Candidatos "fichas-sujas": supremo afasta o risco da hipermoralização do direito
O sexto risco gerado pela teoria da (neo) constitucionalização do Direito (de um total de dezoito, consoante o Prof. Rodolfo Luis Vigo - cf. GOMES, L.F. e VIGO, R.L., Estado de direito constitucional e transnacional, São Paulo: Premier, 2008, no prelo) consiste na sua potencial hipermoralização (que é a superposição da Moral sobre o Direito vigente). É certo que a Moral e o Direito não se confundem (essa era uma das teses de Kelsen), mas agora, por força da doutrina (neo) constitucionalista, a Moral (por meio dos princípios) tem presença (cada vez mais) garantida dentro do Direito.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Atualizado em 14 de novembro de 2008 11:37
Candidatos "fichas-sujas": supremo afasta o risco da hipermoralização do direito
Luiz Flávio Gomes*
O sexto risco gerado pela teoria da (neo) constitucionalização do Direito (de um total de dezoito, consoante o Prof. Rodolfo Luis Vigo - cf. GOMES, L.F. e VIGO, R.L., Estado de direito constitucional e transnacional, São Paulo: Premier, 2008, no prelo) consiste na sua potencial hipermoralização (que é a superposição da Moral sobre o Direito vigente). É certo que a Moral e o Direito não se confundem (essa era uma das teses de Kelsen), mas agora, por força da doutrina (neo) constitucionalista, a Moral (por meio dos princípios) tem presença (cada vez mais) garantida dentro do Direito.
Do livro acima citado extraio o seguinte trecho:
"À luz destas propostas típicas do neoconstitucionalismo que se compraz em reconhecer quanta moral existe no Direito, o alerta que se formula é em torno ao risco que a moral ocasiona ao Direito, ou que os juristas sejam moralistas ao pretender entender e operar o Direito conforme a Constituição (clique aqui), já que, é na moral que está o núcleo do Direito. Fora o espaço institucional que supõe o Direito na hora de sua aplicação, esse se torna irrelevante ou então acaba por explicitar-se ao teor da moral. Do impossível sonho da pureza kelseniana e as distinções taxativas entre Direito e Moral, se corre o risco de terminar sem distinguir nenhum deles."
Os candidatos "fichas-sujas", afinal, por força do princípio da moralidade (isto é, por razões moralistas), podem ter suas candidaturas rejeitadas pela Justiça Eleitoral?
O STF, julgando o mérito da ADPF 144 (clique aqui), proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, por maioria de votos (9 x 2, j. 6.8.08), disse não. Ficaram vencidos os Senhores Ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa (que incorreram no erro e no risco da hipermoralização do Direito). O Supremo julgou improcedente a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), nos termos do voto do Relator, Min. Celso de Mello, decisão esta dotada de efeito vinculante, segundo a Lei nº 9.882/1999 (clique aqui).
O TSE já havia firmado o entendimento de que a Justiça eleitoral não pode rejeitar as candidaturas dos "fichas-sujas", salvo quando se trata de condenação pretérita com trânsito em julgado. Ninguém pode ser privado do direito de se candidatar a uma eleição em razão de acusações ou mesmo condenações sem trânsito em julgado. O STF não cedeu à pressão da AMB nem da sociedade (80% apoiava a tese da AMB). Não se pode negar o salutar espírito moralizador desta Associação e da maioria do povo brasileiro. De qualquer modo, soube o STF distinguir o joio do trigo, ou seja, o Direito da Moral.
Se de um lado o princípio constitucional da moralidade com toda certeza nos conduz a (em tese) refutar candidatos "fichas-sujas", de outro, é certo que a própria Constituição (art. 15, III), fundada no princípio da presunção de inocência, afirma que a perda ou suspensão dos direitos políticos só se dará com a condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. A AMB, num momento passageiro (espera-se!), inclinou-se pelo Direito penal do inimigo, desejando (sem nenhuma previsão legal) que o "processado" seja tratado como "culpado". Tudo isso para atender "ao espírito moralista, não a letra da lei e da Constituição". Pela Moral os fichas-sujas realmente deveriam ser excluídos. Mas pelo Direito vigente não. É impressionante constatar como o belzebu do Direito penal do inimigo sempre que expulso por uma porta (sob inspiração do Estado de Direito) tenta retornar pela janela (do Estado de Polícia).
Recorde-se que a lei das inelegibilidades (LC 64/1990 - clique aqui) não prevê a hipótese de rejeição de uma candidatura de quem ainda responde a um processo (criminal ou por improbidade administrativa). Processos em andamento não contam com coisa julgada, logo, prepondera o princípio constitucional da presunção de inocência (como bem sublinhou o Min. Celso de Mello, que aduziu: "a legitimidade dos fins, por mais dignos que sejam, não justifica a ilegalidade dos meios". De outro lado, são muitas as condenações de instâncias inferiores que acabam sendo reformadas pelo STF (28%), como bem sublinhou o Min. Lewandowsky.
O risco de hipermoralização do Direito (preponderância da Moral sobre o Direito positivado), como se vê, foi corretamente afastado pelo STF (na ADPF 144). Andou muito bem nossa Corte Suprema, que sopesou os princípios da moralidade, da presunção de inocência e da legalidade, conferindo no caso concreto valor maior a estes últimos.
Está o Congresso Nacional impedido de contemplar outras hipóteses de inelegibilidade, incluindo-se a situação das "fichas-sujas"? Não, pelo que está proclamado no § 9º do art. 14, da CF (com redação dada pela EC 4/1994). Sendo assim, a responsabilidade pela moralização do processo eleitoral brasileiro é, neste ponto, desde logo, do legislador, a quem compete fixar critérios rigorosamente objetivos de inelegibilidade (não podendo legislar de forma vaga, confusa, o que permitiria um juiz aceitar uma coisa e outro não).
Claro que os partidos políticos também podem cumprir relevante papel de filtragem e que a Justiça Eleitoral, o mais pronto possível, deve se aparelhar para poder divulgar os processos em andamento de todos os candidatos. Mas enquanto nada disso acontece, cabe mesmo à população brasileira a escolha entre a conivência com o político corrupto e a limpeza ética.
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