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Haja Tamanduá

Olhando assim de longe dá para ver que o verde é quase um só, mas reparando bem, chegando mais para perto, não há como confundir o verde das folhas de boldo com o verde dos canudinhos das cebolinhas.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Atualizado em 11 de março de 2009 13:11


Haja Tamanduá

Edson Vidigal*

Olhando assim de longe dá para ver que o verde é quase um só, mas reparando bem, chegando mais para perto, não há como confundir o verde das folhas de boldo com o verde dos canudinhos das cebolinhas.

Na varanda não há mais goteiras. A não ser que os ventos espanquem a chuva empurrando as águas para debaixo do telhado, agora não há mais razão para se pular da rede para não ser molhado pela chuva.

Os ventos matinais balançam as folhas da carambola, da mangueira, do cajueiro, fazendo cair como se fosse um chuvisco os pingos retidos da chuva de ontem à noite.

Chegando ao canteiro, me demoro na sua estória. Queria encomendar uma canoa daquelas de pescadores para as crianças brincarem no açude. E não encontrava um mestre canoeiro.

Um dia chegou um amigo com uma canoa enorme, de metal, evocando Lavoisier, aquele que disse que da natureza nada se perde, tudo se transforma.

De uma Kombi velha, capotada, tirou o teto e daí aquela barca, La Barca, a bordo da qual entoamos o bolero.

A ferrugem foi se tornando incontida até que sobre uma base, imitando um deck no jardim, La Barca virou este canteiro que atrai a atenção de quem chega a casa.

Não é possível que ninguém não tenha visto abaixo do canteiro esta colônia de cupim.

Quem só os conhece de ouvir falar, não faz ideia do grande mal que representam. Foi quando me dei conta do que realmente são que me alistei na luta aberta contra eles.

Se você ainda não sabe, fique sabendo que não são aqueles cupins do voto vencido do acórdão. Ah quem nos dera! Como seriam ótimos se os fossem.

O voto vencido quando desfralda uma divergência ousada, inovadora, descolada dos formalismos, mas transbordante no compromisso com a justiça, algumas vezes obstaculizada, mas sempre, ao final, triunfante, o voto vencido assim ajuda a melhorar o mundo.

Os cupins, amiga, amigo, esses societários contra os quais não se deve dar trégua, se mostram macios, quase inofensivos, mas são capazes de tudo, até mesmo de devorarem uma casa.

Curioso na organização deles é que só o rei enxerga, o resto tudo é cego, se guiam pelo olfato ou pelas rotas úmidas. Dividem-se entre soldados e operários, no fundo uns idiotas a serviço do império do seu poderoso chefe.

Como os dinossauros, os cupins são muito antigos. Seus costumes e práticas datam de mais de 50 milhões de ano. Depois que alvejam um território dizendo é aquele, sai de perto. Vão com tudo, fazem de tudo e quase sempre conseguem.

Trabalham muito na calada da noite, cavando túneis, construindo seus abrigos subterrâneos, conseguindo resultados grandes com pequenos golpes, no que contam com o apoio de tipos como fungos, bactérias e protozoários.

Por isso é que eles preservam essa imagem pública de invencíveis. Fazem essas trampolinagens todas, cavam o chão se escondendo, não se desgrudam uns dos outros, tudo por um gosto.

Cupim só quer mesmo é a glicose da celulose. Eles têm um estômago incrível. O estômago da princesa deles chega a ser maior do que o estômago do rei.

Os soldados deles têm mandíbulas com lâminas parecendo um anzol. Trabalham na defesa e no ataque. Os operários têm os dentes serrilhados.

Eu sei que os cupins não se interessam nem pelo verde dos boldos, nem pelo verde dos canudinhos de cebolinhas.

Eles estão a fim é de solapar as estruturas do deck do canteiro, confiantes em que a ferrugem um dia, certamente, destruirá por inteiro a La Barca.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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