Cheque Sem Fundo, Prescrição e a Responsabilidade Civil por Omissão
A sociedade hodierna convive com altos índices de consumo, concorrência desmedida e grandes empresários se capacitando ou adaptando na forma de tratativa e fidelização com o cliente, suscitando assim novos moldes de pagamento e, consequentemente gerando menor inadimplência.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Atualizado em 6 de fevereiro de 2009 11:14
Cheque Sem Fundo, Prescrição e a Responsabilidade Civil por Omissão
Alexandre Bittencourt Amui de Oliveira*
Regiane Soares de Castro*
Os Micro-empresários para continuarem no mercado de trabalho, ao menos nos pequenos pólos comerciais, adotam práticas para receber os pagamentos que os levam ao grande risco comercial, como parcelamentos, cheques "pré-datados", Notas Promissórias e inclusive "Cadernetas de Anotações Mensais".
Não precisa ser um Economista ou Especialista em Finanças Particulares para definir que a tendência de tais práticas é o fracasso, onde o principal objeto desta insegurança econômica é o cheque.
O cheque é um título executivo extrajudicial, regido pela lei 7.357/85 (clique aqui) o qual dispõe em seu artigo 32 que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, sendo desconsiderada qualquer menção em contrário escrita neste.
A prática do aceite do cheque "pré-datado" é comum perante os comerciantes, para evitar perda de possíveis clientes ou prejuízos ainda maiores. Todavia, quem os recebe com indicação de saque em data posterior, acredita que pela honra e cumprimento dos deveres cíveis haverá saldo disponível na Conta-Corrente do emitente.
O fato de um cliente sem saldo disponível, deixar a Agência Bancária portando folhas de cheque resume-se em um enorme afronto a qualquer regra social de honestidade e ainda desrespeito a qualquer norma do Código Civil (clique aqui) e do artigo 32 da lei 7.357/85, a "lei do cheque", pois este título extrajudicial é facilmente conceituado como "Ordem de Pagamento à Vista".
Os artigos 3º e 4º da lei do cheque, determinam que o cheque é emitido contra o Banco sob pena de não ter valor como tal, devendo ter saldo disponível, estando neste momento, autorizado a emitir cheque.
É utopia pensar que um empresário ao receber um cheque como forma de pagamento consulte o saldo da conta corrente do emitente, pois não existe mecanismo disponível, e ainda caso exija qualquer apresentação de comprovante, arrisca-se a responder perante o judiciário por Danos Morais.
Os cientistas jurídicos vêm entendendo que a omissão adquire relevância jurídica e torna o omitente responsável, quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado. Este negócio jurídico advém de lei ou de uma conduta pretérita do próprio omitente, gerando o risco da ocorrência do resultado negativo para outrem, devendo assim agir para impedi-lo.
O ilustre doutrinador, Sérgio Cavalieri Filho, nos leciona sabiamente sobre o tema:
"Só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado".
É sob esta ótica que surge a responsabilidade do Banco, que fica clara no conceito de conduta, qual seja:
"A conduta é o comportamento voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas".
Toda Instituição Financeira deveria ser responsável pelos inúmeros cheques sem fundos que correm entre os empresários, pois primeiramente recebem o pagamento de tarifas tanto do emissor quanto do portador do cheque, disponibilizam várias folhas de cheque para quem não possui nenhum tipo de saldo, e visam o lucro antes da segurança jurídica e financeira, sendo dessa forma omissas perante a sociedade, prejudicando inclusive aqueles que agem de boa-fé e somente emitem cheques com saldo disponível.
Apesar de o cheque prescrever em 6 (seis) meses contados da apresentação, a relação jurídica que deu origem ao cheque prescreve em 10 (dez) anos.
Por se tratar de um direito comum com garantia real, o Código Civil em seu artigo 205 instituiu que prescreve em 10 (dez) anos as ações em que a lei não haja fixado prazo menor, o que ocorre no caso em comento.
Os ilustres doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro tratam em sua obra, de maneira sucinta, sobre o tema, vejamos:
"Nada impede que o credor ingresse com ação fundada na relação causal que deu origem ao cheque, ou seja, no negócio jurídico que deu origem à dívida consubstanciada pelo cheque. Nesse processo o autor irá buscar uma sentença judicial, que como título executivo judicial. Aqui o prazo prescricional é o de direito comum, de 10 (dez) anos (C.C. art. 205).
A maioria dos Tribunais não se manifestou com relação ao prazo prescricional da Ação de Cobrança para recuperação de dívidas oriundas de cheques sem fundos, todavia, com relação à Ação Monitória, é pacificado o entendimento que o prazo prescricional é de 10 (dez) anos, podendo ser este prazo aplicado analogicamente à propositura da Ação de Cobrança.
Cumpre ressaltar que o Código Civil em seu artigo 206, §5º, I, institui que prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão para cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, no entanto, o cheque nada mais é do que um título cambial, possuindo lei própria e não tendo o prazo prescricional para este tipo de ação previsto no Código Civil, passando a ser assim o correto entendimento para prescrição da pretensão em 10 (dez) anos.
Na edição do novo Código Civil, houve dentro da doutrina incessantes discussões acerca da confusão entre Direito Comercial e o Direito Civil, principalmente com relação aos Instrumentos particulares cambiários e não-cambiários. Assim resta-se evidentemente claro que o cheque é regido por lei especial, não perdendo sua eficácia coma a entrada em vigor da lei 10.406/02, não se aplicando consequentemente o disposto no artigo 206, §5º, I do louvável código.
A Ação de Cobrança visa uma sentença judicial que reconheça a relação jurídica que deu causa ao cheque prescrito, por meio da qual o Credor poderá, através de cumprimento de sentença, reaver o montante que lhe é devido, já que houve apenas a perda temporária da exigibilidade, permanecendo a certeza e a liquidez do título. Assim todo aquele que for portador de um cheque não honrado, poderá depois de ultrapassados os prazos para Execução e Ação de Enriquecimento sem causa propor Ação Monitória, para trazer executividade ao título, ou Ação de Cobrança.
As Instituições Financeiras visam ultimamente somente o lucro em grande escala, e para isto disponibilizam, sem qualquer critério que ofereça rigor, a qualquer pessoa munida de documentos pessoais o acesso a ser correntista de qualquer Banco no País, a qual deixa as dependências das Agências portando no mínimo um talonário de cheques.
Pertinente fazermos aqui uma comparação em que ao efetuar suas compras a crédito, valendo-se do Cartão, a Instituição Financeira concede ao cliente o saldo e obrigatoriamente assume o risco pelo inadimplemento, tanto é verdade que a administradora paga o débito e depois, regressivamente, "cobra" do consumidor; e, sendo o cheque uma ordem de pagamento à vista e só podendo ser emitido caso haja suficiência de fundos para sua compensação, obvio é que, tendo o Banco oferecido talonários a correntistas que não possuíam o referido saldo, ele estaria assumindo o risco do negócio, da mesma forma que a Instituição que disponibilizou o cartão de crédito, e consequentemente com o mesmo dever de ressarcir os prejuízos causados pelo inadimplemento.
De acordo com o acima exposto, quando a pessoa porta um cartão de crédito a Instituição Financeira tem o dever de agir e age a partir do momento que cobre a dívida efetuada pelo cliente para posterior cobrança do mesmo, e com relação às folhas de cheque o raciocínio deveria ser o mesmo, pois ao receber um cheque como forma de pagamento, a pessoa jurídica ou física não tem qualquer controle do saldo bancário, e caso este saldo não exista é óbvio que o Banco está sendo omisso.
Podemos comparar ainda esta omissão e a disponibilização de folhas de cheques a quem não possui condições como uma prestação de serviços defeituosa. Conforme disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90 - clique aqui), o fornecedor de serviços responde, independentemente, de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, sendo certo, ainda, que se considera defeituoso o serviço quando fornecido sem segurança ao consumidor, em vista de circunstâncias relevantes, tais como: o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam, e a época em que foi fornecido.
Pode parecer estranho a referida comparação, no entanto, quem porta um cheque recebido como forma de pagamento por um serviço prestado ou produto vendido, deve ser obrigatoriamente comparado a Consumidor, dessa forma ele sofre os prejuízos oriundos de um produto defeituoso e carreado de vícios colocado em circulação por culpa da Instituição Financeira que foi omissa ao analisar as reais condições Financeiras do correntista.
Dessa forma, é pacífico o entendimento de que a Instituição Financeira, ora denominada empresário, tem responsabilidade como fornecedor ao colocar um produto, "cheque", em circulação sem os devidos cuidados legais, não evitando assim o prejuízo do consumidor final, devendo então responder pelos danos causados a terceiros.
O art. 17 do Código equipara ao consumidor todas as vítimas do acidente de consumo. Esse dispositivo não repete o requisito da destinação final, informador do conceito geral de consumidor, importando dizer que a definição do art. 2º é, aqui, ampliada, para estender a proteção do Código de Defesa do Consumidor a qualquer pessoa eventualmente atingida pelo acidente de consumo, ainda que nada tenha adquirido do fornecedor, fabricante ou qualquer outro responsável.
Ademais, é pacificado o entendimento de que há entre as instituições financeiras e o consumidor uma verdadeira relação de consumo, para isto vejamos o que dispõe a súmula 297 do STJ:
"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
O cliente agindo supostamente de boa-fé, em situação financeira crítica e que possui o nome sem restrição creditícia, pode ter acesso a várias folhas de cheque sem nenhum empecilho e mesmo sem saldo em sua conta corrente consegue adquirir em vários locais ou estabelecimentos comerciais o pagamento de alguns débitos ou a aquisição de alguns produtos, já que quem os está recebendo não irá comprovar naquele momento se há ou não saldo na referida conta.
Cumpre esclarecer que, por não possuir saldo em conta corrente é inegável que as pessoas que passaram a portar os tais cheques "sem fundos" não conseguirão receber o valor de direito pela contraprestação do serviço prestado e somente então o emitente terá seu nome incluso no cadastro de inadimplentes, ou seja, várias pessoas são afetadas pela inadimplência antes de existir qualquer restrição.
Por fim, cumpre destacar que enquanto a sociedade e seus políticos aceitarem as imposições dos banqueiros e se submeterem ao prejuízo presumido para que estas Instituições aumentem seu lucro inescrupulosamente, a única solução é excluir o cheque como pagamento aceitável, punindo, infelizmente, quem emite tal título com suficiência de fundos, ou então passar a responsabilizar estas Instituições pelos Danos morais e materiais causados a terceiros.
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*Sócios do escritório Porfírio, Amui & Castro Advogados