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A propriedade fiduciária (domicílio bancário) na recuperação judicial de empresas

O artigo publicado pelo prestigiado Jornal Valor Econômico, pág. E1, no dia 06/2, próximo passado ("Advogados buscam estratégias para derrubar ´trava bancária´"), segundo o qual estariam sendo buscadas em Juízo novas teses sustentando que os créditos com garantias reais (no caso oriundas da alienação fiduciária e da cessão fiduciária de recebíveis) teriam de se submeter à recuperação judicial de empresas, passou ao largo de importantes (e fundamentais) aspectos que revestem o tema e que não podem deixar de ser refletidos em matérias dessa natureza, pois milita a descrédito do nosso sistema jurídico e a desfavor da nossa economia.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Atualizado às 08:34


A propriedade fiduciária (domicílio bancário) na recuperação judicial de empresas

Afranio Carlos Camargo Dantzger*

O artigo publicado pelo prestigiado Jornal Valor Econômico, pág. E1, no dia 6/2, próximo passado ("Advogados buscam estratégias para derrubar 'trava bancária'"), segundo o qual estariam sendo buscadas em Juízo novas teses sustentando que os créditos com garantias reais (no caso oriundas da alienação fiduciária e da cessão fiduciária de recebíveis) teriam de se submeter à recuperação judicial de empresas, passou ao largo de importantes (e fundamentais) aspectos que revestem o tema e que não podem deixar de ser refletidos em matérias dessa natureza, pois milita a descrédito do nosso sistema jurídico e a desfavor da nossa economia.

Alguns desses aspectos (seria pretensioso esgotá-los nesse artigo) estão a seguir apontados.

a) a alienação fiduciária e a cessão fiduciária são instrumentos jurídicos que possibilitam a constituição da propriedade fiduciária de determinados bens em favor do credor. Por intermédio delas é constituída uma modalidade de garantia real que, tendo obviamente sido criada por lei, é capaz de conferir aos investidores, enquanto credores, a certeza de uma recuperação célere, eficaz e relativamente barata do crédito inadimplido. Soma-se a isso, ainda, e especialmente, o fato de, por se tratar de proprietário fiduciário, o credor não se submeter à recuperação judicial, conforme expressamente previsto na Lei nº 11.101/2005 (nova lei de falência - clique aqui);

b) é inconteste que se os benefícios acima apontados são responsáveis por conferir aos investidores maior segurança jurídica e facilidade na recuperação do capital investido, de outro lado conferem aos tomadores uma maior oferta de crédito por preço menos custoso, pois é fato notório que um dos componentes embutidos no custo do dinheiro é exatamente o risco jurídico da recuperação do crédito, que opera em ordem diretamente proporcional ao preço do dinheiro, ou seja, quanto menor risco enfrentar o investidor na recuperação do seu crédito, menor será o preço do dinheiro emprestado;

c) a questão tratada no artigo acima referido, na medida em que se volta contra a alienação ou cessão fiduciária de bens futuros, além de atingir outros tipos de operações importantes realizadas no sistema financeiro (empréstimos para capital de giro das empresas, por exemplo), atinge com bastante força a operação comumente conhecida no mercado pelo nome de Project Finance (na qual a idéia central é que o próprio projeto, uma vez implementado, se pague, ou seja, os futuros recebíveis oriundos do próprio negócio é que são, na maioria das vezes, os responsáveis pelo pagamento do financiamento, se devendo a isso o fato de parte deles ser dada em garantia em favor dos investidores, parceiros que são do projeto);

d) se a referida tese for acolhida pelo Judiciário (ou acatada pelos legisladores a sugestão de alteração da legislação que atualmente regula a matéria, como noticiado), esse tipo de operação financeira, que tem o condão de possibilitar a concessão, pelos Bancos, de altíssimos créditos que são imediatamente injetados na economia a título de investimento e ajudam significativamente no círculo virtuoso de geração de novos negócios, sofrerá duro golpe e dentre várias outras consequências funestas ao sistema de crédito nacional, em última instância poderá causar prejuízos ao próprio país na medida em que minguarão os investimentos e, com ele, a produção industrial e os empregos;

e) de outro lado, logicamente que será irracional e extremamente arriscado ao próprio Banco financiador, receber em garantia 100% do faturamento da empresa financiada, de modo que a empresa fique só com as despesas de sua operação (como algum leitor menos atento ou afeito a esse tipo de operação poderia entender a partir do mencionado artigo). Isso seria obviamente fadar o projeto ao malogro, na medida em que a empresa certamente quebraria levando o credor a contabilizar o seu crédito como irrecuperável, já que para recuperá-lo o Banco depende da boa saúde financeira da empresa, sendo ele, portanto, o principal interessado no sucesso do negócio financiado;

f) finalmente, é sabido (e não poderia ser diferente) que os Bancos são profundos conhecedores em gestão de crédito. Sendo assim, é de se presumir que se as empresas financiadas eventualmente apresentarem piora em seus números e isso comprovadamente tiver por causa o recebimento, pelos Bancos, de determinado percentual do faturamento delas como pagamento do crédito, serão eles mesmos, Bancos, que tomarão a iniciativa de procurarem uma composição extrajudicial (ou até mesmo na própria recuperação judicial, se necessário for), levando em consideração, frise-se, que se a empresa quebrar eles serão os maiores prejudicados, pois sua garantia é exatamente os recebíveis futuros oriundos do negócio, e que deixarão de existir (ou performar) se a empresa falir.

Por isso é de se esperar que os nossos sapientíssimos julgadores, quando provocados a se manifestarem a respeito dessa importante questão, investidos que estão do Estado-juiz, perquiram antes de sentenciarem qual é o real interesse maior do próprio Estado e quais serão as consequências de, em detrimento da aplicação do texto de lei expresso na Lei de Falências no sentido de excluir da recuperação judicial de empresas os créditos garantidos com propriedade fiduciária (caso da alienação e da cessão fiduciária), decidirem por submeterem-nos à tal procedimento e com isso impingir significativos prejuízos aos credores fiduciários, que são incumbidos do fundamental papel de fomentarem os créditos imprescindíveis à evolução social, econômica e financeira do país e que, em observância à equação acima apresentada, certamente não haverão de suportarem sozinhos o aumento do risco causado pela insegurança jurídica.


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*Advogado e Mestre em Direito.


Autor do livro "Alienação Fiduciária de Bens Imóveis"








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