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O astrônomo jurídico míope e as limitadas "estrangeiras"

Visualizemos o direito por meio da figura do universo. Suas inúmeras galáxias corresponderiam aos diversos ordenamentos jurídicos nacionais, cujos imensos braços muitas vezes se tangenciam ou se inter cruzam, causando efeitos recíprocos entre si. Os sistemas estelares no interior de cada galáxia correspondem aos diversos ramos do direito, circundados por um variado número de planetas, satélites asteróides e cometas, correspondentes aos subsistemas e sub subsistemas jurídicos, cujas órbitas elípticas resultam de sua inafastável interferência recíproca.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Atualizado em 2 de fevereiro de 2009 10:22


O astrônomo jurídico míope e as limitadas "estrangeiras"

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa*

Visualizemos o direito por meio da figura do universo. Suas inúmeras galáxias corresponderiam aos diversos ordenamentos jurídicos nacionais, cujos imensos braços muitas vezes se tangenciam ou se inter cruzam, causando efeitos recíprocos entre si. Os sistemas estelares no interior de cada galáxia correspondem aos diversos ramos do direito, circundados por um variado número de planetas, satélites asteróides e cometas, correspondentes aos subsistemas e sub subsistemas jurídicos, cujas órbitas elípticas resultam de sua inafastável interferência recíproca.

Dentro deste vasto contexto cabe ao operador do direito (nosso astrônomo jurídico) estudar cada astro (instituto jurídico) a partir de sua posição relativa no mencionado universo. Ele precisará então se colocar em um ponto eqüidistante (o Aleph do famoso conto de Jorge Luis Borges), de onde poderá apreciar o objeto sob enfoque em sua individualidade, não se esquecendo das múltiplas inter relações existentes. Desta forma poderiam ser estabelecidas sem erro as leis que regem esse universo.

Recentemente, no entanto, alguns astrônomos jurídicos, talvez ofuscados pelo brilho de alguma coisa para eles misteriosa, usando telescópios interpretativos com lentes sujas e/ou quebrados, focalizaram um certo asteróide de número 1.134, localizado no planeta Código Civil (clique aqui). O resultado é que suas conclusões sobre o fenômeno, a par de curiosas, estão na contramão do ensinamento de Norberto Bobbio sobre a função do sistema solar. A se adotar as suas conclusões, o sistema explodirá, e o complexo arcabouço espacial desmoronará por completo. Havendo perdido de vista o todo do universo, concluíram que as sociedades limitadas brasileiras objeto de joint ventures entre sócios nacionais e estrangeiros são ilegais quando não contam com a autorização governamental para funcionamento no País. Eles estão errados, de acordo com os seguintes argumentos:

1) A Constituição Federal - clique aqui (o sol do nosso ordenamento jurídico) afasta o tratamento diferenciado entre nacionais e estrangeiros no seu art. 5°, caput. Desta forma, se os sócios estrangeiros residem no Brasil, é ilegal a discriminação prevista no asteróide 1.134. Mesmo porque a Constituição é o astro ao redor do qual gravitam os demais. Mas, reconheçamos, muito freqüentemente uma parte dos sócios estrangeiros de tais limitadas reside no exterior. Como ficaria, pois, a sua situação?

2) Partindo da realidade de que existe um sistema jurídico harmônico e observando que as sociedades integram a ordem econômica e financeira, procuremos saber o que nos dizem outros astros dele integrantes, examinando os de números 170 e seguintes da CF. Sobre o tema em vista, há um absoluto silencio, sendo de recordar-se que a EC n° 6/1995 (clique aqui) eliminou do espaço constitucional a diferenciação anteriormente feita entre sociedades nacionais e estrangeiras. Isto certamente é um importante sintoma do novel pensamento do legislador constituinte. Restaram quanto ao caso sob exame os princípios da

(i) livre iniciativa e

(ii) da proteção da empresa de pequeno porte, constituída sob as leis brasileiras, independentemente da sua forma e da nacionalidade dos seus sócios.

Isto significaria dizer que a limitação do asteróide 1.134 se aplicaria tão-somente quanto às médias e macro sociedades limitadas, o que representaria um contra-senso jurídico levando à discriminação que também não está prevista no sol. Isto porque as sociedades de pequeno porte ficariam impedidas de crescer, sob pena de se tornarem ilegais. Ou então teriam de desfazer-se dos sócios estrangeiros, pondo-os a girar indefinidamente perdidos no espaço. Assim, ao invés do prisioneiro, teríamos o dilema hamletiano dos sócios: crescer ou não crescer?

3) Mas os sócios, colocados contra a parede, poderiam sair para uma solução transformadora, tal como acontece quando uma estrela velha implode e surge com a cara de uma supernova: bastaria mudar de limitada para anônima que, instantaneamente passariam para o lado da legalidade. Ou seja, no caso daquele pequeno asteróide, a roupa faria o monge.

4) No entanto, se deslocarmos o nosso telescópio para outro astro reluzente, de número 4.131, originado em 1962, veremos que ele trata do regime do capital estrangeiro no Brasil, não diferenciando taxativamente no seu asteróide nº 2 o capital nacional e o alienígena, contrariando o disposto no asteróide 1.134. Estamos, então, diante de uma nova guerra dos mundos. Quem então vencerá?

5) Ora, considerando-se que, em um jogo sideral, um planeta vale mais do que um satélite; uma estrela vale mais do que um planeta e assim por diante, somente podemos concluir que uma parte do asteróide 1.134 contraria as leis espaciais universais e somente resta que ela lhe seja arrancada fora e lançada no buraco negro da inconstitucionalidade. Desta maneira, sua massa crítica ficaria sensivelmente reduzida, sobrevivendo até a palavra "subordinados". O resto teria virado poeira estelar e não faria qualquer falta.

Assim sendo, não precisamos avisar o Banco Central do Brasil de que teria entupido a estratosfera terrestre com milhares de certificados de registro de capital estrangeiro, vagando perigosamente como lixo espacial, porque teriam sido ilegais quando emitidos a partir do advento do asteróide 1.134 nascido este em meio a algum estertor estranho, que alterou o seu DNA.

Constatamos, pois, que aqueles astrônomos jurídicos estão precisando urgentemente de óculos que ou tenham lentes translúcidas, ou que sejam corretivos adequados e/ou deverão trocar o seu equipamento de auxílio à visão jurídica, a fim de que não deixem mais os habitantes do astro terra em completa polvorosa.

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*Consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados

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