo o processo meio de atingir o interesse público, seria uma lesão a este, se o processo não chegasse ao fim. É também conseqüência do princípio da eficiência.
Trata-se de princípio também defluente da ampla defesa.
A Administração é parte do processo administrativo, logo não faz sentido onerar o particular. Fazê-lo seria cercear o direito de defesa e afligir a isonomia.
O artigo 2º, Parágrafo Único, XI, proíbe a cobrança de despesas processuais, salvo nos casos previstos em lei.
A regra é, pois, a gratuidade.
Diferentemente do direito penal, no processo administrativo não é necessária estrita tipificação das condutas. Haveria, para parte relevante da doutrina, uma certa discricionariedade nos tipos infracionais.
Há sempre riscos nesta atipicidade, riscos estes que devem ser minorados com a motivação do ato.
Há algumas situações em que se justifica, contudo, uma maior tipicidade. É o que ocorre, por exemplo, na atividade administrativa regulatória sobre serviços cuja exploração é delegada ao particular. Havendo uma grande diversidade de condutas puníveis e cabendo a aplicação de multas, geralmente pesadas, recomenda-se que os atos de outorga (contratuais ou unilaterais) ou os regulamentos prevejam explicitamente as condutas, de modo a não manietar essa importante atividade regulatória.
Eis mais um princípio específico do processo administrativo. Decorre ele de uma dupla razão: de um lado o poder de autotutela do Administrador e, de outro, o fato de que o direito de defesa compreende o direito de recorrer.
O artigo 57 limita a três instâncias o processo, salvo distinta previsão em lei específica. De todo modo, entendo que não se poderá reduzir a menos de duas instâncias, sob pena de afronta ao artigo 5º, LV. E sempre assistirá ao particular o direito de petição.
O direito de invocar uma segunda instância compreende, até mesmo, o direito de aduzir novas provas e argumentos, não havendo a preclusão típica do processo civil.
Trata-se de princípio de grande relevância. O bom agir administrativo será tanto mais aperfeiçoado, quanto maior for a participação popular na atividade administrativa. A participação popular serve tanto para contratos, quanto para legitimar a atividade estatal.
Na Lei nº 9.784/99, tal princípio - que já era consagrado na Lei nº 8.666/93 - está traduzido no artigo 31 (que prevê a Consulta Pública, especialmente no procedimento normativo); no artigo 32 que se refere às audiências públicas e no artigo 33 que trata da participação popular direta ou por meio de associações.
Egon Bockman Moreira17 arrola um último princípio: trata-se do princípio constitucional da responsabilidade objetiva (artigo 37, § 6º) aplicado ao processo administrativo. Isso porque, no seu entender, o processo pode acarretar dano ao administrado, ensejando a aplicação da responsabilidade objetiva.
É o caso, por exemplo, da omissão ou atraso na decisão de processo administrativo necessário ao exercício de direitos pelo particular.
V. CONCLUSÃO
A idéia de processualidade trouxe um grande avanço para o Direito Administrativo. A edição de leis de processo, disciplinando, em detalhe, como devem ser conduzidos os procedimentos, é alvissareira.
Falta agora se caminhar no sentido de que, nos seus processos, a Administração observe, com rigor, os importantes princípios albergados ou remarcados nestas leis.
Só assim ter-se-á evoluído um pouco mais na direção do efetivo Estado Democrático de Direito.
2"Direito Constitucional e Teoria da Constituição", Coimbra, Livraria Almedina, 5ª edição, 1994, páginas 1143 e seguintes.
3"Lições Preliminares de Filosofia do Direito", São Paulo, Editora Saraiva, 23º edição, 1996.
4 "Manual de Processo Administrativo", Madri, Civitas, 2000.
5"Processo Administrativo", São Paulo, Malheiros, 2002, páginas 57 e 58.
6"Motivo e Motivação do Ato Administrativo", São Paulo, RT, 1979.
7 Obra citada, página 70.
8"Princípios Gerais de Direito Público", São Paulo, RT, 1977.
9"Suspensão de Segurança nº 1320-9". Relator Ministro Celso de Mello, in RDA nº 216, páginas 223 a 227.
10 Obra e páginas citadas, retro.
11 Obra citada, páginas 77 e seguintes.
12"Do Direito de Defesa em Inquérito Administrativo", in RDA nº 183, páginas 9 a 18.
13 A esse respeito ver meu "Regulação Estatal e Interesse Público", São Paulo, Malheiros, 2002.
14 Ver neste sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro, obra citada, página 504.
15 Conforme "Tratado de Direito Administrativo", Buenos Aires, Ediciones Macchi, 2º edição, Tomo 2, páginas 2230 e seguintes.
16 Obra citada, páginas 499 e 500.
17"Processo Administrativo", São Paulo, Malheiros, 2ª edição, 2003, páginas 131 e seguintes.
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