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Inconstitucionalidade da incidência do IPTU

Daniela Ribeiro de Gusmão

Sabe-se que as municipalidades brasileiras cobram o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) sobre bens imóveis utilizados por empresas concessionárias de serviços públicos, que deverão ser devolvidos aos entes estatais ao fim do contrato de concessão.

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

Atualizado em 7 de outubro de 2004 10:41


Inconstitucionalidade da incidência do IPTU sobre imóveis necessários à atividade das empresas concessionárias de serviços públicos

Daniela Ribeiro de Gusmão*

Sabe-se que as municipalidades brasileiras cobram o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) sobre bens imóveis utilizados por empresas concessionárias de serviços públicos, que deverão ser devolvidos aos entes estatais ao fim do contrato de concessão.

Como exemplos desse tipo de imóvel podemos citar as estações subterrâneas utilizadas na prestação de serviço metroviário e as instalações utilizadas na produção, transmissão, transformação e distribuição de energia hidro ou termoelétrica. Cumpre ressaltar, por oportuno, que os bens de que ora se cogita possuem a exclusiva função de servir aos serviços relacionados à concessão de um serviço público e, por isso, são chamados "bens reversíveis", a serem transferidos ao ente do Poder Público quando do fim da concessão. De fato, são considerados bens reversíveis todos os bens que a empresa concessionária recebe, a título gratuito, destinados e vinculados à prestação dos serviços objeto da concessão.

O Poder Público concede a uma empresa a prestação de um certo serviço público e, para tanto, cede também o uso dos bens imóveis necessários ao exercício da atividade concedida. Trata-se, apenas, de transferência de posse dos mencionados bens do Estado para o concessionário, permanecendo, todavia, o Poder Público com a propriedade dos aludidos bens, ou seja, possuindo o domínio dos bens concedidos, para retomá-los, a qualquer momento, ou recebê-los ao término do prazo da concessão.

Decerto, por serem esses bens essenciais à consecução, pela empresa concessionária, das atividades exercidas no âmbito dos serviços concedidos, é forçoso reconhecer que tais bens devem ser enquadrados na condição de bens públicos de uso especial, tal como previsto no inciso II do art. 66 do Código Civil. Com efeito, tal enquadramento justifica-se pelo fato de os mencionados bens serem de inquestionável domínio do Poder Público, e por se encontrarem, temporariamente, destinados ao "uso e gozo" da empresa concessionária, sob as regras estritas do regime de concessão outorgado pelo Poder Concedente.

No que se refere à incidência do IPTU, o Código Tributário Nacional expande o conceito de propriedade, incluindo, no seu artigo 32, como fato gerador do IPTU, também o domínio útil e a posse, conceitos que não são coincidentes. Ao contrário, segundo a nossa lei civil, tais conceitos são, a rigor, inconfundíveis. Neste sentido, é fundamental estabelecer, desde logo, que a propriedade é determinada como fato gerador do IPTU. Por seu turno, a posse só poderia ser entendida como fato gerador do IPTU na medida em que haja conciliação com o conceito de propriedade, visto que o núcleo único central do fato gerador, em torno do qual gravitam os demais conceitos, é a propriedade.

Conclui-se, desse modo, que não podem configurar fato gerador do IPTU a posse, a qualquer título, precária ou clandestina, direta do comodatário, do locatário, do arrendatário, do detentor, do usuário ou do usufrutuário, conquanto tais formas de posse jamais se tornarão efetiva propriedade. Como visto, quando da celebração do contrato de prestação de serviços entre a empresa concessionária e o Poder Concedente, ocorre a transferência de posse dos bens imóveis necessários à realização dos serviços, sendo certo de que com o término do período de concessão, tais bens voltarão à posse do Ente Estatal. Faz-se evidente, portanto, que não há qualquer intenção de propriedade desses bens por parte da empresa concessionária.

Assim sendo, pelo fato de ser um ente estatal o proprietário desses bens, deve ser respeitado o princípio constitucional da imunidade recíproca, expresso no art. 150, inciso VI, "a", da Constituição Federal, que proíbe as entidades políticas integrantes da Federação de fazer incidir impostos umas sobre as outras. De fato, a imunidade recíproca envolve o patrimônio, renda ou serviços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como das suas autarquias e fundações por eles instituídas e mantidas, essas por força do § 2º do art. 150 da Constituição Federal.

Vê-se, portanto, que sendo os imóveis, utilizados como sede de autarquias, juridicamente classificados como bens públicos de uso especial e, portanto, não sujeitos à cobrança do IPTU por gozarem de imunidade recíproca, com ainda mais razão deverão ser assim tratados os bens públicos de uso especial pertencentes aos Entes Estatais. Nessa linha de entendimentos, se o Poder Concedente é o proprietário dos imóveis reversíveis, decerto qualquer exigência relativa ao IPTU incidente sobre os aludidos bens é inconstitucional.

Releva destacar, por fim, que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou favoravelmente à tese aqui aduzida, entendendo que a empresa delegatária dos serviços do Porto de Santos deve ser exonerada da exigência de IPTU lançada sobre os imóveis que compõem o acervo patrimonial do referido porto, integrantes do patrimônio da União, de que a empresa delegatária tem a guarda, responsabilidade e gestão. Nesse sentido foi o teor da decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário nº 253.394/SP, de relatoria do Ministro ILMAR GALVÃO, julgado em 26.11.2002, pela Primeira Turma: "TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS QUE COMPÕEM O ACERVO PATRIMONIAL DO PORTO DE SANTOS, INTEGRANTES DO DOMÍNIO DA UNIÃO. Impossibilidade de tributação pela Municipalidade, independentemente de encontrarem-se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuários, em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas. Recurso parcialmente provido".

Pode-se concluir, assim, que os Municípios não podem exigir o recolhimento do IPTU sobre os imóveis reversíveis quando estes forem bens públicos necessários ao desempenho de funções essenciais à implementação e operação dos serviços objeto de concessão. Além disso, se comprovada a propriedade de tais imóveis pelo Poder Concedente, será necessário respeitar-se o princípio constitucional da imunidade recíproca, o que tornará inconstitucional qualquer tentativa de cobrança do IPTU, incidente sobre aos aludidos imóveis, pelos Municípios.
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* Advogada do escritório Siqueira Castro Advogados









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