A mídia e a intimidade
Em dias de Big Brother, Casa dos artistas, Acorrentados, chega a ser estranho falar de direito à intimidade. Entretanto, existe um liame que separa a intimidade permitida da invasiva.
quinta-feira, 7 de outubro de 2004
Atualizado em 6 de outubro de 2004 09:58
A mídia e a intimidade
Antonio Baptista Gonçalves*
O próprio direito à intimidade está previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 5o, X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Todas as pessoas têm o direito de manter-se isoladas, fechadas em sua própria intimidade, salvaguardada de olhares incautos e expiatórios.
Intimidade é a qualidade do que é íntimo. Originária do latim intimus, significa o que é interior do ser humano, o direito de estar só, de não ser perturbado em sua vida particular. A vida privada é o relacionamento de uma pessoa com seus familiares e amigos, o diametralmente inverso da vida pública.
Nos dias de hoje o que mais contribui para a devassidão da intimidade das pessoas é o avanço da tecnologia, pois, cada vez mais se descobrem novos aparelhos, câmeras, e técnicas que auxiliam aqueles que desejam invadir a privacidade alheia.
Um exemplo claro disto é o programa Big Brother, baseado, no romance de George Orwell, 1984, no qual o Big Brother vigia a atividade de todos os membros da comunidade, mesmo no interior das casas, por meio televisivo.
O grande problema da invasão da privacidade é o dano que está provoca, já que uma pessoa pode levar anos construindo uma imagem, e esta ser dizimada em fração de segundo por uma fotografia indevida...
Os conceitos de intimidade e vida privada, constitucionalmente consagrados, apresentam grande interligação, porém, diferenciam-se por ser, o primeiro, menos amplo que o segundo, encontrando-se, portanto, no âmbito de incidência deste. Desta forma, o conceito de intimidade refere-se às relações subjetivas e de foro íntimo das pessoas, como as relações familiares e de amizade. Já o conceito de vida privada engloba todos os relacionamentos das pessoas, inclusive os objetivos, como relações de trabalho, estudo.1
Também deve-se ressaltar a diferença entre intimidade e honra, no qual esta última abrange além da boa fama, consideração social, o sentimento íntimo que reflete do conceito sobre a dignidade pessoal. Já a intimidade é a vida intima de uma pessoa, ao quais os demais, não podem, não devem e não têm acesso, sem consentimento expresso da pessoa.
Os casos em que esta incursão não autorizada acontece com maior freqüência, são, sem dúvida alguma, em personalidades notórias. É inegável que a vida privada de um artista, um jogador de futebol é muito mais diminuta do que um cidadão comum.
Isto ocorre, devido ao interesse da sociedade em saber o que se passa, e de que forma essas personalidades conduzem sua vida, seja no dia a dia, na intimidade, e no relacionamento com as demais pessoas, famosas ou não.
O que não se pode confundir é que uma celebridade tem a sua intimidade reduzida, mas jamais abolida.
Sempre terá direito a preservar uma parte de sua vida que não interessa a ninguém, uma intimidade particular, que os demais somente terão acesso se autorizados.
São aqueles momentos que uma pessoa notória pode fazer suas atividades sem ter de prestar qualquer tipo de satisfação, de expor a quem quer que seja, desde ir a um cinema, como a celebrar um casamento.
É falso o entendimento de que alguns jornalistas possuem, de que uma personalidade não tem qualquer intimidade, por ter uma vida pública, todos os seus atos devem ser de conhecimento público.
Qualquer pessoa famosa, ou não tem direito a uma margem de individualidade, privacidade e proteção contra a curiosidade alheia.
Em nenhum momento a imprensa tem o direito de invadir a privacidade de quem quer que seja, seja no âmbito confidencial, como na sua "intimidade mais intima", sem o expresso consentimento deste.
Exatamente, por várias vezes não conseguir obter um "furo de reportagem", ou seja, um fato exclusivo sobre determinada personalidade, que muitas vezes alguns degradam para o lado invasivo. Como são os casos de informações falsas, forjadas, manipuladas pela mídia, de acordo com seu interesse, podendo, além disso, aumentar os fatos demasiadamente.
Exemplo claro e notório é o do colunista e apresentador Nelson Rubens, detentor do bordão "eu aumento, mas não invento".
Na ânsia de publicar um fato, um jornalista pode produzir uma noticia enganosa, que pode macular a imagem da personalidade, ou denegri-la ante as pessoas que a têm em elevada estima.
Temos dois tipos de invasão de intimidade: uma no qual a pessoa tem uma imagem sua reproduzida, seja por filme, foto, ou descrição de quem a obteve, ou alguém que obteve as mesmas coisas acima descritas, mediante sua participação e a divulgou indevidamente.
Exatamente desta última situação surgiram os "paparazzi", ou seja, aqueles que não respeitam os limites impostos pelas celebridades e fazem coisas impensadas e até mesmo inimagináveis para surpreendê-las numa situação constrangedora, e obterem o "sonhado" furo de reportagem.
Em diversas situações os limites de civilidade são rompidos, levando as pessoas a se sentirem constrangidas, acuadas, caso mais celebre fora o da Lady Di, ao qual o motorista que levava a princesa e seu namorado, fugia em alta velocidade de um outro carro que tentava, inadvertidamente e insistentemente fotografá-los.
Será que as pessoas estão se tornando reféns de sua popularidade, não lhes sendo mais permitido ter uma privacidade mínima, para realizar ainda, que reduzidamente, atividades normais de qualquer ser humano?
O direito à intimidade de qualquer pessoa, seja o cidadão comum, seja uma celebridade é o mesmo, o que é distinto é a proporção, no caso de um famoso a intimidade é sensivelmente reduzida.
Contudo, em nenhum momento, qualquer meio de comunicação, que se utilize da tecnologia, para obter os fatos íntimos da vida de uma pessoa notória, deve adquiri-los de forma ilegítima, ou seja, sem o expresso consentimento da pessoa em questão.
Não podemos deixar de destacar a importância do consentimento de quem, v.g., está sendo filmado ou fotografado, pois se tal ocorre, inexiste violação da intimidade. Assim, o que seria ilícito, torna-se perfeitamente jurídico se houver anuência daquele cuja intimidade está em jogo. Isto porque o direito à intimidade é, talvez, o direito da personalidade em que se apresenta mais delineado o arbítrio humano, já que a licitude do ato depende da vontade de quem o autoriza, desde que esta autorização não vá de encontro à lei, aos bons costumes e à ordem pública.2
Desta forma, constitui ofensas ao direito à intimidade de qualquer cidadão, violação de domicílio ou de correspondência; uso de binóculos para espreitar o que ocorre dentro de determinada casa; instalação de aparelhos para captar sub-repticiamente conversas ou imagens ou copiar documentos de residência ou repartições de trabalho; intrusão injustificada no recolhimento de uma pessoa observando-a, seguindo-a, telefonando-lhe, escrevendo-lhe; interceptação de conversas telefônicas.3
E, mesmo tendo obtido autorização, isso não significa estar esta pessoa a mercê de novas abordagens, visto que novamente deverá estar autorizando a fazê-lo.
Pode parecer irreal, haja vista a grande quantidade de fotos e imagens obtidas sem a autorização das pessoas envolvidas, propiciando ao autor da proeza, glórias por seu feito. Como se a invasão da intimidade alheia fosse um prêmio. Muitas vezes resultando no pagamento de altas quantias por material "inédito".
Quando tais fatos ocorrem, a vítima tem proteção constitucional, como o já mencionado o artigo 5°, X, sendo devida uma indenização por danos à imagem.
E aos que pensam que o dispositivo não é aplicado, tem-se o caso do ator Thiago Lacerda que ganhou um processo de indenização, por uso indevido da imagem contra o apresentador Augusto Liberato, no qual leiloava uma sunga que supostamente teria sido usada pelo ator.
A mídia não pode ser responsabilizada nos casos em que a própria pessoa autoriza a divulgação de sua intimidade, como é o caso do programa BIG BROTHER, no qual o participante tem total ciência de que não terá direito a nenhuma intimidade, e sofrerá uma exposição de sua imagem por 24 horas diárias até quando durar sua participação no programa.
Neste caso, não há que se falar em invasão de privacidade ou intimidade, porque fora exatamente a pessoa que "convidou" os demais a participarem de sua intimidade.
Não obstante, pode e deve ser penalizada quando ultrapassar os limites impostos pelas personalidades, e na ausência de regramentos, o senso comum impera, uma vez que não faça com o próximo o que não gostaria que fizessem com você.
Essa busca desenfreada por informação, fofoca, deve tomar novos rumos, e somente isto acontecerá quando as pessoas atingidas obtiverem altas indenizações, porque o medo de uma sanção econômica inibirá, e muito, a atividade dos paparazzi.
O mundo está mudando, a exposição está cada vez maior, mas certos limites devem ser respeitados, ninguém pode violar a intimidade de outrem e manter-se incólume.
Que a mídia acompanhe as pessoas famosas, noticiando suas atividades, sem óbice algum, porém, não pode, em hipótese alguma, constranger, assediar indevidamente, intimidar, tal pessoa, para conseguir tal informação, para isto tem de fazer imperiosa a aplicação dos ditames constitucionais e preservar a pessoa humana, acima da celebridade.
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1 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, p. 35.
2 Milton Fernandes, Proteção civil da intimidade, p. 116.
3 Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil, p. 105.
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Bibliografia
BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, V.2 .
Castro, Eveline Lima de. A poder da mídia e o direito à intimidade, in Jus Navegandi: https://www1.jus.com.br/doutrina/ texto.Asp? id=3248.
COSTA JUNIOR, Paulo José da. O direito de estar só: A tutela penal do direito à intimidade. 3ª ed. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2004.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990, V. 1.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 6a ed., São Paulo: Saraiva, 1992, V. 7.
D'OLIVO, Maurício. O direito à intimidade na Constituição Federal de 1988. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, n° 15: 184-203, abr./jun./1996.
FERNANDES, Milton. Proteção civil da intimidade. São Paulo: Saraiva, 1977.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2a ed., São Paulo: Saraiva, 1997.
GONÇALVES, Antonio Baptista. A mídia e a intimidade. Universo Jurídico, São Paulo, 18ago. 2004. Disponível em:
Lima, Antônio Carlos de & Oliveira, Cláudia Marques de. Crimes contra a intimidade requerem definição em lei. In www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=666.
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* Advogado