Implicações da apresentação do cheque pré-datado antes do prazo
Nas últimas décadas, o cheque foi amplamente utilizado no Brasil como forma de pagamento para a aquisição de produtos e serviços em geral pelo fato de ser reconhecido pela Lei como título executivo extrajudicial. Diante da sua larga utilização mercado acabou por criar e adotar uma prática comercial que conferiu ao cheque uma característica distinta de sua natureza original (ordem de pagamento à vista) transformando o cheque em um instrumento de pagamento a prazo chamado popularmente de cheque pré-datado (leia-se pós datado).
terça-feira, 31 de março de 2009
Atualizado em 30 de março de 2009 14:46
Implicações da apresentação do cheque pré-datado antes do prazo
Juliana Mancini Henriques*
Nas últimas décadas, o cheque foi amplamente utilizado no Brasil como forma de pagamento para a aquisição de produtos e serviços em geral pelo fato de ser reconhecido pela Lei como título executivo extrajudicial. Diante da sua larga utilização mercado acabou por criar e adotar uma prática comercial que conferiu ao cheque uma característica distinta de sua natureza original (ordem de pagamento à vista) transformando o cheque em um instrumento de pagamento a prazo chamado popularmente de cheque pré-datado (leia-se pós datado).
Trata-se de uma inovação jurídica em que o emissor do cheque escreve no anverso do título que aquele cheque deverá ser depositado numa data posterior à de sua emissão. Através dessa declaração, constitui-se um contrato tácito entre o emissor do cheque e seu portador em que este se compromete a depositar o cheque somente na data acordada.
O curioso é que tal prática entra em conflito com a própria natureza do cheque que é ordem de pagamento à vista, sendo passível de pagamento quando da sua apresentação. Independente de qualquer declaração contida no cheque, cumprido o requisito do art. 1º, inciso I da Lei dos Cheques (7.357/85 - clique aqui), qual seja, o preenchimento correto da data e do lugar de sua emissão, não havia qualquer impedimento legal para que este título fosse pago na data de sua emissão.
Todavia, as práticas cotidianas da utilização do cheque na forma pré-datada acabaram consolidando tal prática inclusive do ponto de vista jurídico. Recentemente o STJ editou a súmula 370 cuja redação diz que caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado. Ou seja, a orientação do STJ é no sentido de que se deve desconsiderar a data da emissão do cheque e obedecer à data escrita no anverso do documento, mesmo que posterior à sua emissão. Assim, caso o cheque não seja depositado pelo credor/portador na data "contratada" explicitada no seu anverso, poderá este correr o risco de se ver condenado à indenizar o emissor em danos morais, mesmo que o título não apresente fundos.
A decisão do STJ acaba por legitimar um hábito popular em detrimento à lei. Isto porque o art. 32 da Lei 7.357/85 é claro ao dispor:
Art . 32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.
Parágrafo único - O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação. (grifo nosso)
Esta decisão do STJ, poderá acarretar um outro problema relativo às datas de apresentação do cheque. Isso porque o art. 33 da lei supracitada informa que "o cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior."
Vale lembrar que a grande maioria dos cheques pré-datados (pós-datados) tem data acordada superior a 30 ou 60 dias, o que, de acordo com a lei, inviabilizaria sua apresentação para pagamento.
Desta forma, os empresários encontram-se em uma encruzilhada: ou depositam o cheque na data posterior à sua emissão (pré-datada) e correm o risco das instituições financeiras não pagarem o cheque por ter sido apresentado fora do prazo determinado em lei ou depositam o cheque na data da sua emissão e correm o risco de serem condenados à indenização por danos morais de acordo com a nova súmula do STJ. Dúvida cruel que remete os empresários a reverem as suas práticas comerciais diante desta nova realidade jurídica
*Gerente do Departamento Empresarial/Societário do escritório Manucci Advogados
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