Considerações sobre a Reforma Tributária constante na PEC nº 233/2008
De forma sintetizada o Projeto de Emenda Constitucional nº. 233/2008 que tramita no Congresso Nacional, denominado PEC da Reforma Tributária, pode ser entendido como uma alteração de grande monta nas competências tributárias já estabelecidas na Carta Magna em vigor, possuindo também reflexos na repartição das receitas tributárias apuradas.
quarta-feira, 18 de março de 2009
Atualizado em 17 de março de 2009 11:44
Considerações sobre a Reforma Tributária constante na PEC nº 233/2008
Fábio Messiano Pellegrini*
De forma sintetizada o Projeto de Emenda Constitucional nº. 233/2008 (clique aqui) que tramita no Congresso Nacional, denominado PEC da Reforma Tributária, pode ser entendido como uma alteração de grande monta nas competências tributárias já estabelecidas na Carta Magna (clique aqui) em vigor, possuindo também reflexos na repartição das receitas tributárias apuradas.
Pretende-se apenas enfatizar alguns pontos da pretendida Reforma, tendo em vista a infindável quantidade de temas polêmicos e discussões que encontram em seu bojo.
Os pontos de destaque desta Proposta de Emenda Constitucional são claros: a criação da nova sistemática do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, a instituição do Imposto sobre Valor Agregado Federal, comumente denominado IVA-F, e por fim as novas formas de repartição das receitas tributárias.
Um dos pontos mais polêmicos em discussão na atualidade é a nova competência tributária criada para a União Federal, a qual deverá ser exercida mediante lei complementar, utilizando-se o fato gerador do vigente ICMS (art. 155, inciso II, da CF), atribuindo-se aos Estados e ao Distrito Federal o produto da arrecadação deste tributo.
O Eminente Professor Paulo de Barros Carvalho delimita, com muita propriedade, o que vem a ser competência tributária:
"A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos." (In Curso de Direito Tributário, 20º ed., 2008, Ed. Saraiva, p. 235)
Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, inciso II, os Estados e o Distrito Federal são os entes dotados de competência para instituir o ICMS. Desta forma, cada um destes entes da federação pode criar, no exercício de sua competência tributária, uma legislação própria sobre tal tributo, tendo sempre em mente as limitações constantes na própria Carta Maior.
A PEC nº. 233/2008 tem como pressuposto de criação do novo ICMS federal, a alteração da competência legislativa, passando esta a ser exercida pela União Federal, como já indicado através de lei complementar, bem como o exercício de sua regulamentação e gestão que se dará por órgãos colegiados compostos por representantes da União, dos Estados e do Distrito Federal.
É possível verificar, de forma clara e latente, o desrespeito ao pacto federativo que a PEC em questão presente introduzir.
Note-se que o Ministro da Fazenda, prevendo eventuais críticas, manifestou na exposição de motivos nº. 16, que acompanha o anteprojeto da PEC, a razão pela qual a nova sistemática seria necessária:
"No tocante ao imposto de competência estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), tem-se, atualmente, um quadro de grande complexidade da legislação. Cada um dos Estados mantém a sua própria regulamentação, formando um complexo de 27 (vinte e sete) diferentes legislações a serem observadas pelos contribuintes. Agrava esse cenário a grande diversidade de alíquotas e de benefícios fiscais, o que caracteriza o quadro denominado de 'guerra fiscal'."
"Para solucionar essa situação, a proposta prevê a inclusão do art. 155-A na Constituição, estabelecendo um novo ICMS em substituição ao atual, que é regido pelo art. 155, II, da Constituição, o qual resta revogado."
"A principal alteração no modelo é que o novo ICMS contempla uma competência conjunta para o imposto, sendo mitigada a competência individual de cada Estado para normatização do tributo. Assim, esse imposto passa a ser instituído por uma lei complementar, conformando uma lei única nacional, e não mais por 27 leis das unidades federadas."
Segundo a Proposta de Emenda, a iniciativa legislativa para deflagrar o processo legislativo da lei complementar que disporá sobre o novo ICMS, é atribuída, exclusivamente, na forma do artigo 61, § 3º, aos seguintes órgãos:
"I - a um terço dos membros do Senado Federal, desde que haja representantes de todas as Regiões do país;"
"II - a um terço dos Governadores de Estado e Distrito Federal ou das Assembléias Legislativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, desde que estejam representadas, em ambos os casos, todas as Regiões do País;"
"III - ao Presidente da República."
Note-se a enorme dificuldade dos Estados membros, para que possam apenas propor uma lei complementar. Isso sem contar toda a dificuldade destes para que tal seja aprovada pelo Congresso Nacional, e por fim sancionada pelo Presidente da República. Tendo em vista a mudança da competência tributária em questão, pressupõe-se que uma lei contrária aos interesses da União não terá chance alguma de entrar em vigor.
Outros pontos que merecem destaque dizem respeito à destinação do produto da arrecadação do novo ICMS e a criação da chamada Câmara de Compensação.
Nos termos do art. 155-A, §1º, III, "a", c/c art. 155-A, §3º, I contido na PEC nº. 233/2008, o produto da arrecadação do imposto, nas operações interestaduais, competirá ao Estado de destino da mercadoria, salvo em relação à parcela equivalente a 2% sobre a base de cálculo do imposto, que será atribuída ao Estado de origem (art. 155, §3º, II). Nas operações em que o valor do tributo seja inferior aos 2% já indicados, a totalidade deste pertencerá ao Estado de origem (art. 155, §3º, II, "a").
Observe-se que nas operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica, o imposto pertencerá integralmente ao Estado de destino (art. 155, §3º, II, "b").
Fica criada também uma câmara de compensação (entre os estados federados) com a finalidade de obrigar o Estado de origem a transferir, ao Estado de destino, o montante global do imposto. A esta câmara de compensação, poderá também ser atribuída parcela do produto da arrecadação deste imposto, com a única finalidade de liquidar as obrigações do estado relativas a operações e prestações interestaduais (art. 155-A, §3º, III).
Por fim, merece que seja mencionada a criação do Imposto sobre Valor Agregado na esfera Federal (IVA-F), que estranhamente não se sujeita ao princípio da anterioridade, por força da nova redação conferida ao § 1º, do artigo 150 da CF, e tão somente ao lapso temporal de 90 dias (art. 150, III, "c", da CF), indevidamente chamado "noventena".
O IVA-F pretende substituir a contribuição ao PIS (art. 239, CF), a contribuição a COFINS (art. 195, I, "b" CF), a CIDE (art. 177, § 4º CF) e o salário educação (art. 121, § 5º CF).
Sendo seu fato gerador as "operações com bens e prestações de serviços, ainda que as operações e prestações se iniciem no exterior" (art. 153, VIII da PEC 233/2008). Este tributo também incidirá sobre as importações (art. 153, § 6º, III) e integrará sua própria base de cálculo (art. 153, §6º, V).
O IVA federal será não-cumulativo e, nas operações sujeitas a "alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade", não haverá surgimento de crédito para compensação, com o montante devido nas operações ou prestações seguintes (salvo se lei dispuser em contrário), conforme o art. 153, §6º, I e II, contido na PEC nº 233/2008. Em outras palavras, o legislador constitucional tenta evitar futuros litígios decorrentes da não-cumulatividade deste tributo.
Tudo indica que o IVA Federal possui a clara intenção de constitucionalizar as contribuições sociais que se encontram desvirtuadas desde a sua origem, com o desvio reiterado do produto de suas arrecadações.
De forma clara e objetiva, é possível verificar que as modificações pretendidas no sistema tributário brasileiro visam uma verdadeira inversão de valores, em muitos casos, inconstitucionais, sem contar a correção de erros praticados pelos próprios entes públicos que deveriam zelar pelo respeito à Carta Maior.
As motivações para que a PEC n°. 233/2008 seja aprovada pelo Poder Legislativo o mais rápido possível, restam falhas e inconsistentes. A existência de 27 legislações estaduais não prejudica sob nenhuma ótica o sistema vigente, desde que exista uma lei nacional prevendo normas gerais aplicáveis no âmbito estadual, a exemplo com o que ocorre com o Imposto Sobre Serviços, que possui como escopo a Lei Complementar nº 116/03 (clique aqui). Trata-se muito mais de melhorar a atual Lei Complementar nº 87/96 (clique aqui), que instituir a presente Reforma Tributária nos moldes pretendidos.
Em relação à guerra fiscal, o outro carro-chefe motivador da Reforma Tributária, esta acontece tão somente porque as instituições são deficitárias. A Constituição Federal é expressa no tocante a ser de competência de lei complementar a concessão e revogação de benefícios fiscais relativos ao ICMS (art. 155, § 2º, XII, "f"), bem como a recepção constitucional da Lei Complementar n° 24/75 (clique aqui) que deixa cristalino a sistemática a ser adotada pelas isenções; devendo estas somente ser concedidas e revogadas por Convênios celebrados e ratificados pelos Estados e Distrito Federal, sendo que a celebração desses convênios somente pode ocorrer mediante reunião em que tenham sido convocados todos os representantes dos poderes estaduais e equivalentes, sob a presidência do representante do governo federal (CONFAZ).
Assim, resta comprovado que não só a guerra fiscal existe por uma conveniência estatal, como também a presente Reforma Tributária, se aprovada, fará com que os contribuintes sintam profunda saudade do presente e deficitário sistema em vigor.
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*Coordenador Tributário do escritório Rayes Advogados
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